fevereiro 05, 2014

cartas bélgica #4

são paulo, 5 de fevereiro de 2014.

te vi outro dia na rua. lembro-me ainda de muita coisa. de nós, algumas pontas. do dia que adormercera no meu colo. ainda tem o sono pesado? você passava pela rua naquele seu andar entorpecido, atrasado para o último metrô. creio que sim. dormia e sonhava alto e não ouvia os estampidos, os tiros, o trator ininterrupto. acordava bravo porque me metia na mesma cama que você. sequer ouviu um naco das histórias que eu inventava e te contava em meio ao sono solto. respondia sempre monossilábico. afoito.
lembro-me de mim. mas os tempos me parecem outros. encontrei uma clareira, te disse? um dia quero te contar sobre ela. de como da terra da clareira vislumbrei um outro mundo. um dia, talvez, me conte dessa sua sobrevivência trôpega, escorregadia. nunca entendi como prefere apoiar-se aos escombros na promessa duma fortaleza. acho que nunca entenderei. 
peguei a mania de pisar descalço no asfalto quente, talvez você não entendesse. 
até um dia qualquer. dessa vez, não precisa responder.

cartas bélgicas #3

tentativa 2

ninguém avisou, o âncora sumiu. a tv um breu, nenhuma notícia. no meu celular, nada de você. o mundo finado, alma penada. culpa-toda-sua-e-explodiu.

cartas bélgica #1 tentativa 2

TENTATIVA 2

querido,

faz frio aqui. se saio à rua, e saio pouco, tudo chamusca. os restos. as casas. as pessoas. queimam porque o frio é polar. ou porque eles assim o desejam. eles e seus isqueiros, suas bitucas, suas bombas caseiras. 
um último ato desesperado. um pedido de socorro, talvez.
onde é que você se esconde? ouço falar nos abrigos aterrados de gente, na água daí que rareia. se meu corpo ainda se dói de pensar que tudo vai ser lentamente destruído e rapidamente abandonado (tenho sonhado com gente comendo gente), dói-me o mundo. que o mundo; você.
encosto devagarinho minha orelha no seu peito. minha orelha gelada. o dorso da minha mão, dentro da sua. você me ouve se estivesse um pouco mais perto. guardados dentro do meu apartamento feito de aço e cimento.
adiar o fim do mundo. o quanto aguentar. e o desmoronar, tanto faz, um jogo de amarelinha. 
inferno, cadê você. um dois, um estampido. quatro cinco, apita a sirene. oito dez, meu interfone; céu-paraíso; você.
aguardo na janela, minha rua te espera, ansiosa de seus passos.