dezembro 20, 2012

as mulheres andinas

ai, viajar às américas para encontras as mulheres andinas, as cholas, as mulheres escritas e enlameadas por Galeano, viajar para encontrá-las, e o que fazer? perguntei à ela, que de surto se encontrava fumando a janela e vendo o sol se esvaindo na cidade perturbada lá embaixo, que nada se esmorecia, nada morria, na verdade, regurgitava ansiosa pelo horário de pico os carros e as gentes indo e vindo e fazendo peso sobre o asfalto amolecido pelo calor, regurgitava pelos velhos bêbados e os jovens tolos que se iam e não voltavam, e a noite nada é mais que um novo dia, ela por fim declamou consciente do seu tom um pouco piegas. por que você diz assim, eu perguntei me rindo todo, toda essa poesia babaca e essas vontades de nada, encontras as mulheres e que fazer? tirar-lhes fotos e colá-las nas paredes brancas do nosso apartamento espremido no meio de todo o resto; ela olhou-me séria e  triste, que há de ter algo um pouco de essa tal esperança inútil, um pouco desse tom estúpido, e um pouco de vontade de fazer um impossível qualquer, andar mesmo que seja para voltar, e os dias e as noites serão longos como velhos que morrem aos cem anos, no final de tudo, cansados e um pouco ranzinzas, mas carregando no corpo as marcas e as ranhuras, cada ruga um dia e uma noite, cada arranhão um orgulho. é preciso viver para criar conflito, ela explodiu e em sua maneira performática de fazer as coisas, levantou-se ao sofá e disse uma par de coisas sobre a necessidade de conflito, embate, bater-se à frente e pede: não vou mais abaixar a cabeça feito um cachorrinho, não vou mais falar doce aos que me desesperam e se por ventura desesperam o mundo, é preciso que lhes diga, que eles saibam. mas é tão difícil, eu disse tristemente, eu dentro do meu ninho de pessimidades, em que tudo é fio em volta, em que tudo é como era que se enrola em volta do meu corpo e já não é possível sair de mim mesmo. calei meus sonhos todos, calei minhas possibilidades, tranquei-as com medo da pieguice e sobretudo do tombo. e ela riu desgarrada e eu quase a chorar lembrei-me do seu corpo nu que era de uma centena de marcas incontáveis. pedi que tirasse a roupa e ela obedeceu sorrindo e como quase sempre pedi novamente que me contasse a origem dos seus tombos e dos seus arranhões e ela pôs-se a falar simplesmente: as marcas do meu rosto vieram das espinhas de adolescente, e este arranhão de quando passei por uma cerca de arame farpado e este roxo aqui, mês passado, quando um policial bateu-me com seu cassetete - nunca sabia se era verdade, mas se pude acreditar nas espinhas por que não na crueldade dos outros? e estes pés de galinha o sinal da idade, que não quero comprar cremes para tampar, e aqui estão os meus pés pretos que já tenho preguiça de lavar, e as sujeirinhas no canto da unha que é sinal dos tempos das faltas de tempo, e aqui onde não cresce pêlos uma queimadura certa vez, talvez pulando fogueira quando pequena, talvez queimando no escapamento de uma moto quando tinha dezesseis. e fizemos amor enquanto ela recitava seu poema das marcas do corpo, coisa que só podia fazer comigo, porque por mais que, e ela chorou ao dizer isso enquanto sentia prazer, se sentisse linda, louca e livre, se sentisse plena e política, se sentisse pronta à enfrentar ao mundo e cambiá-lo a cada passo, era difícil, doloroso, aceitar-se a si mesma, e por conseguinte, ser aceita, sem saber o que vem antes. era doloroso olhar no espelho as tantas marcas que a vida lhe deu que ela sabia, eram parte de sua história de sua loucura e de sua vergonha, e não sentir vontade de escondê-las e e de mostrar-se perfeita e normativa, para ser amada, dentro. devem assim se sentir aqueles que sofrem de vitiligo ou que raspam a cabeça pela quimioterapia, aquelas mulheres - ouvi falar - que cortaram seus clítoris, aquelas outras que lhe jogavam ácido na cara por punições estúpidas ou tantos outros casos que ferem a normatividade da cútis, da forma padronizada e corretíssima, mas chove agora, ouve, amor, e a chuva lava a cidade, mas também lava os que esqueceram os guarda-chuvas ou os mendigos mal-humorados, tudo que lava também desgraça. setenciou arfante e sentada e suada ficou olhando a bom tempo para a parede a sua frente, sem coragem de mais nada dizer, os olhos ainda cheios de água que não podia mais escapulir, seria bom umas fotos das cholas aqui nesse parede para me dar minimamente algum aconchego, por mais idiota, você pensa, melhor as fotos que os fungos. e já não tive coragem de desencorajá-la nem mesmo de socorrê-la a parede ainda era branca mas nos seus olhos via-se verde e brotada de podre, o podre era nós, isso eu também sentia e beijei seus cabelos dizendo: vamos às américas, queridas. um mês depois aprontamos as malas e fomos.

dezembro 09, 2012

manifesto ao espectador

esse é um manifesto a todo espectador. a todo e qualquer espectador, mas principalmente ao espectador elitista, cineasta ou cinéfilo, estudioso, chato por natureza. ao espectador tão gordo que ocupa toda uma fileira de cadeiras com seus insultos seus bufos sua indignação estúpida. ao espectador que se digna a sentir ódio de filme e passa diante da vida como se fosse flor. o espectador mimado, que se sente sempre acima, rei do pedaço, o espectador que recebe o filme e diz: vem, me agrada, vem me faz um carinho, me masturba, vem eu eu preciso gozar. ao espectador que diz que perdeu duas horas da sua vida, tão completa e cheia de loucuras. o espectador filho mimado que acha que todo filme, todo filme, todo filme, foi feito para agradá-lo. acha que todo filme todo filme todo filme tem de passar por seu crivo seu julgamento seu filtro. todo filme, diz ele, tem de me fazer emergir, tem de me contar uma história de vida, e quando não, tem que me dar paisagens bonitas, e quando não, alguma música que eu goste. todo filme e santo filme todo filme desse mundo só para mim. para passar pelos meus olhos, minha boca e me sentir gozado e cheio de mim. todo filme que diga respeito somente a mim. porque o mundo sou eu. ao espectador estúpido que reproduz a mesma lógica do mundo, mesmo se se diz contrário, individualizado e solitário, que exige do cinema ser sempre indústria, sempre impecável, ao espectador que não deseja ver, só julgar, que deseja só falar sobre e emitir sua opinião tão poderosa, devastadora. ao espectador que fala tanta merda que se iguala à suposta merda de filme que acabou de ver. ao espectador centro do mundo e das atenções, que não admite rebarba, outro público, outro tipo, que não admite outros mundos, e que passa adiante sem vontade de ver e só estraga. e finalmente ao espectador estúpido classe média que diz que o cinema nacional anda às pampas, porque é quase-hollywood. ao espectador classe média que não gosta da própria língua falada. e que bate o pé exige um filme lindo de morrer se não existe dinheiro para isso. NÃO EXISTE DINHEIRO PARA ISSO. e se você viu um ou outro filme lindo engole o fato de que metade do dinheiro é público e a outra metade, vendeu-se a alma ao diabo, filme podado pela ditadura da informação. engole seus sapos. ao espectador pequeno mas mimado exigindo isso e aquilo sem nem acabar de ver a primeira sequência. UM FIM A ESTA INSISTÊNCIA PELA  CRIAÇÃO DE ESPECTADORES MIMADOS E IRRITANTES. o cinema nunca será outro, se não esse. o cinema nunca será tão bom, se o outro tem muito mais dinheiro. se você insistir nesse parâmetro de bom. se você continuar excludente e primeiro-mundista. se você continuar um babaca que perpetua esse cinema de elite babaca.

dezembro 02, 2012

te fiz uma casa

escuta, querida, calma. te fiz uma casa. uma casa de madeira. é pequena, mas confortável. podem seus dedos miúdos descansarem quando for conveniente. e pintarei as paredes da cor que você escolher. mas se for rosa ou creme, eu agradeço, que sobrou tinta da reforma. se quiser, faço arabescos, pra não te lembrar a minha casa. escuta, querida, não chora. a nossa história tá escrita em algum livro. escreverei seu nome na contracapa de todos que tenho, pra não esquecer. e lendo daquele jeito que você se irrita - abrindo a boca para sentir a sonoridade das palavras. o seu nome é tão bonito. e é o jeito que você repetia ele, quando gozava, que eu guardo no meu coração. repetia seu próprio nome em sílabas fragmentadas em sussurros excessivos suspiros entrecortados. eu achava engraçado. porquê você não diz o meu, lembro que perguntei, a primeira vez. você me olhou tão assustada. o seu o quê? não sabia do que se tratava. desde então, aprendi a te ler sem poder te ler inteira. você guarda tanto mistério para si mesma. aprendi a te ver assim, entre espaços, lacunas, vazios, obscuridades que você não se achega. por isso anda com cuidado, como se pudesse tropeçar nos próprios pés que não enxerga. e olha o mundo com infinita curiosidade sobre tudo. mas resguarda a pergunta, nega qualquer busca. e permanece sempre perplexa, deslumbrada, flutuante. você voa, porque esconde o que te pesa. ah querida, não me olha assim. nunca pedi para que você mudasse, é só que eu não podia continuar. entrei pelo caminho que as tuas pernas faziam, e não podia sequer, uma lanterna. tudo tão escuro. e eu, confesso, te prometi alguma coisa, me lembro. que você andando com seus dedos pacientes sobre meu corpo, uma janela, algum lugar donde a luz podia entrar. eu te dei holofotes, lâmpadas fluorescentes, eu te enfiei de luz cega. você chorava. chorava miúda, não desse choro grosso que vejo agora. querida, me perdoa. você precisa de casa, de luz, de janelas altas. eu não posso mais te enfiar a minha luz lamparina. eu não consigo nem acender. tudo é tão vasto, querida, e não me restou dinheiro para comprar luz o suficiente. essa casa, de madeira, que eu te prometi, acho que, ou você diz e me engana, ludibria, que eu te prometi: um lugar em que pudéssemos viver juntos. eu não caibo nesta casa querida, o pé direito tem o tamanho dos teus dedos pequenos. dedos os quais gostava tanto de chupar. dedos que agora serão todos seus, a seu serviço. não preciso deles me carinhando as costas e me abrindo as janelas. calma, querida, se acalma. deita aqui. a vida é grande, você é nova, eu velhaco. voltarei à minha vidinha, meu aconchego, lá onde as janelas são cobertas de cortinas. eu prefiro assim: não me importa ver o mundo que se estende lá fora, iluminado em suas mínimas formas, mal discernindo em figura e fundo. antes o filtro que o baque. e você, minha querida, vai-te solta. leve consigo sua reticência, seu olhar perplexo, seu jeito de falar torto, como se qualquer bom-dia trouxesse a mais tenebrosa filosofia. leve consigo sua pele pintada, manchada de sol aqui e ali, os pelos crespos da sua vagina, leve seu sorriso mordaz na madrugada, leve consigo o seu jeito estranho de fazer caipirinha, leve para longe esses mamilos arrebitados que ao mínimo toque se ouriçam levados. leve que me faz chorar, também. e não ria dessa melancolia, que me é pertinente. também eu tenho escuro. mas me enfio cortina, me enfio lanterna onde ando. te admiro, querida, saber andar neste limbo, saber sobreviver com sua própria lacuna. vai-te e não faz ninguém te mudar. e cala a todos que te perguntarem demais e tirarem de ti sua imaculada infância. você ainda é dessas que acreditam em deus, e rezam baixinho quando a montanha russa sobe para depois descer violenta. leva esta casa e descansa, pelo amor de deus. 
 

novembro 28, 2012

videoclipe

vou fazer um videoclipe dos anos oitenta da gente, vou por fusão e transposição, sobre nosso vestido de flor, vai ter flor até enjoar, vou por minha cara na sua, vou sujar nossa imagem, vou pixelizar para dizer, gente é feita de quadradinho, eu e você somos muitos quadradinhos juntinhos, cada quadradinho é um pedaço de alma, eu e você quadradinho, nossa alma a mesma bosta. vou por você pra ficar olhando e olhar pra você para olhar para mim e de mim chorar se não pude mas se você for eu fico, eu vou, eu vou, eu vou. a negativa da gente negativo nega não dá em sim, se você viver, eu vivo, se você voltar, eu volto. eu em você mais do que você em mim eu sigo em volta e dentro e te consumo em imagem essa vida é feita de pixels, menina, disse a tia gorda desdentada, cheirando a pastel azedo. a gente vive essa vida como se fosse fita magnética corrida e desenhada a gente vive unida dentro desse espaço tão pequeno película dezesseis milímetros esses buraquinhos são pra que, são pra respirar, são pra respirar, são pra respirar. mas nesse comprimido que eu me importei, tanto pixel pequeno junto e tanto sufoco nesse inteiro. retarda a vida com seu tempo largo e retarda os olhos chorosos de ver e embaralha o que era com o que tem sido. e vai falha falhando error o que era pra ser contínuo o que vinha vindo fluindo. é tanto pixel e tanta coisa é tão minúcia que não há, onde é que foi parar o buraquinho de respirar, onde é que tá você nisso tudo aqui delimitado pelas arestas de um quadrado onde te pus sentado onde foi que meu amor. eu e você e então ele fez do pixel poesia e eu não consigo eu não consigo, de que é que você é feito menino de que é que a sua alma come. se te agrada tanto grão sua alma é quadradinho quadradinho tão bem juntadinho que a alma se fez ilusão. 

novembro 20, 2012

a noitinha

joão, pare de andar de um lado pro outro assim desse jeito, vai acabar com toda a caixa de cigarro, vai acabar me botando na mesma aflição. é que ela disse que ia voltar à noitinha, ritinha. à noitinha, assustou-se a velha que bordava quieta. à noitinha joão, à noitinha pode ser qualquer hora. pode ser qualquer hora, ritinha, disse joão indo até a janela olhando pela fresta do vitral, mas não pode ser nove da noite, nove da noite, já é noite alta, ouve só. ouve o que, joão? nada, pensei que ela era, vinha com aquele passo miúdo arrastando o portão como se doesse. joão, meu filho, dê-me um cigarro, veja só, ela já chega, noitinha pra essa gente hoje em dia é tudo: até três da manhã é noitinha. que até três, ritinha, que até três, cê não sabe como é que tá a rua? um alvoroço danado, uma confusão, sei não. cof cof tossiu a velha olhando carrancuda pro cigarro aceso, que é, mãe? bufou a outra e foi andando fumar na janela. vice, joão, vá se deitar que eu fico aqui olhando pra ver se ela chega. você é vai dormir, ritinha, que eu te conheço bem, nem bem a chama desse cigarro apagar você ronca no sofá e além das contas - dormir vou eu, disse a velha largando as agulhas em cima da mesa, e se fosse eu joão ficava de olho nessa menina. ah mãe, pra puta que o pariu a senhora colocando coisa na cabeça do menino, a senhora sempre de implicância com a. tenho implicância porque pede, ritinha, porque a noitinha já foi e essa não é a primeira. você vai me desculpar, dona, mas é sim a primeira, e é por isso que meus nervos tão assim, tão aflorado, veja só, tô até suando, sente aqui. vice, mãe, larga a testa do menino que tu tá ai medindo a temperatura do corpo dele tempo demais. mas vai vai tomar no cu essa doida filhadaputa pensa que pode mandar em mim pensa que eu sou o que pensa que não sei minha idade ela é que devia e foi se abaixando a voz conforme a velha ia embora as chinelas batendo no chão flap flap flap você tem que tomar cuidado com a mãe, joão, ela não bate bem da cabeça. não me importa sua mãe, ritinha, e você devia é prestar mais atenção nela, dar-lhe um desconto, a velha só é sozinha escute bem, joão, ritinha lhe apontava o dedo na cara perto tão de repente, se uma coisa eu sei é como essa velha é ruim e de como ela gosta na verdade. gosta do que, ritinha? ritinha olhou os olhos fundos de joão passou o braço entorno da cintura e lhe sorriu, nada não, filho, nada não. ah ritinha, tu fica me distraindo com pouca besteira, e agora já vai indo o ponteiro chegando nas nove e meia cadê essa menina meu bom deus, cadê. ih, joão eu vo é faze um chazinho pra ve se tu para quieto um pouco. eu não quero ritinha, não quero nada, tu tá tão calma que me estranho, devia é ficar mais atenta, demonstrar que se importa um pouco oshi explodiu ritinha e eu não me importo? é comida luz e moradia paga pra essa menina é todo dia, aguentar o passo dela pela casa, plápláplá, é todo dia, mas meu santo deus, é uma vez que a menina lhe atrasa deixa um pouco ela também respirar. respirar, ritinha que é que você tá querendo dizer com isso ein que insinuações são essas vocês andaram conversando conspirando contra mim foi. foi nada, joão, foi nada, ih esquece, esquece o que eu disse e foda-se o chazinho que fique você ai sozinho esperando a dita. ai não ritinha fica aqui pediu joão repentinamente dengoso, fica aqui, vou ficar tão aflito essa noite cada vez mais escura eu só não sei que fazer com essa linha de telefone cortada nada a gente fica nesse fim de mundo. sei como é joão tá difícil pega na minha mão, vem, mês que vem vai vir um dinheirin bom pra pagar esse telefone, joão, a gente vai e se ela começar a ajudar né botar dinheiro em casa seria bom também. ai ritinha você não me venha com essas, indiretas, ritinha não me venha, eu disse que ia sustentá-la pro pai e vou até o fim, eu juro, não aceito um tostão suado dessa menina. pois é joão pois é ritinha largara a mão acariciando pois é não aceite mas também coloque o dobro de dinheiro pra gente ter o mínimo a porra do telefone pra não te aguentar carrancudo insuportável fumando tudo e fulminando o resto caralho! oxi, ritinha, me perdoe, volte aqui, me perdoe, ritinha não se vá, vem ritinha, não, ritinha, desculpe fico estressado quando falam disso, é que ela é minha garotinha, eu tenho que cuida direitinho dela sabe como é ritinha e joão encostava o nariz a boca as mãos no corpo dengoso e fofucho de ritinha e ela se fazia desentendida sabe como é ritinha, sabe não, então joão, disse ritinha se virando quase aflita as pernas arriando, vem cá vem vamo aproveita, posso não ritinha, vem joão enquanto a nega não volta, posso não e se ela chega, ela nem percebe joão ali na cozinha como antigamente, ai ritinha, faz tanto tempo joão, vice que saudade eu tava disso aqui, deixa ele quieto ritinha, ritinha dava risada igual um cavalo que relincha, eu deixo joão mas é que o bicho tá duro que só ele, ritinha você sabe que você é minha, diz joão, diz, ritinha não posso e a menina, eu tô preocupado, e se ela morreu, e se ela foi, alguma coisa séria, ritinha tu não tá preocupada? ai caralho, joão, eu to preocupada com a porra do teu caralho, então você não quer ela não quer eu dentro da sua casa você só quer isso ritinha, só isso, sua putinha, ai joão, que é que há, você sabe que você é meu amorzinho, faz tantos anos já, eu não consigo, não, ai ritinha prestenção que eu vou me embora. vai não, disse ela sorrindo. 

novembro 17, 2012

é o bastante

já é aniversário de joão e faz um ano que me peguei sentindo ciúme de você. faz quatro dias que fiz vinte e dois anos mas isso não me vem. um ano daquilo você me olhou perguntou se eu tava bem. tudo bem tudo e você-retina-angulada. faz quase exatamente quiçá quatro meses desde que eu te olhei e disse tremendo o que não sabia direito. um pouco mais desde que minha boca tem gosto de tabaco. faz quatro anos que eu te beijava porque você tinha esse gosto. faz alguns anos que vim te procurando. faz não sei quanto tempo a última vez que eu te vi eu já não lembro. qualquer cena de praia em filme adolescente eu lembro. me beija um-mergulho-quem-sabe. faltam quatro dias pra eu voltar pra lá. estranho jeito de contar de trás-para-frente. talvez seja prenuncio da saudade. é melhor que recomece para que te veja bem. já estou aqui há dez dias. dez-dias-inteiros-e-você. dentro dessa tela vejo o outro que reage a mim. mas o tecnicismo não é tudo meu amor. não é tudo meu-amor. faz dois anos e quatro meses quase cinco desde que você se foi. é lembrar todo dia um buraco ás vezes eu queria lhe dizer que meu olho é contaminado pela falta dela. eu tremi a voz ao lhe dizer mas não vou dizer. passa-adiante-esse-filme que me lasca. faz seis meses exatamente hoje e o céu azul me afirma. faz seis meses que você nasceu gordo e manto-de-amor. um mantra de amor de presente para você. tenho lhe dado a minha voz desde que eu não sei contabilizar quando é que eu comecei a te amar no momento que te vi parado no ponto de ônibus. e teve aquele dia que ele me disse o sorriso dela é engraçado. e o da outra é triste. sorri ela disse passando adiante a erva. fiz café quente há vinte minutos gostaria de uma xícara por-favor. preciso de duas horas para dormir outras duas para escrever. é o bastante para lhe querer. 

novembro 08, 2012

as turista

a turista de branco sorria, o chapéu de palha de lado, o coco gelado, o canudo amarelo. a turista de branco diviníssima entrava e saía, comprava e mandava, buscava negrinhos. a turista de branco morreu, de morte morrida, assassinada na vala, o coco entortado, o rayban roubado.
a turista camaleão sabendo, fez-se de safari, e no meio da gente nordestina, pôs-se a ser massa. comprou gloss rosa de esquina, estampa florida de quinta, sandália de nove e noventa da cristina. quebrou o cartão de crédito e no meio dos peitos bufantes guardava escondida as notas azuis sujinhas, sujadas de tinta. 
a turista camaleão inventou sotaque e colorido, inventou nome e sobrenome, inventou saber fazer o inhame, inventou caruaru no sangue. e de noite noitinha, na pousada miúda, ria fumando para ter dente de tártaro, da turista de branco, uma vagaba ex-amiga.
empanturrou-se de pitu, deu a dar-se o corpo de madama, ficou conhecida de arruda à pina e fazia coro junto das menina: era exploração sexual, usuária não usual, inventou a política do pau.
a turista de branco tudo via do trono celestial, aristocracia bestial, hotel cinco estrelas coisa e tal, anel de pedra rubra e corpete cor carmim, ria-se divertida: virou pobre, a vadia.

novembro 05, 2012

louva corpos

eram corpos louvados, benzuntados por deus, faziam sexo de graça sem porquê, a céu aberto e céu dourado que era o céu daquelas tardes, tardes infernais de primaveras ilícitas, que cantavam entre lá e cá, uma ou duas maritacas mal extintas. e quando o céu descia violáceo, que era essa a cor das tardes que caíam, e os meus óculos de sol retrospectivos viam, a tudo meio amarronzado, como se dois corpos se forcando pudessem ser dois corpos se putrificando, se deles o suor etéreo e de sumo mágico, que é o que chamam os deuses, que é pelo que as ninfas louvam, para mim tinha cheiro de ocre e de mofo, era verde, então, verde meu vale, verde meu vale fundo escuro de louro: era verde meu vale e ninguém quis. me afundei na minha própria selva de pelos crespos e procurei com os dedos o tesouro perdido, o tesouro descontente que desencontraram os membros deles, e eu, nada achei, tamanha era a procura e a sede, eu levantei, sem antes não olhar projetada minha imagem, minha imagem patética, que nua como um pãozinho desforme, contei as gordurinhas das minhas costas, de um jeito solitário como se no fundo a música que eu ouvisse não fosse os gemidos descompassados dos outros que não dormiam. e levantei indecisa andando pelos corredores, que pareciam escorregadios como feitos de sêmen, e passei a lambê-los com certa insistência, tentando sentir o gosto que você fazia questão de dizer que era delicioso, tentando ser uva também nesse picolé, mas de recalque a tinta barata da parede se descascou e do triste vão que se abria eu via: por detrás das portas eles ainda fornicavam e a cama era branca e alaranjada, e eu, branca envernizada, corri a buscar águas, fumar cigarros, comer troços. voltei empanturrada de nada e os dois corpos empanturrados de corpos, cheios inteiros até os pescoços de grossuras e órgãos e dessas coisas absolutas, e eu que tão só relativa, me deitei que ainda em mim sentia leve o ressoar da deusa marinha, que na minha vagina soprava o ar salgado que fazia-me abrir as ventanas e a boca em formato de o e os olhinhos revirados faziam estralar e eu então deitei-me a fim de que a deusa virasse monstra e o ar tormenta e um pouco de dor, também, que sem dor não existe recompensa. mas de tanto não fui notada, o corpo era também peça escorraçada, já não sei o que contava, se o relato cíclico se tornava, era o que me acontecia, ele a acariciava e eu em loucura branca me comportava mas era azul, multicolorido, múltiplo demais para minha retina duas cores, bastonetes drogados de ópio, de tristeza preta-e-branca. e eu que não sou ninfa e não sou bonita, e eu que olhei atenta pros meus peitinhos e eles olhavam estrábicos pro teto e você com seu corpo lúgubre encostou sem querer e os esmagou no lençol que fez ranhuras dos meus mamilos amassados. os meus mami amassadi. nhos. eu quis ser chorosa e ser gordinha dizer, olhai, faço com carinho o meu dengo é de, é de, é devagarzinho. e eu que não mais quis o meu corpo que é torto e farto e eu que olhei para ela, que linda, admirei-me, parecia estrela, novela, atriz, parecia brigitte bardot, parecia camila pitanga do pará, parecia mulher de curvas, brasileira de fogo, e eu que quando escrevo uma coceira me dá: você é a minha musa, menininha, mas dói mais ele. que não olha, não troça, não rola, não capota. e do escuro íntimo do quarto molhado do escuro escroto que estava metida até o pescoço em divagações nada sadias, coisas de suicida entristecido coisa e tal, que chatice, do escuro que era propício dos dedos ficarem se desmanchando nas genitálias alheias mas nunca a minha, do escuro que era propício jamais não olhar para meu corpo, que naquele antro parecia, corpo de um diabo implantado, corpo jamais quero ser visto, abri com os pés de sardinha em lata a janela que era minha, e a luz que cegou os olhos vastos da gente iluminada, que já o estava por dentro, e me deu alguma água, alguma trela, trégua, retaguarda, apito de guerra, de recolhida. e reclamaram as almas sadias e os ventos expansivos e a tarde tão bonita que se esvaía e as maritacas tropicais que apitavam e a música sambabaca que batucavam e os beijos de amor com vapores de paixão e a beleza do corpo que se fez trepar e trepado e do coração esquentado e a felicidade esmoreceu. e eu, que pequena e escurinha de pé sujo e alma encardida, e eu, não fiquei alegre, tampouco triste, mas respirei, dum ar que não era só sexo e retidão: era também ar do mundo que é cor de tijolo que é concreto que é mal descascado e que não é beleza e que não é saciado o mundo que anda sempre batendo punheta porque não tem quem lhe agrade lhe dê beijinho lamber o saco que sempre é escurraçado que sozinho vive e vê pornô de quinta o mundo que é subjugado porque é mesmo rejeitado o mundo todo que é assim - só-vocês-são-felizes. recolhi a língua sapeca de criança e saí correndo dos altos do meu um metro de altura, os cabelos batendo na bunda, a calcinha mal caída e os mamilos redondos no peito liso, corri pra brincar de mangueira se-não-me-quer-mal-me-quer, e uma ducha de água fria salva tudo, mulher feia e mulher bonita.

outubro 28, 2012

embebida de camomila

e você me diz pra não ficar nervosa. embebia a chupeta das crianças em camomila. com o tempo comecei a sentir gosto de camomila em tudo. o garfo era de camomila, os cantos do copo, até o papel de chocolate que você sabia que eu gostava de chupar, em vez de chocolate derretido, era só camomila. você dizia que eram meus genes que as crianças tinham. essa coisa maluca, apressada, corria e gritava, gemia de noite, rolava de cama. meus pequenos tiveram insônia, mas por causa da merda da camomila que tinha em tudo, ficavam sentados na cama, os olhos pequenos, olhando para frente pra olhar pra dentro de si. a noite inteira insones e estáticos. coitados. eu não sabia agir, ficava olhando pra eles, tentando adivinhar o tormento que seus olhos apertados passavam. o que viam. deviam é ver um mar de calmarias, e a alma deles - a alma, que é igual a minha, não os genes, a alma, que eu passei com meus dedos que os faziam dormir enquanto você, você fora ia - a alma deles pedia tormento. e você me diz, me disse, a vida toda: calma, mulher. calma, mulher. era de se estragar toda. como calma, como calma? o mundo acaba a cada segundo que passa, e é roupa pra bater, e é filho pra chorar, e a panela de pressão chiando no fogo, e a conta que chega e não se paga, as aulas particulares de espanhol, e a melancolia que dá no final de tarde, mas como se no final de tarde, chega você e seus olhos morimbundos e é marimbondo pra espantar e comida pra esquentar, e filho pra chorar, e o jornal na televisão, com a sua voz grave, a me importunar, a me encher o tempo de tragédias descoladas e a vizinha que liga e diz: a filha da maria se suicidou. se suicidou, se suicidou, mas o tempo corre e voa e o filho chama, a lição de matemática e o nenê que vomitou, é hora de limpar e outro ardia de febre e você ligava a tevê vai ter jogo, benzinho, calminha. as crianças já dormindo e eu lavando louça o mundo se acabando e a vontade de chorar vem devagar, tomando todo corpo, toda louça aguada, e ainda tive que ouvir a sua voz: que há, noite tão fresca. a filha da maria se suicidou. quem é maria. a filha da. mas quem. não sei, mas se. suicidou. não tem tempo pra cuidar da tragédia da vida, e você me olha torto se eu grito e se eu jogo o controle da tevê do meio do lado, as pilhas voando e você repetindo e o dinheiro e o dinheiro e o dinheiro. não sei. lá vem você com essas suas crises de ansiedade, a gente veio pra longe da cidade pra que, vai cuidar da horta. meia noite e a horta quieta. olhei a horta, as folhas de rúcula descansado, as de cebolinha vigiando. olhei a horta, olhei a horta, não sabia, nunca soube, dor nas costas, dor nas mãos, eu não sei. a filha da maria e as cebolinhas ali verdinhas, tão vivinhas, tão bem cuidadas, tão felizes, disse ele, as plantinhas da nossa, tão felizes. elas. tão. arranquei-as todas, as mãos cansadas, arranquei-as da raiz, do jeito que não podia, espalhei terra e comi cebolinha suja, comi comi comi. que é você disse que é você é louca é afobada é idiota. elas eram felizes. felizes. eu comi a felicidade. veja. é verde. é verde ou é terra. é felicidade. eu comi um pouco pra ver se tampava esse buraco no meu peito. que buraco você disse, enfiando o dedo por debaixo da minha saia que buraco, que porra de buraco, vem cá neguinha. no meio da cebolinha e se você me comesse me comesse porque comia a felicidade se me comesse ia dizer: você sabe, ando broxado há tanto tempo, te comi pra ver se você dormia. vou dormir na rede, dorme você na cama sozinha. você vai me comer eu disse? você me olhou triste, cheirou seu dedo e disse: isso é tudo, nesses tempos, não sei, não ando conseguindo. não pude mais. dedo também tenho o meu, picado de agulha do remendo da roupa das crianças, o meu dedo. saí correndo e depois de ter arrasado a horta toda, não sabia. você disse, vem cá, camomila. você precisa. eu disse não, merdinha, não, eu preciso estourar, eu preciso estourar, eu preciso estourar. não me vem me enganar, engessar meus nervos, botar esparadrapo no meu coração que bate inquieto desde as seis da manhã. bate assim, de paixão, pela vida, de morte, pela pressa, e o corte, pela vida, que me engole, e eu já não sei. deixa-me aqui. você foi deu de ombros deitou-se na rede dormiu. eu ainda viva acordada os olhos estralados, passei o dedo no chá de camomila e me comi. me estraguei, sozinha, quis me arrancar, fazer das minhas tripas o almoço de amanhã. mas daqui quatro horas chega o menino da aula das seis, holla que tal? e tem que ainda esconder de chorar de saudade da abuela. todo dia esconde-esconde e você camomila. eu só quis. a filha da maria. tão.

outubro 17, 2012

a vida é um nheco 2

quando eu era pequena, queria ser uma vaca. vaca pra sentar e só ruminar a comida, entendeu? ruminar e ruminar. a comida. a gente cresce e nem sabe. a vida é uma vaca. a gente rumina rumina tudo. e faz grunhido e faz gemido. e de resto, resta a bosta, que válá, meu amigo, não é a sua bosta da sua vida, vá com calma. é isso: comeu cagou simples assim. minha infância é de máquina de filme automática. não se sabia nunca comprar filme, inda mais pra automática. mas a gente pegava e tirava foto do zoologico. e quando eu era pequena, ainda, no zoologico me encantei por um orangotango. perdida da turma, fiquei vendo o orangotangão, laranja, agindo feito humano. pensava: que isso, que bicho, feito gente, e eu, seilá, que macaco, essa gente, que bicho. as girafas pescoçudas e toda aquela história que contavam. passou por ali um menino, todo tonto, dizendo, que há, apaixonada pelo orangotango. que há, apaixonada. é, não é. penso assim: a vida também foi uma vaca - mas não foi vadia, porque o desgraça é homem branco, e o homem não sabe, vadia, não sabe, vai morrer sem saber, que há. apaixonada, que há, talvez. me imagino namorando um orangotango. bem melhor do que os enamorados que caí na lábia, veja bem, ruminando-ruminando-ruminando-hum-hum. mas que hora, eu toda vaca enamorar orangotango. acho bem contado. tanto me fez. a gente vê fotografia antiga e pensa: é papel. depois, amanhã, não sei, não penso muito no amanhã, vou me desgraçando no hoje e ruminando a comida de anteontem. a vida é uma vaca, nem grande, nem gorda, nem malhada: falta pêlos, falta osso, falta carne. é vaca magra desde sempre. e o mato rareando rareando quanto mais a gente vai envelhecendo, os cabelos brancos, uns fios de náilon brancos esquecidos na careca. mas tá tudo certo: vai se ruminando se ruminando, como-se o papel das fotos antigas. e depois, não sei, não me pergunte. vão comer-se nuvens, essas coisas, coisas invisíveis, a vida vai deixar de ser vaca, vai ser, sei lá, pac man, se não fosse o amarelo. que a vida não pode ser amarela, que essa cor me dá náusea, que parece que tudo que é amarelo não se finda. o sol, me disseram, quando pequena: vai explodir, taí, me queimando por dentro das roupas todo meio-dia. e como se não bastasse ter que sempre ruminar tem de lamber as feridas que o sol deixa machucando. e tudo que eu queria, eu disse, me sentei no sopé da montanha onde tinha um punhado de mato - quando se é criança não pensa em providência, mas eu, veja lá, não penso muito nisso - botei o capim na boca e disse: sou uma vaca vou ficar por aqui a ruminar, licença.

que nheco de vida

ai, meu bem. deixa disso. lambe-me a boca e acabou-se. se lava direito, postura reta. dá aqui uma tragada. dá uma tragada no meu peito. ai, meu bem. que nheconheco essa vida. que tanto se fala? fala de menos. ai meu jesus. deixa disso, rancor de outro, e tal, poesia barata. falar de amor, todo mundo fala. falar assim: sem você não vivo, qualquer um com água na boca diz. água na boca todo mundo tem. é saliva, meu bem, saliva que eu preciso. menos fala-fala. ai, meu bem, e o mundo? anda torto, tão torto, pra gente ficar aqui se torturando. fala menos e fuma mais. ai, amoreco. deixa de falar de dor dali e dor daqui. coma bem, rapadura, chupa aqui, ó. cana de açúcar, limão com sal, ai amado. essa dor tão pouca, meu bem, que quem doi não fala, não: geme. ai, meu bem. geme aqui no meu cantinho que tá tudo bão. vamo indo, amorzinho, vamo indo. com a graça divina, simpatia na gaveta, cada são jorge com seu dragão, eu e você nessa lua-loba. ai, meu bem, vai-te embora, vou-me doida. a vida anda, desanda, não liga pressa nossa fumaça, nosso fuzuê, uns motim de picuinha à toa. vai-te indo e vai-te fazendo. não faz assim, não, meu bem, o mundo não precisa de ti, mas o contrário, me diz, é fato, ai, meu deus, como não? e o mundo forma desfolha, a gente tenta, ué. a gente tenta, benzinho, que é que tem?

outubro 10, 2012

unilateral

joguei as cinzas na bosta do remédio que eu tomei por causa de você. eu sei - não posso, assim, jogar a responsabilidade unilateralmente. mas agora é preciso: porque doeu. e quando doeu, doeu mais porque era vindo de você. doeu porque junto dessa dor física vinha-me a memória de você. porque estou agora interessada no efeito: no meu efeito, na minha dor. deixa eu sussurrar pra você a minha dor. queria eu que você pudesse sentir. mas é impossível, porque você não tem útero. porque você não vai mijar e tem a impressão que as paredes do seu útero estão se descolando. como se quisessem descer. como se meu próprio útero se recusasse a permanecer nesse corpo lacaio. como se não fosse mais possível ser mulher. e se não sou mulher, o que restou de mim, nada. restou essa tal dor atemporal. que não pôde ser medida ou relativizada: porque já não possuía humanidade. fui me rastejando ao banheiro para receber o golpe final, como vou me rastejando pra algum dia você me dar esse golpe também. eu já não acredito. vou serpenteando com o resto do corpo que ainda é meu. o bruto ficou nas suas mãos: mas, pena, você não se lembra. sou toda líquida agora, vou-me escorrendo pelas descidas e empaco nas subidas. mas, pena, você não sabe. você está enorme: engoliu toda a gordura. você está enorme, mas pena, você não percebe. seus passos estão pesados, seu mundo pesa na coluna. mas, pena, você se pergunta por quê. e talvez tenha os olhos tristes ou temerosos. mas não consegue ver o tamanho da sua barriga: dentro dela estamos nós. despedidas de nós mesmas, da nossa máxima irrisória, o de ser mulher, deixamos que você  carregasse nosso grosso, nosso todo, nosso útero descolado. sobrevivo fragmentada e te olho passar com meu corpo no seu. pediria de volta se não fosse doer demais. pediria de volta se não houvesse em toda essa história de sangue um último regojizo. que você anda curvado por nossa culpa, e ao menos, sente esse peso: não sabe, mas sente. te ver pesando do meu corpo no seu é uma alegria. como cancro, meu corpo no seu, e eu despedaçada. como cancro, meu corpo te corroendo de pouco em pouco, o mundo pesado demais para levar nas costas, nas pernas. há de ter alguma troca, nenhuma dor é unilateral.

outubro 07, 2012

conflito de geração

os pais vão ficando mais crentes
tementes
os filhos vão estando mais ateus
à Deus


eleições paulistanas

vou voltar pra são luís.


o cinismo

eu te odeio de tanto amo.


o amor

primeiro eva abortou
mas o filho vingou.




setembro 26, 2012

como regina

mamãe, se lembra daquela novela que a regina duarte fingia que o seu filho era, na verdade, filho da sua filha, que perdera o bebê? pego me lembrando desses tempos que tinha apenas oito anos e chupava ainda os dedos assistindo à novela na sua cama de casal. pois bem, faço o mesmo contigo. é verdade que a coisa é invertida e sendo assim a nossa história bonita não tem muito de original. de filha doando filho pra mãe o mundo tá cheio, eu sei. mas história repetida só porque é repetida não quer dizer que não possa ser bonita. veja aí, a novela, minha mãe, tão bonita há tantos anos adornando nossa tevê. e junto da novela, você junto do netinho do seu querido coração, poderá assistir e reassistir o mundo passando por detrás dessa tela arredondada. se um dia eu ganhar dinheiro, não sei, vai que, um bilhete premiado, sorte na esquina, lhe compro uma tevê de lcd. mas não se desespere, mãezinha, que já sinto suas mãos frias - sempre frias, mãezinhas - apertando o peito acalorado. eu volto e sei viver bem, também. eu volto porque também amo esse guri que aqui dentro de mim cresceu como não crescia nada até então. mas é preciso que eu vá embora, mãezinha, o mundo é largo e esse pequeno tão miúdo. ainda não tenho suas mãos frias pra limpar debaixo das unhas dele, mamãe, enxugar as remelas. sei dar beijinhos de amor e o resto é desespero. e lhe confio sua calmaria, sua voz tenebrosa como se fosse deus dos mares, que nas noites de tempestade com uma só palavra chamava a calmaria, e salvou os pescadores, e salvou os banhistas desavisados. sua calmaria servirá aos solilóquios de soluços intermináveis deste pequenino. e lhe conto segredos, querida mãe, saiba você, que este pequeno é fruto de um amor. não amor como sonhava a senhora para a senhorita sua filha, porque todo homem que por aí encontrei foi com amor que me dei. menos aqueles que de mim abusaram, que me. disso é melhor calar, mamãe. há coisas que não são ditas em voz alta, costumava dizer a vovó. mas este pequeno tenho em mim a certeza: é de amor, uma noite que já ia alta, as estrelas resplandecendo no céu,  nossos corpos no ritmo da música. como na novela, antes dele me fazer prazer, olhei em seus olhos - eram pretos e arredondados - e sorri meu melhor sorriso. sorriso que quem me deu foi você, ensinando-me desde pequena a palitar bem entre os dentes, a cuidar de todos eles, sempre avisada ao conselho: é este sua porta de entrada para o mundo. e com o sorriso resplandecente, minha mãe, polido e reconstituído, vou visitar o mundo. a cada porta de entrada espero dá-lo e outro recebê-lo e sigo nessa estrada até não sei mais onde. volto logo para dar um beijo e uma lambida neste pequenininho. cuide dele como cuidou de mim e, sobretudo: ensine-o a tratar bem as moças, desde bem antes de falar, ensine-o a ser carinhoso. e se ver que ele mesmo assim violenta e grita e faz da agressividade sua bandeira, ensina-o a ter medo das mulheres. faz-te imensa, e pinta-me de feiticeira. diga que volto para assombrar seus sonhos se caso andasse sonhando a fazer o que não se deve com as mulheres. ele vai ser bom e vai crescer bem, e vai ser um bom homem, minha mãe. ensina-o a ser como o galã das novelas. já eu, se não boa mulher for. se não boa mulher for, minha mãe. te tranquiliza, que mais desforras que esse mundo fez contra a gente não sou capaz de devolver nem um terço. serei feliz e a senhora também. com amor e mil beijinhos, como regina, me vou.

setembro 22, 2012

a mulher de piche e o homem de sabre

a mulher de sabre e o homem de piche
o homem de cada a mulher amada
o homem que soca a mulher acuada
na rua sabotada a mulher, tolice

a mulher de sabre empastelada
a mulher se sabe é mulher que ladra
mulher-cão que vadia mulher que trabalha
e o homem que sabe não disfarça

o homem que é homem homem não é
a mulher que clama é aquela que chora
a mulher de piche que de sabre morreu
o homem de veia de certo cobrou

setembro 15, 2012

ossadas

te vi distante. na escala da vida, pequena. feita de. pedaços de memórias. o corpo opaco. feito matéria escura. te vi menina. e os olhos doces. arredondados. jabuticabas do pé da minha avó. jabuticaba enraizada. enraiza-se em mim. não sei. olhos de detetive. olhos de falcão, detetive de capa. rouba minha alma. arromba meu corpo. vai me fazendo perder. ando muito centrada. ando muito em linha reta. minha linha. verticalizada. vou cavando, vou cavando. escondo-me no centro da terra. como defunta, permaneço. e as mãos e os olhos e os falcões acharam minhas ossadas. eram novas. eram novas e causaram alvoroço. certo alvoroço por algum certo curto período de tempo. um breve instante no tempo do universo. minhas ossadas já não. perco a carne, perco a alma: sobra-me os ossos de cálcio, duros como pedras, disformes em sua desconfiguração, lego, cachorro babando em cima dos meus cais. entre mares e portos: me aporto em cais salgados. gosto do ardor da língua. nesse amargo, feito de ferro corroído, os barcos que por aqui aportam: fica. umas jangadas de pescadores. o buraco entre os dentes do dente que falta, minhas ossadas ficam, mas os dentes pouco a pouco se vão. dá-se tanta importância pra carne da boca, mas só nos resta o sólido. mas se só dente perde o sentido, você me diz, impassiva. gostar de estar entre, de gordura, de viscosidade, absorção. e eu que me tornei só minhas ossadas. o pó da minha história mal contada. calada. estes ossos nada dizem: não querem dizer nada, entende? uma bola de chiclete. não se cola, não se amarra, não recria-se. esses ossos não escondem nada, entende? são só ossadas de outrora. aí enterrados por si mesmos.

setembro 09, 2012

sonhos

meu querido, sonhei contigo. é preciso lhe dizer que sonhei contigo, pra que o sonho fique gravado e também tenha algum tipo de sobrevida. é que depois de sonhar esses sonhos, meu senhor, já não podemos mais ser os mesmos. pouco sei sobre os sonhos, mas o que sei deles é o efeito que deixam em mim, quando acordo, a isto que chamamos vida. os sonhos são diferentes das ações em si, concordo contigo, quando diz isso, levantando as sobrancelhas e falando daquele modo de dizer - de dizer empiricamente sobre coisas empíricas. mas tem um peso que já não posso ignorar. se o sonho não é uma ação, colada à realidade, possui substância, matéria viva, que percorre em mim. se o sonho não muda o percurso que seguia a contentamento (ou des, neste mundo de horrores) da realidade, pelo menos muda alguma coisa em mim. na minha matéria inflada, digamos assim, um formigamento no corpo, o coração que se acelera e os meus olhos, quando te vêem! os meus olhos quando te viram passar por este meu caminho, reconheceram antes mesmo que sua figura tomasse conta do espaço a qual posso visualizar. te reconheceram pois tinham te visto antes na matéria esfumaçada do sonho que foi concedido à mim. ah, sim, meu querido, diga que é a memória ou o inconsciente, mas o presente de te ter em meu sonho é uma concessão, quase divina, uma concessão, úmida o bastante para alagar bons três dias da minha vida. e quando chegou-se próximo eu me sentia mais próxima, mais afetuosa, mais lasciva, por assim dizer, se me permite usar destas palavras bobas. quer dizer, meu querido, que a matéria do sonho só não mudou meu corpo e meu modo de te olhar e de te reconhecer mas também te mudou - ou você também não é parte da minha projeção para o mundo? te mudou porque te quis assim, mudado. te quis, assim, próximo. e se não mudado, quando a realidade joga suas pedras - se o meu calor não te faz retornar em calor, amor meu - a expectativa que se gera é a da frustração. frustração, meu querido, vem a partir de um fato que se escafela, por assim dizer, nos decepciona. o fato é que te vi cheio de calores. se me entrega calafrios - e não destes - caio em pedaços. pois em sonho, meu querido, estava você dentro do meu quarto duma antiga casa que morei, um quarto que tinha esquecido como era, você meu querido, dentro das minhas mais recônditas memórias, apontava a toalha rosa molhada na porta e fumava, jogando sua fumaça na toalha enquanto lhe apontava. não sei transmitir em palavras quanto amor existe nessa única imagem. você dizia, eu não sei o que. você dizia, mas posso apenas imaginar, a sua boca que se desenha com o formato adocicado das palavras, a fumaça do cigarro que então ainda rondava o ambiente que ali bem se acomodava. meu querido fumava um cigarro de palha, pois então - ou não era de palha, mas bem sabe, que os sonhos modificam os próprios sonhos e mais ainda que os sonhos, modifica-se a narrativa que o narrador, sendo ele o único a ter vivenciado aquele saboroso momento, pode inventar e desiventar, se não por graça, talvez inconsciência ou um certo costume nesse jeito afloreado de se contar histórias - ou então meu querido, apenas não digo qual a marca do cigarro que estava entre seus dedos, para não me entregar por completo. apesar de aqui estar lhe abrindo a alma e os recônditos profundos do inconsciente, devo ter dedos, devo ter cuidados, manter a devida distancia, para o mínimo de preservação (de orgulho, mas vá lá, preservação de algo). mas fumava e então, andou pelo quarto, pisando com carinho pelo chão de taco que era feito o meu quarto. e foi indo até a janela, donde avoava uma cortina verde clara. lembro de  você, meu querido, olhando lá fora pelas grades, do lado adornado a cortina verde, a fumaça ainda escapando por volta de você - essa fumaça, meu querido, coisas de me fazer derreter. e não sei por onde um gato laranja que nunca tive se não em pelúcia escorregou pelos seus calcanhares - que agora vejo, estava de meia... tão coerente - e a pedir carícias ficou ali enrolado com a barriga de cima. você todo homem e todo conciso jogou a bituca pela janela ao longe e olhou para baixo, o gato amarelo esfregando-se todo. nesse momento eu, esta figura que mal sei se narradora ou personagem, se me olho por fora ou se a visão é subjetiva, abaixo para acariciar o dito gato que nunca tive - o toque do surrealismo que o narrador insiste em colocar a fim de dar veracidade ao seu sonho, pois sonho só parece sonho se tiver aparência de sonho, ditada desde o século vinte por toda essa coisa enfadonha de surrealismo e coisas extraordinárias, desconectadas, não sei (na verdade, querido, meu sonho não é nada mais que uma imagem fixa e potente que me alivia as têmporas quando sinto-me desesperada pelo que há ainda de viver). e acariciando tal gato laranja, os bigodes me espetando, ponho-me debaixo de ti, bem embaixo de ti, e agora sou capaz de ver subjetivo a visão que debaixo tive e você por cima, já sem cigarros, como antes olhava o gato agora olha a mim. olha a mim, olha a mim. e eu sinto tão verdade o calor do seu olhar ou das suas pernas que me comprimem levemente, coisa pouca, aumentada pelo calor de lhe contar, com os olhos assim, abaixados de vergonha mas ao mesmo tempo querendo lhe contar erotismos para que sinta tão potente o que eu senti. pois só te descrever erroneamente o que fora meu sonho não é possível, querido, que lhe toque a ponto de que você seja exatamente o que é para mim agora. que você aja exatamente do jeito que eu quero que você aja. que pegue entre seus dedos esse teu cigarro desta marca que não digo que sei qual é e que me leve. e me levando faça acontecer o que do ímpeto surgira do sonho - e do ato de contá-lo simplesmente - e me fazendo acreditar que coisas, sim, podem nascer dos sonhos, coisas, sim, de fato, real como o calor que sinto por você agora, no momento em que traga este cigarro.

setembro 02, 2012

coleções pessoais

1. quando eu era pequena, não podia ver mata. se eu via mata eu queria entrar. mata, qualquer mata. olhando pela janela do meu apartamento em são paulo, perto da favela, uma mata. quando foi que eu parei de ter vontade de correr por qualquer mata? eu achava mata em guarujá, no meio da avenida concorrida com as músicas altas do carro. havia um laguinho sujo, uma poça d'água num terreno rebaixado. no guarujá, um esconderijo como se fosse parte de uma natureza selvagem. selvagem. quando comecei a viajar com amigos, não entendia porque ninguém tinha o tesão de ir pra mata. de pisar na areia de praia mesmo se chove. de sei lá. ver alguma coisa. sair a noite e olhar, olha a estrela. que imbecilidade. fui me achando imbecil. não há tesão na mata, na praia. nem no céu estrelado da praia. no céu de são paulo, há. há porque não tem céu, tem uma extensão da cidade por cima de tudo. são paulo é um semi-circulo. a gente fica procurando ver além porque não existe além. mas é tudo papagaiada. é preciso fingir que há tesão nessas coisas que vão além dos nossos problemas terrenos, pra não sucumbir. a gente acha que sucumbir à cidade é a morte. mas é a morte. é a morte empastada e fascista, não fascista da bota repressora que pisa, fascismo da alma solitária, perambulante e autoritária de seus desejos não-massivos. o fascismo do eu.

2. no meu curso, há de ter imagem. não é por nada não, e nem pela ontologia da imagem cinematográfica. é imagem-imagem: mercado de trabalho, perfil bem visitado, tal e qual. somos feitos primeiro de nomes, nome e sobrenome, que é preciso escolher bem, nome artístico, créditos de um filme que talvez alguém veja. nossas mães, pelo menos. é o suficiente. tendo nome bem nomeado é preciso criar todo o resto. é preciso que os outros confirmem aquilo que se deseja ser. no meu curso, não é suficiente apenas optar - e optar é um parto com vagas limitadas - é preciso ser e incorporar a opção. é preciso tornar-se a coisa desejada. meu curso força a psicanálise. se possuo nome, tampouco sou eu, devo possuir logo após, minha função. minha função no mundo me define em contornos bem específicos. é a porta de entrada para a vida: viver é trabalhar. e para além de função, sendo nós nomes e funções acumuladas e estimuladas, é preciso definir-se ser. não ser filosófico, não. quem pergunta demais define-se de menos. é preciso se encaixar em tal qual lugar, é preciso ser ou isso ou aquilo. é preciso criar. nossos professores de roteiro são ótimos mestres de criação de personalidade-imagem. não fazemos filmes, fazemos nós mesmos. é preciso ter tal cor, posição, engajamento, comportamento. não-assim-assim, como se pensa, das regras ditadas por uma sociedade superflua. não somos superficiais, e discordamos de todas as regras. é preciso reiventar-se todo a tempo de não participar de regra alguma, ser incorporado em nenhum estereótipo, mas ter cor e solidez. solidez é o que importa. é preciso muita coerência, uma força de vontade doída. é preciso que sejamos imagens ambulantes e sólidas, coerentes com o nosso ser representado. o nosso ser não serve de nada: não é para engajar ninguém, é no máximo, para confrontar o resto. as opiniões são todas, assim assim, jogadas: ninguém realmente acredita, ou acredita. acredita no potencial de ser aquilo que é preciso ser. é preciso muito ser, no meu curso. é preciso uma imagem-toda, sustentá-la, jamais abandoná-la, é preciso amá-la; o meu curso não é de criação artística ou criação de produtos de comunicação, o meu curso é a criação de um exército de imagens bem articuladas. saber, acima de tudo, o que se quer, mesmo que seja, não saber o que se quer. o meu curso é de criação pessoal, acima de tudo, um curso de vencedores, nunca rendendo-se à moda dominante e as regras gerais, e por isso, vencedores, porque, também, nunca submissos. somos todos vencedores, parabéns. 

agosto 28, 2012

roda pião

que te fez perder, menino, a curiosidade de subir na ponta dos pés pra olhar o muro do vizinho? e antes de inveja e de cobiça ou de mal trato do gato, olhou pelo buraco só para olhar como é que se vivia do outro lado? que te fez perder, menino, a vontade de cavar um buraco, grande o bastante para que pudesse percorrer por onde a terra infinda ia - e ela vai vai vai até não se acabar - apenas para no respiro do ar, poder olhar, com seus próprios olhos, como é que a vida alheia ia?
a vida era tão grande, então, tão azul e cheia de. louca de detalhes e incompreensões. e tudo que te, resta, menino, nessa altura da vida que se diz homem: (pelas estatísticas do ibge, diz que sou) tudo que te resta são suas certezas pequenas. tão mais fácil, homem de deus, encher-se de boas e poucas verdades que te interessas e te sustentam, de certezas dóceis a seu umbigo frágil, de pilares de mármores que na terra não se enterram. e que de tantas pequenas certezas, sabido, acumulando jornais e abas interativas, lendo pela metade os anunciados vai-se indo enchendo na boca toda a eloquência do teu tempo morto. e da boca rota saem sem distinção os ataques à palestina e os classificados as estatísticas e o valor do carro importado (quando pago de imposto de renda é quilomêtrico, vai daqui até) já não sabe mais dizer o nome dos lugares geográficos.
dessa boca, menino, tudo virou chinês, chinelo virou bandido, gritinho virou viado, gostosa é de comer (virgem é pra casar). e tudo vem vindo junto de adjetivo, e tudo vem vindo de cusparada, o discurso fálico na ponta da língua: vizinho, grandes merdas. perdeu de tudo a força menino, de andar pisar percorrer, já não importa, tudo é pronto: sim/não/sim/não. homem pronto a ponto de bala vai disparar fagulha pelo mundo solto, roda pião roda pião, queima tudo queima tudo que há na sua volta: queima a filha, queima a avó, queima do outro lado do universo um outro que não se sabe, me queima toda. e do outro: sempre se sabe, sempre acha-se que sabe, que no lugar dele está, mas que no seu reino pútrido tudo se desencaixa e desarmonia! maestro, arruma essa troça, coloca a baderneira na jaula, limpa essa imundice. mastro, marcha, marcha na frente desses próprio coitados, porcos rosados que só sabem ronronar músicas infames, feitas de lá e cá, maestro, meu bom Senhor, voltai! e arrumai a terra lugar de infernos. arrumai para mim um bairro límpido uma casa confortável arrumai para mim vaga na universidade arrumai para mim profissão liberal statos quo muito dinheiro para consumir/produzir produzir cultura, cultura para o alto e avante! além. para mim, diz o menino batendo punho no chão, a ramela da manhã ainda se vê - mamãe, limpa, limpa - para mim e mais ninguém, para mim, que sou triste mas que mereço o mundo todo, mamãe, me limpa, ando cagado de medo. que o homem a dura penas aprende que: aprende que por mérito merece o céu todo que lhe prometeram, o céu todo tão grande e azulado, que a minha língua lasciva sempre quis lamber. e por todas as terras desse mundo - explodam! - se me prometem um céu todo meu, explodam! e voam pelos ares pedaços de. mas deixem em paz os cachorrinhos, deixem em paz os gatinhos, deixem aqui no meu ninho, ajuda eles, por favor. que o ser humano é ruim, o ser humano é mal.

agosto 20, 2012

a menina acrobata

a menina poeta. fazia poesia com o corpo. corpo sólido e só, morno, de toda uma cor. cor de nada: era filha de português com índio, vô alemão, vó africana. de áfrica ela falava de cor sei uns dialetos. diletante, andava nas pontas dos pés. apesar de sorrir, era triste quando podia. quando podia, porque há de ter tempo para ser triste. quando triste e quando alegre, se pendurava. como pêndulo, balançava. balanceava os corrimões, os postes, tudo que era possível trepar. de trepa-trepa desde menina brincava. brincava sorrindo sozinha no banho, fazia alegoria. alegrava a cor daquele buraco que se metia. mexia e remexia o corpo todo elástico de um lado a outro. doutro lado era sóbria, mas lá, era leve. leviana, virava o corpo e desvirava de novo. de novo, de novo, de novo, aplaudia a plateia soberba. sobrepujavam, pulavam, ululavam. de honolulu, a menina dançava de um jeito típico. se típico ou não, também o banzo que sentia. sentia e sofria saudade que não entendia. desentendia de enfiar os pés debaixo da terra. terra roxa deste país, lamentava. lembrava lambendo os beiços: que óbvia. de obviedades dessa órbita estava cheia. cheia, dançava acrobacia enfadonha e cansativa. cansava a plateia fascista, que de pouco a pouco foi-se indo. ia ia sem voltar. e a menina triste dançava com seu jeito lúgubre. lúdica nunca mais o fora. lúcida, dizia baixinho, fiquei, de repente. repentinamente, decidiu. decidida, na ponta do pé de bailarina que nunca o fora, pendurou-se a fim de morrer. morreu estendida. estendeu o espetáculo aonde podia: toda a avenida parou. parou no ar antes de cair, o corpo quase refutou. mas o que está decidido pela alma, está. e caiu sem baque no chão.

impossibilidade

o nosso amor é
impossível
porque eu sou
homem
e você é
mulher

meu falo,
amor
uma bandeira
- lua conquistada
tremula

tua cona,
toda fofa
minha bandeira
tremula
tremula 
tremula

e espicha.

que distância!
essa entre
sobre aquilo
que não entra

agosto 15, 2012

triste

nessa ladainha essa roda viva, triste condição do ser.
triste condição de ter de ser.
triste triste de te ver ao longe, horizonte perdido, assim, assim. 
fazer beicinho e falar amor.
e nessa giraia a gente roda vira vira vira vira home. 
e nessa giraia a gente cai se despedaça se esfarela.
triste olhar do ser que olha.
e toda essa mesquinhez que se engrena.
passa graxa passa lama lubrifica lubrifica que é pra doer menos.
dói dói passar os dias, passo os dias sem você.
lubrifica meu bem querer lubridia
petisca dessa nossa violência insensata
cega e burra, violência inventada
pra fazer valer o pouco - ah! que tédio.
e se comem e se fodem e se troçam roçam capotam
vive-se!
não vive-se. vai sendo triste vai sendo torto.
dói minha lombriga, minha lacuna, labirintite
dor de giro de gira-gira amor: muito pouco.
faz-me pouca, bem pouca, faz-me tosca.
vive-se sem lapidar bruta feito terra erodida
e essa triste condição de ser: erosão, erosão, erosão, erosão, erosão
pra se acabar em vão.

julho 31, 2012

bandidage

bandido, zé mané, chinelo, o pé descalço, doído, o pé preto feito pó, não é de pó meu irmão, não é de pó, é sujeira dessa rua: essa rua toda que vai sempre segue segue e vira à direita no beco, a rua avenida que acaba pra encontrar um fim de mundo, o fim de mundo é um muro no fim de um beco um beco sujo
sentou pra comer cachorro quente no meio da esquina que ficava no meio do mundo, a tv ia ligada, passava jornal das oito, pedi: um cachorro quente, irmão, um dogão, louvado-à-deus, completo, milho, vinagrete, purê pra caralho e salsicha e um pouco de espírito santo, irmão? um pouco também disso que meu coração de repente acelera rápido vai tocando a música a jornalista com o sorriso cínico o sorriso desdentado custou quanto esse teu sorriso, escrota? custou 9 mil reais pra tirar todas as cáries, todas as pontes, tirei dentes coloquei outros, alguns de ouro, que lindo sorriso minha senhora, sente-se à vontade na minha frente: vamos conversar frente a frente eu e você,
se você não parasse um minuto de só falar e só você falar se o seu olhar penetrante pra frente que se fosse pra olhar pra mim, pra eu aqui, engulindo pedaço a pedaço esse pedaço de alma que é esse cachorro quente, se é que esse olhar alguma vez olhou pra mim
disse a moça condescendente explodem os bandidos, os bandidos assaltam, os bandidos ladram, soltaram os bandidos, corram que os bandidos vem aí, quem foi que soltou esse maldito desse bandido? tava lacrado tava de coleira tava na sola do estado quem é que mandou autorizar? e matou um dois três fardados vamos senhoras e senhores do meu brasil imenso: ao enterro deles, estender bandeira, verde azul branca amarela, e no fundo dessa tv esse azul que hipnotiza e essa bandeira que não tremula serve pra ficar em cima de caixão serve pra quê? serve de manto, meu senhor, serve não, serve de opressão fardada, dentro desse saco chamam mãe filha e padrinho de bandido, minha vó, minha vó que vende cachorro quente até de madrugada na esquina, não reclama nem quando os moleques fumam maconha perto, acha graça, a larica paga as conta, a maconha paga a paz, ela sabe, fuma seu charuto e quieta, porque ela sabe, sabe mais do que o senhor, meu senhor, desesperado no meio da rua, sempre desesperado porque ainda não inventaram transporte aéreo possível que evitasse a rua:
os bandido isso e os bandido aquilo os bandido pá. e aqui foi quando enguli toda a salcicha de uma vez, velha muquirana, uma salsicha é muito pouco, vontade de sacar a arma pedir o balde de salsicha me esbaldar querida, minha querida, eu queria me esbaldar como esbaldar nesses dente queria arrancar esse dente de ouro para dele fazer mil pedacinhos e jogar pra cima porque é purpurina, é purpurina, é ano novo
todo dia pra mim seria ano novo todo dia fagulha e faísca todo dia dia novo todo dia dia de morrer devia ser assim, pra cada ser vivo, cachorro e gato vabagundos vira latas, todo dia dia novo que foge pelo beco: é bandido é bandido pega escurraça mata.
mata e ponto final mata e ponto final é o fim da reta, é o fim da linha? minha velha, esse cachorro quente, que delícia, que delícia infinita, a senhora não tem noção, como não meu filho, não tem noção minha velha, todo prazer da língua da carne sanguessuga é alegria direta sorrio com meus dentes: não tenho todos, infelizmente, queria te mostrar, querida, meu sorriso como você mostra os seus enquanto comenta as estatísticas da violência na capital e pula para a previsão de tempo: chuva muita chuva irmãozinho aí de cima tá brabo tá brabo tá arreganhando os dente guspindo a saliva toda em cima da gente
meu sorriso, minha querida, falta dente falta tudo, aqui dentro minha querida falta tudo por isso o sangue quente sobre e declina e por isso bam bum bam, bandidage na área, chegou pra te aterrorizar como se, minha querida senhora dos dentes bem arrumadinhos, meu querido senhor do cabelo grisalho pintado à tinta preta, como se eu tivesse tempo alma o suficiente pra poder aterrorizar sua vida sua pouca vida, tão pouca quanto a minha, como se eu não tivesse que
nesse meio tempo ter que correr pra sobreviver ganhar trocado sim não pra comer um cachorro quente e ouvir sua voz deliciosa escorregando igual água fervente no meu ouvido corpo lombo todo: arde, arde queima, queima, delícia
mas você continua me chamando de bandido, você continua impondo minha existência ao mundo, me fazendo ser menos mais menos bem menos, os fazendo rebaixados sem nome, inominados, aquilo que não tem nome não tem existência, disse o narrador baixinho nas entrelinhas, aquilo que não pode ser chamado pelo nome não tem vida força não nasce não é não pode ser rg cpf comprovante de residência, por favor? não tem menina não tem não me deram nome chamam-me por aí de bandido, sei sim, Bandido, da Silva? pode ser não sei Bandido só ou coloca assim bandidos bandidos é plural senhor, sei sim que é plural mas nesse mundo eu sou todo plural não porque eu quis porque me fizeram plural bandidage coloca aí, você é o mundo? não, menina, não, quem dera, sou menos bem menos, sou o nada deste mundo, a escória do beco do fim do mundo depois que termina a avenida, lá onde você não entra - eu não deixaria, meu bem - menina, tranquila, tranquila, calma, calma, eu não vou atirar, isso não é uma arma, é só cachorro vadio que late enguli
terminou levantou e limpou a mão na calça jeans e olhou com desalento e vontade de explodir essa tv ficou conhecido como bandidage ficou feito bandidage foi encontrado morto na mesma madrugada a tia do cachorro quente toda horrorizada depois fez o final da cruz disse deus sabe o que faz, a tv é sagrada, foi esse vai mais um amanhã, fechou a barraca

e não havia nome e não havia número e não contaram nas estatística e os dentes não arreganharam de susto e horror e não havia nada porque não havia, era tudo um só bandidage tudo um só de uma vez de um mesmo nome, sempre contando só mais um só mais um, não tem pai não tem mãe não tem quem que por ele chore e eu 

livrai-me de chorar por todas as dores desse mundo e eu escrevo porque tenho nome e números mariana 47858400-3 registrada e nomiada sou salva sou jesus, sou divina.


julho 23, 2012

líbano

moço, não sei direito, não posso saber, no meio dessa fumaça, dessa, dessa lesma. no meio dessa mesa se derretendo, partindo ao mesmo, no meio de tudo isso, um você, atrás de tudo isso, você, com seus olhos curtos, olhos de longo alcance, mas olhos curtos, podia ver: olhos curtos perto tão longe dos meus olhos tão longos, de dois em dois minutos, os olhos: um estilhaço na fumaça, na coisa, na lesma desse ar, pútrido, petrificada, petroleorado. no meio de tudo isso a conversa ia longe ia divagando nos emirados arabes unidos estados vencidos, o líquido negro se infiltrando na terra roxa, e nossa terra que era vermelha e meus pés descalços no seu piso de taco, meus pés querendo alcançar o linho das suas meias, ovelhas das montanhas do himalaia comigo fizeram béé: também elas se excitam também elas se excitam. nesse felpudo embalando a noite toda com aquilo que a noite é feita, uns pedaços de escuro, um certo ar crescente ou decadente - que dor - de possibilidades, errante, cambaleante pelos móveis da sala, é difícil andar com esse nível etílico mas o corpo estupido insiste, insiste, insiste, e passar por você passar por você é morte dolorosa formigamento das extremidades alucicação verde limão o petróleo todo virando sangue de gente lá no líbano
aqui no líbano aqui dentro do meu líbano dentro do meu líbano mundos desabam e você diz fica dizendo displicentemente deste líbano nosso líbano olhe lá olhe bem aqui dentro neste líbano meu você não pode querer saber você devia querer saber: se eu te encostar devagarinho minha orelha no seu peito, minha orelha gelada, o dorso da minha mão morninho, dentro da sua, da sua, você ia ouvir se estivesse um pouco mais perto tiroteio gente correndo pisando escorregando no sangue todo splash aqui dentro faz splash eu te diria com a língua ardente o biquinho de algum jeito sexy monroe mas meu amor: eu não sei só sei o que me acontece de grotesco e grous uns zumbis zumbidos zzz eu não sei ser sexy meu amor: mas é real aqui dentro é como se vai e vem viesse uma lombriga toda grande toda grande raspando em tudo a garganta a pélvis o estômago raspando tudo com sua superfície de viscosidades infindas uma uma uma uma
loucura, meu bem, loucura, mas continuo a bebericar socialmente meu etílico a fazer o que se deve ser feito, deitando no tapete felpudo aproveitando-me das mais caras sensações supérfluas que este mundo pode me dar: e de dentro do escuro sempre visível alguma possibilidade mas que. o resto são condecorações vazias de menininha esgotada, de menininha toda meninada, correndo suja pela rua com os cachorros do vizinho latindo como eles e babando, querendo roer osso, o resto não nos importa, se explodem lá fora poços que deixam mutiladas deixam mutilados deixou-me mutilada por instante como sem me cortassem o 
mas nesse império você é rei desses olhos curtos nesse império você manda e desmanda e enquanto fuma charutos lamentando a perda das pernas das crianças compra e descompra e derrama todo negro na terra branca, na terra louvada, terra virgem, terra só, terra por si: toda manchada e toda sua toda determinada, fecha os olhos e dorme, dorme porque pode, quem poderá se
se aqui dentro das minhas pálpebras agitam-se guerras sem fim e soam as metralhadores e toques de recolher que mal me recolho porque dentro de mim: como posso fugir se dentro de mim se dentro de mim aciono a bomba h bomba de gás lacrimogênio a bomba que me faz rir desdentada até que o absurdo do mundo torne-se um pouco menos um pouco mais um pouco menos essa lombriga esse pênis até a garganta essa dor esburacada esvaziada (estive esvaziada de mim mesma)
e dentro de mim matam e morrem mundos e chegam a você o eco resquício reverberação injusta um pouco qualquer fagulha do meu olhar longo de dois em dois minutos um estilhaço uma bala disparatada no meio da sala cortando a fumaça que não vem da arma vem da nossa humana barbárie vossa vontade egoísta este
modo escroto de tocar a vida como tocam os cachorros com pedaços de pau empurrando-os pela bunda ou serão os cavalos capengas ou os pôneis de passeio eu
toda guerra e toda amor: um pônei de passeio dando voltas inúteis nesta praça de bandeirolas olhos cheio de piedade, pergunto: suba no meu lombo, a la vonte, senhor, a la vonte

junho 23, 2012

o cinema

nos jornais dizem
musa de Godard ou musa de Sganzerla
à merda.

junho 20, 2012

lembro de como meus pés afundavam na lama

lembro de como meus pés afundavam na lama, na lama daquele jardim, aquela roça, poça. roçava em mim devagar e quase sem tocar e eu bicho solto corría corría. bom dia bom dia, você dizia. e meus pés afundados: minha saia levantada, minhas canelas parrudas, tenho uma pinta aí, veja bem. ou de tanta terra que aí não saiu. esfregou, esfregou e não saiu. deixa eu esfregar, meu bem, com jeito, sabão de pedra e carinho. olhei esparsa, desse jeito: esparsa, como se eu quisesse, ou se pudesse, me espalhar por todo o terreno, me debruçar, me esparramar. se eu pudesse ser terra lavrada: você poderia com seus pés em mim pisar. se eu fosse terra, então, nasceria para receber teus e os deles todos pés desde que o sol se punha ao sol se deitar e ser lar de tudo que há para ser lar: mesmo se lar fosse de cimento em cima de concreto em cima de pedra em cima de pé. pé, barriga, lesma. você derrubava a água quente em mim, devagar. eu mantinha a cabeça curvada: a nuca torcida, meu cabelo todo cobria qualquer resquício de. tudo eu quis cobrir de você, tudo que você pudesse de fato roubar, todo o resto, era a água que escorregava, quente, por todo o corpo dolorido. dolorido desse tal frio: era frio, me lembro. cobri de você meus olhos cheios de temor. corri, corri. de verde a cinza e esse verde acizentado, no mesmo. naquela mesma terra onde me afundei tentei voar. de tão rápido flutuar para longe daqui, daqui. minhas unhas cheias de terra, minhas unhas todas carcomidas. você as pegou com aquele seu sorriso: um quê de sinistro, um dente preto no meio dos outros. você me olhou quase como se reprovasse para depois meus dedos beijar, você e seus gestos fúnebres que me. que me faziam. meus dedos de terra, você os beijava, como se lambesse, os lambia, como se os comesse. os devolveu limpos: os devolveu brancos. lembro de como meus pés afundavam na lama, não podia saber o que era lama o que era eu. éramos da cor da terra, éramos fundidos à ela, todos dela, nela. mas seus dentes brancos enbranquiçavam tudo: enbranquiçou a cor de terra que tinha meus dedos, enbranquiçava, cobiçava o branco dos meus olhos, o branco dos meus. me escondia, e na rede, fingia que dormia, embalava, você cantava, me ninava, sua voz, era doce: me dizia, dorme, menina, dorme, menina, dorme, menina. você dizia que me protegia. e nessa rede eu me entrelaçava, menina, nessa rede eu me diluia, menina, lavrava essa terra de que sou feita, pronta para semear ser de raiz plantar batata beterraba e mandioca. todo o resto, o mundo, que amálgama. todo o resto o mundo, me encarava. e eu olhava diluída, eu olhava pinga-gotas, chuva fina. desse campo todo. uma multidão devastadora. devassidão, diziam: perfume barato, pérolas falsas, fita roxa, fita vermelha. longe, menina, atenta, longe, corre, menina, corre, menina, corre, menina. lá estará seu lugar. volta seu olhar: abaixa teu profundo, volta para lá. volta corre louca busca. o quê? e meus pés e meus pés afundados até as canelas parrudas (a pinta que não saía, era sinal de herança, era sinal de desgrança) nessa lama, toda a lama: toda minha lama que eu criei. você disse, boba, bobinha, jogou água em todo o terreno fez da terra boa terra lavada não sabe ao menos escrever confundia lavrada com lavada confundia tudo boba menina boba se esconde ao menos pára vem comigo eu te protejo. você disse, olhos nos olhos, romântico, a viola tocava ao fundo dirindondondirin: eu te protejo. eu e meus olhos e meu branco dos olhos (fraqueza minha eu toda feita de terra escura) eu e meus olhos marejados, minha culpa desluta. desistia. me lembro como eu desistia. me lembro como desistia: uma coisa no peito, uma coisa amarga. isto, isto, isto, isto. bom dia, bom dia, bom dia. eu ouvirei, bom dia bom dia bom dia, deixa-me esfregar sua pinta, bom dia, deixa-me te amar com cuidado, dentro do escuro, deixa-me, seu sussurro pasmo, nada diz nada. e seus lábios pegajosos: eu me. eu me. eu me porque não pude conhecer: o resto e o tudo o que eu me lembro: me lembro dos meus pés afundados na lama. me lembro, a lama, toda a lama, aguaceira danada, a lama já não lama. a cama firme na terra seca, chama. a terra boa e lavrada, bem lavrada, lavro todo os dias, lavro com amor, tenho amor ainda tenho amor costumava sintir aqui: amor uma coisa amarga. uma coisa amarga que vem me fazendo. inchando inchando inchando. como incha o inhame cozinhando. cozinha fumaça esquenta. o seu fogo que já não me. não me. lá longe louco se desenha: qualquer, se desenha, e seu lábio pegajoso: eu ainda quis, choro, eu ainda quis, o branco que revira lúcido: mas insana atento. silêncio, que atento. silêncio, que já não me lembro: quero me lembrar novamente. já não lavro, lavo. já não importa: toda a água para toda a terra, toda a água para lama. se lembro se me vale, amor essa coisa amarga e egoísta. se toda lama se na lama nasci vivo. não morro em seca terra lavrada, esparramada por você, bem lavrada, bem semeada, daqui saem meus frutos: minhas lesminhas formiguinhas minhoquinhas contorcendo-se todas. toda terra tem sua raiz louca: e lá corre subterrânea toda a nojeira escondida, minhas unhas, meu bem, cor de terra, enterradas, como a terra, adoecida, grito e te acuso: não me proteja. não me proteja. não me proteja. me poupe de me esfregar me poupe de seu. sou terra, sou toda, lavada em lama, esparramada, sou tudo: sobre mim crescem cidades crescem campos infindos crescem de tudo, só você não cresce, só você empata, seca. lembro de como meus pés: vou deixar que meus pés se afundem, se afundem, se afundem, se afundem, vou afundar-me toda, afundo, afundo, fundo, mundo, toda e tudo.

junho 15, 2012

sua meia falta me faz falta

sua meia falta me faz falta. por favor, volta. volta inteiro e todo. volta nem que for louco. essa meia coisa me desanda. ando em círculos porque não sei mais onde você pode estar. eu posso esperar. no meio do círculo, eu posso esperar, eu posso esperar nem que ventos derrubem todo meu redor. que derrubem e me mostrem, eu vou esperar. que me tragam você, novamente. faço essa reza, porque não sei apelar. não sei pedir. peço ao acaso que me traga: peço que volte a sentir falta desse ventre quente. quente úmido e pegajoso, o meu. talvez sufocante. eu não queria tanto assim, mas se não for tanto, não sei, faz tanta falta, tanto buraco, tanto vazio. eu ando ao acaso porque já não sei mais por onde andar. se não me deixa te seguir, ando por aí, sem propósito. alma depenada, pequena desgraçada. egoísta até a última ponta: eu queria te pedir pra ficar. queria te pedir todas essas coisas: desculpas obrigadas amos você ficas comigo ficas conosco não deixas. não deixa tudo desfalecer. eu não sei se vou para onde eu vou? estou completamente perdida. queria te prometer, para me dar acalento humano também: poderia ser assim tão fascista. queria te prometer felicidades risadas queria te prometer o que quer que você espere eu serei agradável leve fluida fofa flua. queria te mas eu tão chumbo e tanto - sempre tanto - não sei sou tão oh you silly, stupid pastime of mine. eu queria me livrar disso: eu juro, queria mas também queria, você de volta, você de volta como foi, mas não sei se posso, se posso pedir, se posso se tenho direito a reivindicar but i'm as good as asleep. vamos voltar a dormir como dormíamos voamos voltar voamos voar.  acho que vai estar tudo bem se só dormíssemos se não acordássemos para se eu fosse mais o que sou e menos o que sinto se eu pudesse esperar contar tempo não explodir. se talvez esteja tudo bem e tudo o que eu quero é mais do que, mas se: os seus olhos desviam. tenho tido devaneios profecias desde então tenho tido visões claras e tristes do que somos eu não queria. por vezes mil tive essas visões e nada fiz: apenas o fim latente e óbvio. óbvio! oh well. o fim sempre é óbvio intermitente mas me dói tanto. eu não queria que o fosse, nem o começo do eu vou me acabar nisso tudo: vou me charfurdar em tristeza em melancolia e tudo que resta de mim: caramuja lenta e desesperada tudo o que você poderia odiar: pesada e soturna minhas frases emblemáticas. tudo caminha para isso porque não há jeito de eu não entristecer e se você não pode mais aguentar minha tristeza silly stupid pastime of mine tudo crescerá em exponencial: em exponencial, eu não sei como fugir de mim mesma, eu queria eu queria ser outra, queria fugir, me ajuda a ser outra me ajuda a não ter que dar cada passo como se meu passo fosse pesado, diga: teus pés são tão pequenos, querida, mal fazem diferença no peso do mundo. e se você disser: meus olhos marejados te responderão, mas meus pés em você fazem estrago? mas meus pés em você, eu queria não por os pés, queria te por a alma, a aura, queria te por o que fosse leve, queria te dizer coisas bonitas que te fizesse acreditar na minha boa intenção mas eu não sei se as tenho se as tive se é possível tê-las. se todo esse meu amor é uma ponta de lança encravada em você, se dói, se doeu para colocá-la, se incomoda se ali está, se doerá ainda mais quando você terminar de tirá-la: eu não sei. queria amar brando e pouco queria só te cobrir antes de você dormir dar boa noite. boa noite. and i think if i didn't have to kill kill kill kill kill myself doing it maybe i wouldn't think so much of you. 

junho 06, 2012

desculpa (para você)

desculpa-me.
sou fraca.
desculpa-me.
estou oca.
abri a boca e sai de mim tudo que fede.
mas se gritei agudo
e te furei os tímpanos
choro arrependida
por ter me escolhido surda
pois tudo que me retumba
é seu ronco tímido.

maio 27, 2012

você merece longas cartas de amor

desculpa, não sei escrever cartas de amor. você merece longas cartas de amor. e tudo o que eu não sei. faria da minha vida um exercício de escrever cartas de amor. de me dedicar exclusivamente ao amor pelo outro. faria da minha vida obra de arte por você. nada mais importa. e a gente se esfarela se importando com todo o resto. eu não sei mais o que vai me restar depois de tudo isso acabar. um pouco de frustração, um pouco de. eu ando me esforçando para lhe escrever: mas é difícil feito. corda bamba, o tempo inteiro. corda bamba e eu mal equilibrista. ao hino dos perdedores: quando se descobrir mal equilibrista. é que me sinto muito pesada para andar nessa corda mal esticada. tudo meio, tudo mal. e tudo que eu esperava era um pouco de. um pouco de alegria, talvez, estupidez. um pouco de estupidez, talvez. estupidez para ser estúpida sem ter que lhe encarar com essa cara de entupida. é impossível quebrar o espelho. tudo está sendo refletido do jeito que caminha: que coisa louca, preservar o devir. o reflexo mal recortado e tremendo como se fosse debaixo d'água e a gente aqui achando que é tudo feito de terra e solidez. se fosse possível assumir a fluidez e o erro em tudo. se fosse possível não ser certeza. e se não fosse, sobretudo. condenável. açoitem-me porque mal sei do que falo. mal, meio. se peco em estar sempre no meio, se peco por abaixar a cabeça. e as cartas de amor vão ficando para trás. e as cartas de amor não vão ser mais escritas. as cartas de amor já não fazem mais sentidos. se tudo tem há de ser tão fixo. se eu pudesse escrever uma carta de amor sempre reescrevendo. se eu pudesse apagá-la e recomeça-la, riscá-la e de mil páginas nunca terminada, se você gostasse assim. eu lhe daria uma carta de amor, se houvesse algum tempo que fosse. mas o tempo que eu preciso é a eternidade: não sei o que faço. empaco com prazos, com números de dias, números de horas. se a vida fosse só um tempo, um lugar, toda a vida, vivida de uma vez. mas dissimulada, se no limbo tento viver e acabo por nada fazer, então condenada. deuses me salvem. estou sendo condenada e enquanto isso dura e não pára jamais não estou te escrevendo minha carta de amor. e deuses me perdoem, mas a única pessoa que poderia me condenar é você.  

maio 18, 2012

gabriel

vida, essa velha de guerra. que bruta energia. tal eternidade louca e possível de ser finda a cada acaso mal calculado. de sortes a acasos, faz-se laços. essa maldita mania de misturar freud com astrologia. as três irmãs e suas tesouras a cortar o fio condutor da vida. vida! que vem e volta em avalanche. como será que é possível que. se foi escrito, se foi contado, se foi acontecido, não sei. um horizonte de. de, de! bem-vindo, gabriel. que coisa louca, bem-vindo! se antes ou depois. se você viesse ao mundo se ela ainda estivesse viva. tantos esses acompanhados de ses. tantas perguntas, estatísticas, possibilidades. o que aqui está, aqui está. e se tudo quando vem, não pode ser como antes imaginado. ai, gabriel. falar da sofia agora parece mais possível. como se ela estivesse em algum canto dos seus olhos - que ainda são cinzas. não sei o que mais pode ser: a vida se estica por onde não se vê. tudo é tão inesperado. que bom, novamente, tudo pode ser inesperado: o leque se abriu novamente. posso, agora, deixar de só viver minha vida ínfima e pequeninha, monótona, de problemas líquidos, posso viver também a sua vida, cheia de grandes possibilidades, cheia de enormidades, de solicitudes e solidez. e posso viver a memória com menos pesar, menos tristeza, posso de você extrair a memória sem culpa de. gabriel, que pequena bença. tão pequenininho e tão cheio de. sofia, de amor, gabriel. mariana. bem vindos. fico feliz de tê-los aqui, tão presentes.

maio 06, 2012

histéricas, graças a deus

histéricas, essas mulheres. diagnosticadas, histéricas, andam cabisbaixas, languidas sensuais e invejosas, rastejam, serpentes, já mitificadas. gritam, descabeladas. por que gritam? por que ardem? parecem que estão sendo apedrejadas. sentem-se como joana d'arc, infâmia, queimadas, que bobagem, mulheres que bobagem, acalmem-se - de uma vez - calem-se. calar-me? como hei de me calar se calada vivo a vida? se maior que o grito é o silêncio. silêncio, essa gosma nojenta que por tudo corre, por cada rua se embrenha, silêncio. dos templos religiosos e sussurros às ruas vazias e frias. essa cola, essa aparência. se na rua escura me escondo no escuro - o escuro da noite também é o escuro que me cobre. se me cubro e quando não me cubro, vadia! se meu olhar é sempre receoso, de soslaio. se tenho que resguardar qualquer indício de desejo, ou aparência de. se não. ah, se não. e o olhar do outro, sempre descaradamente invasor. invejo os homens que são corajosos, corajosos de olhar com as mãos e com os pés com a língua cavernosa e o pinto escroto o peito a perna o olho a nuca a boca a bunda. que gente vivida, que gente alegre! que gente coletiva. meu corpo não é privado - não senhores - tornaram-no público, cortam os pedaços, vendem barato, um sorriso, um favor, um pedido, um choro, ou nada disso. que alegria, veja só: gente generosa, dai meu corpo, não é meu, vosso corpo, pode adentrar, sinta-se à vontade. e digo e bato no peito aflita, essa ironia, meu corpo privado não deve ser trancado! se meu corpo não é morada de Deus (meu senhor, aqui mora minha alma, minha sim), se com ele eu vou a pé, o mundo eu percorro, se assim eu queira, meu corpo de quem quer que seja meu também. que meu corpo não é ambulante, junto dele venho junto. mas não. é que dia sim dia não, não. de pouco em pouco, a violência toma tudo: venho me sentindo arranhada, estuprada, degolada. ser violentada é somente uma questão de viver, de estar neste mundo. violentada pelo objeto vivo e plástico violentada pelo estupro capitalista violentada na piada. se há resistência, mulheres histéricas, mas não de fróide, se há resiliência, deturpada e condenada resistência. se louca sigo digo danço e dou, se você, estúpido animal, acredita que perdi pelo meu corpo o respeito, pelo amor às tradições, que jogo o jogo sem consequência, um pouco de. um pouco de, o mínimo de. por favor. faça um mero favor de olhar mais a fundo: e se peço, quando peço, privacidade, e se digo, quando digo, desrespeito, acredita. histérica é o meu cu. histeria devia chamar toda essa história imunda: esse século de repressão amenizada com vitórias ilusórias. a violência anda tão trêmula, tão dissimulada, mas anda na mesma. não existem vitórias, minhas queridas, se não existe de fato. de fato! de fato, o que tenho é o temor. temor de viver, de sair, de usar. temor de ser. de ter que dissimular, ser macha ou menininha, de ter que. é preciso causar escândalos, não venham com sim ou não, é preciso escancarar, é preciso fazer chorar. chorar milhares que fazem-nos chorar dia sim dia não. chorar aqueles, que lá estão, longe de ser violentados. que na rua, mal pisam. por isso não sentem essa dor física, o cascalho acimentado como se mil sapatos não bastassem. andamos descalças pela rua suja, e se um vidro se interpela no caminho, gritamos. e se cala este grito, fascista. é preciso dar nome aos bois, fascistas. quando sangra é quando percebemos - também andamos loucas vivendo a vida que não respira jamais respira - e então freud, histeria. inveja de falo o caralho. falo torto, dolorido e constante. histéricas, eles dizem. morada do pecado, serpentes. feministinhas de esquina. vadias, loucas. cansadas, cansadas demais. se a histeria chegou é porque chegou pela exaustão. o limite foi atravessado, a tênue linha de sei lá o quê. o corpo dói, esmagadas, esmiuçadas, sentindo-se tão pequenininhas. essa discrepância física que não nos contempla. ai de vocês se ela fosse medida pelo ódio de dentro. Deus sabe o que faz: para mantê-los no poder nos fez tão atarracadas, inutilizadas, qualquer dois braços nos seguram. moradoras do pecado pequenas, façam karatê pra se defender. queria não me defender, babaca, queria só andar, não seria muito bom só andar, só andar, você sabe, babaca, como é? eu não sei. eu nunca sei. andar é um sacrifício, um passo calculado, estratégia para. para não se foder, se foder mais. o temor mata mais que o fato. o terror está em nós. histéricas, sim. graças a deus.

abril 22, 2012

querida, meu amor não é literário

querida, meu amor é cinematográfico. se o escondo, te escondo, não ouso, se meu amor. é imagem, quase fixa, o movimento pouco dos seus cabelos, crespos, fazem cócegas se por acaso encostam nos meus ombros, largos. de deleite, instantâneo, pouco eterno, te digo: apenas a duração. não aceita o literário, o meu amor, repuldia os movimentos internos, o meu amor, quer o seu olhar sem ter de saber porquê. não quero, amor, o eterno contratual que reside nas palavras magnas, a adjetivação exacerbada para se atingir o que é, o leitor desavisado, pego na alma, preso ao durar quase insuportável de um livro pesado. o meu amor é leve. é virtual, como cinema, se você me pergunta: deixa-me tocar, não há. guardo sentimentos virtuais, que como platônicos, se dispersam, voltam e se fixam para depois voarem, flutuam. meu amor não pode ser impresso. querida, me escuta. meu desejo é tangente. gosto de te desejar nas partes omissas: a fuga do seu olhar, o espaço da cama quando seu corpo termina. sei pouco, tão pouco, sobre você. não quero saber de mais: que há de adiantar explicações, que há de adiantar falar. que seja pouco e quieto, que seja um sopro, talvez, uma mordida, rancorosa, que dispensemos os gritos: que fiquemos com o soco infalível, o arranhão proposital, a marca dos seus dedos frios no meu pescoço, querida. que não falemos do que foi, ou do que seremos, tudo é tão fugidio. quero me concentrar no agora, em você, que dorme, que dorme, que dorme tão longamente. quero seu sono. não me conte dos seus sonhos, querida: fiquemos a dormir, o seu corpo mole, livre de consciência, livre de intenção, livre de. livre-se de mim, querida. livre-se de você mesma. quero seu bruto. o corpo, disforme ou angulado, seu corpo, as solas dos seus pés pressionando levemente contra minha virilha, querida: encoste-se aqui e deixemos passar o mundo. dispensemos o que é etéreo, o que é fluxo. desejo a terra, desejo a raíz que te prende a mim: não me importa do que é feita a matéria, quero em si, a matéria, quero em ti, e pouco. me contento com. o mínimo, que por mim, o máximo. o máximo que um ser humano pode dar de si: o mínimo de ti. o pouco me deixa delirante. deixa que meus sonhos divaguem e contornem o resto: de você, só um recorte fraco me basta. meu amor não é literatura. é pouco, fraco, fugidio, oscila conforme a luz, termina vez ou outra. de você, só um pouco, querida, não se vá tão apressada, ou a pressa dos seus passos, a ponta dos dedos me servem: morro de tesão. não me estranhe, querida. com você, me basta o mínimo, eu invento o resto e se te pareço triste: esquece. minha tristeza é opaca, quase normalidade, me mantem. se te pareço triste, deixa. cultivo a tristeza como cultivo querer-te pouco, cultivo o silêncio para me bastar. e se necessito te falar, querida: é que ás vezes a angústia me vem. o mundo e sua pompa - que enfadonha - exige que eu queira muito, que eu queira tudo. viver exige oposição, exijo querer pouco, e há de se opor todo o universo. dialética tirânica e safada. me deixa, querida. faz o pouco que pode, fica um pouco comigo, dorme devagar enquanto me entrelaço nas suas pernas compridas. suas pernas que, por um instante, só, são minhas: o caminho do mundo, o comprimento de uma vida.