maio 27, 2012

você merece longas cartas de amor

desculpa, não sei escrever cartas de amor. você merece longas cartas de amor. e tudo o que eu não sei. faria da minha vida um exercício de escrever cartas de amor. de me dedicar exclusivamente ao amor pelo outro. faria da minha vida obra de arte por você. nada mais importa. e a gente se esfarela se importando com todo o resto. eu não sei mais o que vai me restar depois de tudo isso acabar. um pouco de frustração, um pouco de. eu ando me esforçando para lhe escrever: mas é difícil feito. corda bamba, o tempo inteiro. corda bamba e eu mal equilibrista. ao hino dos perdedores: quando se descobrir mal equilibrista. é que me sinto muito pesada para andar nessa corda mal esticada. tudo meio, tudo mal. e tudo que eu esperava era um pouco de. um pouco de alegria, talvez, estupidez. um pouco de estupidez, talvez. estupidez para ser estúpida sem ter que lhe encarar com essa cara de entupida. é impossível quebrar o espelho. tudo está sendo refletido do jeito que caminha: que coisa louca, preservar o devir. o reflexo mal recortado e tremendo como se fosse debaixo d'água e a gente aqui achando que é tudo feito de terra e solidez. se fosse possível assumir a fluidez e o erro em tudo. se fosse possível não ser certeza. e se não fosse, sobretudo. condenável. açoitem-me porque mal sei do que falo. mal, meio. se peco em estar sempre no meio, se peco por abaixar a cabeça. e as cartas de amor vão ficando para trás. e as cartas de amor não vão ser mais escritas. as cartas de amor já não fazem mais sentidos. se tudo tem há de ser tão fixo. se eu pudesse escrever uma carta de amor sempre reescrevendo. se eu pudesse apagá-la e recomeça-la, riscá-la e de mil páginas nunca terminada, se você gostasse assim. eu lhe daria uma carta de amor, se houvesse algum tempo que fosse. mas o tempo que eu preciso é a eternidade: não sei o que faço. empaco com prazos, com números de dias, números de horas. se a vida fosse só um tempo, um lugar, toda a vida, vivida de uma vez. mas dissimulada, se no limbo tento viver e acabo por nada fazer, então condenada. deuses me salvem. estou sendo condenada e enquanto isso dura e não pára jamais não estou te escrevendo minha carta de amor. e deuses me perdoem, mas a única pessoa que poderia me condenar é você.  

maio 18, 2012

gabriel

vida, essa velha de guerra. que bruta energia. tal eternidade louca e possível de ser finda a cada acaso mal calculado. de sortes a acasos, faz-se laços. essa maldita mania de misturar freud com astrologia. as três irmãs e suas tesouras a cortar o fio condutor da vida. vida! que vem e volta em avalanche. como será que é possível que. se foi escrito, se foi contado, se foi acontecido, não sei. um horizonte de. de, de! bem-vindo, gabriel. que coisa louca, bem-vindo! se antes ou depois. se você viesse ao mundo se ela ainda estivesse viva. tantos esses acompanhados de ses. tantas perguntas, estatísticas, possibilidades. o que aqui está, aqui está. e se tudo quando vem, não pode ser como antes imaginado. ai, gabriel. falar da sofia agora parece mais possível. como se ela estivesse em algum canto dos seus olhos - que ainda são cinzas. não sei o que mais pode ser: a vida se estica por onde não se vê. tudo é tão inesperado. que bom, novamente, tudo pode ser inesperado: o leque se abriu novamente. posso, agora, deixar de só viver minha vida ínfima e pequeninha, monótona, de problemas líquidos, posso viver também a sua vida, cheia de grandes possibilidades, cheia de enormidades, de solicitudes e solidez. e posso viver a memória com menos pesar, menos tristeza, posso de você extrair a memória sem culpa de. gabriel, que pequena bença. tão pequenininho e tão cheio de. sofia, de amor, gabriel. mariana. bem vindos. fico feliz de tê-los aqui, tão presentes.

maio 06, 2012

histéricas, graças a deus

histéricas, essas mulheres. diagnosticadas, histéricas, andam cabisbaixas, languidas sensuais e invejosas, rastejam, serpentes, já mitificadas. gritam, descabeladas. por que gritam? por que ardem? parecem que estão sendo apedrejadas. sentem-se como joana d'arc, infâmia, queimadas, que bobagem, mulheres que bobagem, acalmem-se - de uma vez - calem-se. calar-me? como hei de me calar se calada vivo a vida? se maior que o grito é o silêncio. silêncio, essa gosma nojenta que por tudo corre, por cada rua se embrenha, silêncio. dos templos religiosos e sussurros às ruas vazias e frias. essa cola, essa aparência. se na rua escura me escondo no escuro - o escuro da noite também é o escuro que me cobre. se me cubro e quando não me cubro, vadia! se meu olhar é sempre receoso, de soslaio. se tenho que resguardar qualquer indício de desejo, ou aparência de. se não. ah, se não. e o olhar do outro, sempre descaradamente invasor. invejo os homens que são corajosos, corajosos de olhar com as mãos e com os pés com a língua cavernosa e o pinto escroto o peito a perna o olho a nuca a boca a bunda. que gente vivida, que gente alegre! que gente coletiva. meu corpo não é privado - não senhores - tornaram-no público, cortam os pedaços, vendem barato, um sorriso, um favor, um pedido, um choro, ou nada disso. que alegria, veja só: gente generosa, dai meu corpo, não é meu, vosso corpo, pode adentrar, sinta-se à vontade. e digo e bato no peito aflita, essa ironia, meu corpo privado não deve ser trancado! se meu corpo não é morada de Deus (meu senhor, aqui mora minha alma, minha sim), se com ele eu vou a pé, o mundo eu percorro, se assim eu queira, meu corpo de quem quer que seja meu também. que meu corpo não é ambulante, junto dele venho junto. mas não. é que dia sim dia não, não. de pouco em pouco, a violência toma tudo: venho me sentindo arranhada, estuprada, degolada. ser violentada é somente uma questão de viver, de estar neste mundo. violentada pelo objeto vivo e plástico violentada pelo estupro capitalista violentada na piada. se há resistência, mulheres histéricas, mas não de fróide, se há resiliência, deturpada e condenada resistência. se louca sigo digo danço e dou, se você, estúpido animal, acredita que perdi pelo meu corpo o respeito, pelo amor às tradições, que jogo o jogo sem consequência, um pouco de. um pouco de, o mínimo de. por favor. faça um mero favor de olhar mais a fundo: e se peço, quando peço, privacidade, e se digo, quando digo, desrespeito, acredita. histérica é o meu cu. histeria devia chamar toda essa história imunda: esse século de repressão amenizada com vitórias ilusórias. a violência anda tão trêmula, tão dissimulada, mas anda na mesma. não existem vitórias, minhas queridas, se não existe de fato. de fato! de fato, o que tenho é o temor. temor de viver, de sair, de usar. temor de ser. de ter que dissimular, ser macha ou menininha, de ter que. é preciso causar escândalos, não venham com sim ou não, é preciso escancarar, é preciso fazer chorar. chorar milhares que fazem-nos chorar dia sim dia não. chorar aqueles, que lá estão, longe de ser violentados. que na rua, mal pisam. por isso não sentem essa dor física, o cascalho acimentado como se mil sapatos não bastassem. andamos descalças pela rua suja, e se um vidro se interpela no caminho, gritamos. e se cala este grito, fascista. é preciso dar nome aos bois, fascistas. quando sangra é quando percebemos - também andamos loucas vivendo a vida que não respira jamais respira - e então freud, histeria. inveja de falo o caralho. falo torto, dolorido e constante. histéricas, eles dizem. morada do pecado, serpentes. feministinhas de esquina. vadias, loucas. cansadas, cansadas demais. se a histeria chegou é porque chegou pela exaustão. o limite foi atravessado, a tênue linha de sei lá o quê. o corpo dói, esmagadas, esmiuçadas, sentindo-se tão pequenininhas. essa discrepância física que não nos contempla. ai de vocês se ela fosse medida pelo ódio de dentro. Deus sabe o que faz: para mantê-los no poder nos fez tão atarracadas, inutilizadas, qualquer dois braços nos seguram. moradoras do pecado pequenas, façam karatê pra se defender. queria não me defender, babaca, queria só andar, não seria muito bom só andar, só andar, você sabe, babaca, como é? eu não sei. eu nunca sei. andar é um sacrifício, um passo calculado, estratégia para. para não se foder, se foder mais. o temor mata mais que o fato. o terror está em nós. histéricas, sim. graças a deus.