setembro 15, 2012

ossadas

te vi distante. na escala da vida, pequena. feita de. pedaços de memórias. o corpo opaco. feito matéria escura. te vi menina. e os olhos doces. arredondados. jabuticabas do pé da minha avó. jabuticaba enraizada. enraiza-se em mim. não sei. olhos de detetive. olhos de falcão, detetive de capa. rouba minha alma. arromba meu corpo. vai me fazendo perder. ando muito centrada. ando muito em linha reta. minha linha. verticalizada. vou cavando, vou cavando. escondo-me no centro da terra. como defunta, permaneço. e as mãos e os olhos e os falcões acharam minhas ossadas. eram novas. eram novas e causaram alvoroço. certo alvoroço por algum certo curto período de tempo. um breve instante no tempo do universo. minhas ossadas já não. perco a carne, perco a alma: sobra-me os ossos de cálcio, duros como pedras, disformes em sua desconfiguração, lego, cachorro babando em cima dos meus cais. entre mares e portos: me aporto em cais salgados. gosto do ardor da língua. nesse amargo, feito de ferro corroído, os barcos que por aqui aportam: fica. umas jangadas de pescadores. o buraco entre os dentes do dente que falta, minhas ossadas ficam, mas os dentes pouco a pouco se vão. dá-se tanta importância pra carne da boca, mas só nos resta o sólido. mas se só dente perde o sentido, você me diz, impassiva. gostar de estar entre, de gordura, de viscosidade, absorção. e eu que me tornei só minhas ossadas. o pó da minha história mal contada. calada. estes ossos nada dizem: não querem dizer nada, entende? uma bola de chiclete. não se cola, não se amarra, não recria-se. esses ossos não escondem nada, entende? são só ossadas de outrora. aí enterrados por si mesmos.