abril 21, 2009

homem de vidro.

mariana, a sua irmã não é de cristal. você, tampouco. você sempre pensou que era, certo? tinha medo de subir em trepa trepa. tinha medo de ficar em pé na balança. tinha medo de montanha russa. o que você acharia de um dia se esmigalhar? você pensava na morte. ás vezes, tinha a sensação que ia morrer. e pedia pro seu Deus, que ainda era Papai do Céu, pedia fervorosamente, me deixa acordar, me deixar acordar amanhã. você ficou com medo porque sua mãe deu aquele livro espírita para você ler, violetas na janela, se lembra? ela só tinha 17 anos e morreu dormindo. você não terminou de ler, não passou do primeiro capítulo. morrer com 17 anos era já muito dramático. talvez não te sirva uma religião de vida após a morte. é muito apegada à essa vida, mesmo que não tê dê nada. só conseguiu pensar na morte e não no que além poderia trazer, como dizia o livro. você se incoforma quando ouve os espíritas e os budistas. acha que a vida aqui é que vale a pena ser encarada. mas você gostou daquele outro, que a menina tinha descoberto ser índia em outra vida. o passado não te assusta tanto. tudo bem, se eu tiver umas duzentas vidas atrás de mim, mãe, tudo bem, eu acho ok. ou era porque você queria ser índia. e queria ser escrava. ainda hoje, quando estuda feudalismo você se pega pensando "se naquela época vivesse, eu seria um servo ou senhor feudal?" você gostava de ser servo, operário, escravo, índio, tudo oprimido, guardado, preso, fudido. mas agora você pensa. "deve ser uma merda ser servo." e uma merda ser senhor feudal, porque não te agrada os ares do autoritarismo, do topo. então, você queria ser padre. pelo menos, você podia estudar, estudar o que mais quisesse. mas não contaria à ninguém, descobriria a inexistência de deus e ficaria quietinha, para manter o sistema. então você pensa "foda-se, ainda bem que nasci aqui." antes, também, você queria ser várias coisas, você queria ser faveladinha, se lembra? você queria sentir no sangue o que escrevia. você leu um livro, não lembro qual o nome do livro, era um livro que falava de um menino de rua, você o pegou na biblioteca da escola, tinha uma capa branca. o menino de rua, que tomava gasolina, que cheirava cola, para passar a fome. que viu algum ente querido transando em um terreno baldio. você lembra como gostou? então, na sua próxima redação você reiventou uma menina de rua também. lembra como te aplaudiram como você leu? tava toda envergonhadinha, onze anos, tinha muitos uivos, uma loucura. você não contou para ninguém a sua fonte de inspiração secreta, você decidiu que iria se dedicar á literatura política, social, marginal. quando foi que você quis escrever sobre sexo? você deu pulos de alegria quando leu cem anos de solidão, você diz que gosta da Rebeca, mas ninguém sabe é que só porque um dos Jose Buendía, um grandão fortão, comeu ela na rede. você essa passagem. e você diz que gosta da Meme, mas só porque ela morreu de amor impossível. só porque ela ia atrás das borboletas amarelas, só porque ela ficava bêbada e media as partes do corpo com as amigas. e você não gostava daquela que subiu aos céus, como se chavama? a mais bonita de todas, que fez um homem morrer, você até gostava porque ela não tinha modos, não tinha moral, tinha nada, mas morreu virgem porque não sabia o que era sexo, porque não ligava, ela subiu e foi embora sem prazer algum. e depois você leu aritmética, e tudo mudou, você revirou-se toda, dentro de você, uma revolução em constante movimento, e fora de você, nada que ninguém ligasse. sempre nada que ninguém ligasse. fora de você, as coisas morriam, murchavam, esqueciam-se. permaneciam sempre latentes, intactas. você se esconde de medo, foge, tampa, cava, buraco. tchau, mundo. fora de você nada de muito excitante, nenhum sorriso que pudesse engolir o mundo. nunca enguliu nenhum mundo. e acha que é de vidro, espasmo, cristal, quebra, foge. deixa a sua irmã cair, deixa ela viver, não deixa ela ser assim, que nem você.
você queria, mas há vidro demais na sua alma latente.

abril 11, 2009

você vai volta foi não volta


e continua incompleta.