fevereiro 24, 2013

língua.

digo que venhas para irmos a festa. você passa delineador nos olhos e os cabelos, pintou de novo? de novo. que insaciedade. que coceira. você tinha mania de coçar com as unhas crescidas do pé suas batatas: era bonito. batatas arredondas, eu quisera. sugara. vamos logo, que a gente toda espera. que esperem, você disse, sorriso de plástico. que insuportável. fazendo-se sempre tão assim: que é? bonita. mais que bonita, me disse um dia. o que mais? algo a mais. algo como a vontade de me foder. sei. de me conhecer pela minha vagina. sei. sua língua. e por isso usa isso, perguntei. você deu de ombros. uso porque me presentearam. e quem foi? explodia de ciúmes, eu. besteira. me cansei depois de um tempo. você me disse aos prantos que eu te dei tapas que eu te fiz machucados que eu quis furar seus olhos. eu? não lembro. mas agora fumo para acalmar os nervos e você antes não deixava. e fica a engolir as bolinhas. e quando for velha ein? mais bolinhas para que se borre a imagem no espelho. mas eu continuarei a te chamar. morena. loira. para irmos as festas, diversas, dessas. ou aos chás ou carteados. jogarão os velhos paciência em lan houses? a gente fica velho e quer colinho. você não acredita. que quer? a língua. sempre a língua. eternamente? sim. sinto muito. mas eu posso te dizer, eternamente. o quê? que é bonita. mais que bonita. sim. isso tudo. e como era quando criança? você nunca diz nada sobre a sua infância. você abaixa os olhos tristes pelo preto da maquiagem. vamos embora, pegue as chaves. vendi o carro. mas o quê? e como vamos? de ônibus, como antes, mas quê? tremia nos saltos altos. vem, minha cara, não é a primeira não vai ser a última. ora, não me encha, é um grosso, por que chamou? porque preciso chegar junto de ti. maldição à tudo! explodiu como fazia. jogou alguns objetos no chão. tinha algo de vidro? não. então vamos. não me chame mais, me faz triste. me chama só para fazer cena. é que você é minha atriz. sei. sorriu de canto. colheu as coisas. por que vendeu o carro, disse enfadonha, já no ponto de ônibus. avisei-lhe para trocar os sapatos. não encha, sei fazer isso. fiz muito. olhei o fundo dos seus olhos: que negros! quanta dor. ora, não me venha. riu. fala de dor. fala de tuas dívidas! por que o carro? olhei para baixo as mãos esfregando umas nas outras. busco isqueiro, ai que dizer. que dizer para você? ando me afundando. e o que anda fazendo? jogos, álcool, drogas, putas, o que gastam os idiotas! chegara o ônibus com seu freio chiando, em tempos idos, era quase um trem. ela subiu como só sabia com saltos altos nos degraus. o motorista lhe sorriu. bela dama, rapaz. pois é, ri nervoso. língua. conte-me, um pouco, da sua meninice. não encha. pague meu ônibus! pago. sempre paguei. conto algo se me contar, está afundado em crise? beijei seu rosto, falei baixo. é claro. é claro que estou. não sei contar dinheiro, não sei guardar. não sei. e carro pra que serve? uma bosta. entope a cidade. ela riu. não me venha com essa ecochatisse, meu amor. te conheço. você acredita que o mundo gira junto de você. ah, eu? sim. e você? eu. enquanto for jovem! ela olhou para baixo. dá-me a língua. tudo bem. qualquer coisa. eu, bem. sonhava muito. e não sonha mais? não, durmo cansada. durmo pouco. antes dormia quatorze horas por dia. mamãe era... sabe? triste. então eu dormia com ela. e sonhava muito. passei a infância sonhando. toda. uma vez um terapeuta me disse, você não pôde construir realidade. não sei. não gosto de pensar. é longe? dê o sinal. mas aqui está, disse pisando com os saltos na rua. aqui está a realidade, não é? e a noite estava negra, não havia estrelas nem postes. eles insistem em não botar luz aqui. é. acham charmoso. é. ela procurou meus dedos na escuridão. fazia tempo que não. que unhas grandes. você podia se calar, um pouco. aproveitar. parecia com a voz embargada. você sonhou com tudo? com tudo. com isso também. com a minha vida. não preciso de profecias, sabe? por isso não tenho esses vícios. me dê um cigarro. dei. achava engraçado vê-la fumar. mas era melhor que as bolinhas. sempre fora escuro assim? sim. e tem coisas aqui. olhos. línguas. apertei forte os seus dedos. coisas em todo o escuro. acordavas chorando? como acordavas comigo. chorava. eu metia. fazia passar. não finja, ela terminava o cigarro, não finja que se arrepende. era verdade, não. não mesmo. não ia recair-me por umas lembranças sombrias. já sabia demais. chegamos ao portal. a luz, finalmente. ela correu a retocar a maquiagem. o batom vinho brilhava agora. estou linda? língua. entra e seja. você. toda. outra. para isso, lhe chamei. brindamos.

fevereiro 19, 2013

parabéns, amor

deu vontade de dizer qualquer breguice para você
de te levar nos meus braços nuns resquícios de sonho
e adormecer tranquilo em verde-vivo - que nosso amor se faz de olho fechado
me faz lembrar você a cor viva-morta dos seus próprios olhos
que não são nada mais que você: e me basta de amar.
e basta ao mundo, segregado e segredado, sua presença onírica
de canto maníaca pulo cômico de manhã lacônico
faz girá-lo numa retórica apaixonada: nada peixe, nada.
e se pudesse, amor meu, entrar nos seus pesadelos para extirpar
monstros, inimigos e vocês nos espelhos distorcidos
te dizer, ai príncipe, você é mesmo bonito
e esta velha que te ama, se quiser: fica pra sempre.

(vou fazer um filme de nós dois
não sei se cult hype ou documentário
dois corpos riem na sala acesa
a vizinhança é burra e ás vezes louca
você vai ser a lindsay meio regina george
aspirina, choro e série de televisão
a tela do seu leptop pisca
dormimos. dormimos.)