agosto 28, 2012

roda pião

que te fez perder, menino, a curiosidade de subir na ponta dos pés pra olhar o muro do vizinho? e antes de inveja e de cobiça ou de mal trato do gato, olhou pelo buraco só para olhar como é que se vivia do outro lado? que te fez perder, menino, a vontade de cavar um buraco, grande o bastante para que pudesse percorrer por onde a terra infinda ia - e ela vai vai vai até não se acabar - apenas para no respiro do ar, poder olhar, com seus próprios olhos, como é que a vida alheia ia?
a vida era tão grande, então, tão azul e cheia de. louca de detalhes e incompreensões. e tudo que te, resta, menino, nessa altura da vida que se diz homem: (pelas estatísticas do ibge, diz que sou) tudo que te resta são suas certezas pequenas. tão mais fácil, homem de deus, encher-se de boas e poucas verdades que te interessas e te sustentam, de certezas dóceis a seu umbigo frágil, de pilares de mármores que na terra não se enterram. e que de tantas pequenas certezas, sabido, acumulando jornais e abas interativas, lendo pela metade os anunciados vai-se indo enchendo na boca toda a eloquência do teu tempo morto. e da boca rota saem sem distinção os ataques à palestina e os classificados as estatísticas e o valor do carro importado (quando pago de imposto de renda é quilomêtrico, vai daqui até) já não sabe mais dizer o nome dos lugares geográficos.
dessa boca, menino, tudo virou chinês, chinelo virou bandido, gritinho virou viado, gostosa é de comer (virgem é pra casar). e tudo vem vindo junto de adjetivo, e tudo vem vindo de cusparada, o discurso fálico na ponta da língua: vizinho, grandes merdas. perdeu de tudo a força menino, de andar pisar percorrer, já não importa, tudo é pronto: sim/não/sim/não. homem pronto a ponto de bala vai disparar fagulha pelo mundo solto, roda pião roda pião, queima tudo queima tudo que há na sua volta: queima a filha, queima a avó, queima do outro lado do universo um outro que não se sabe, me queima toda. e do outro: sempre se sabe, sempre acha-se que sabe, que no lugar dele está, mas que no seu reino pútrido tudo se desencaixa e desarmonia! maestro, arruma essa troça, coloca a baderneira na jaula, limpa essa imundice. mastro, marcha, marcha na frente desses próprio coitados, porcos rosados que só sabem ronronar músicas infames, feitas de lá e cá, maestro, meu bom Senhor, voltai! e arrumai a terra lugar de infernos. arrumai para mim um bairro límpido uma casa confortável arrumai para mim vaga na universidade arrumai para mim profissão liberal statos quo muito dinheiro para consumir/produzir produzir cultura, cultura para o alto e avante! além. para mim, diz o menino batendo punho no chão, a ramela da manhã ainda se vê - mamãe, limpa, limpa - para mim e mais ninguém, para mim, que sou triste mas que mereço o mundo todo, mamãe, me limpa, ando cagado de medo. que o homem a dura penas aprende que: aprende que por mérito merece o céu todo que lhe prometeram, o céu todo tão grande e azulado, que a minha língua lasciva sempre quis lamber. e por todas as terras desse mundo - explodam! - se me prometem um céu todo meu, explodam! e voam pelos ares pedaços de. mas deixem em paz os cachorrinhos, deixem em paz os gatinhos, deixem aqui no meu ninho, ajuda eles, por favor. que o ser humano é ruim, o ser humano é mal.

agosto 20, 2012

a menina acrobata

a menina poeta. fazia poesia com o corpo. corpo sólido e só, morno, de toda uma cor. cor de nada: era filha de português com índio, vô alemão, vó africana. de áfrica ela falava de cor sei uns dialetos. diletante, andava nas pontas dos pés. apesar de sorrir, era triste quando podia. quando podia, porque há de ter tempo para ser triste. quando triste e quando alegre, se pendurava. como pêndulo, balançava. balanceava os corrimões, os postes, tudo que era possível trepar. de trepa-trepa desde menina brincava. brincava sorrindo sozinha no banho, fazia alegoria. alegrava a cor daquele buraco que se metia. mexia e remexia o corpo todo elástico de um lado a outro. doutro lado era sóbria, mas lá, era leve. leviana, virava o corpo e desvirava de novo. de novo, de novo, de novo, aplaudia a plateia soberba. sobrepujavam, pulavam, ululavam. de honolulu, a menina dançava de um jeito típico. se típico ou não, também o banzo que sentia. sentia e sofria saudade que não entendia. desentendia de enfiar os pés debaixo da terra. terra roxa deste país, lamentava. lembrava lambendo os beiços: que óbvia. de obviedades dessa órbita estava cheia. cheia, dançava acrobacia enfadonha e cansativa. cansava a plateia fascista, que de pouco a pouco foi-se indo. ia ia sem voltar. e a menina triste dançava com seu jeito lúgubre. lúdica nunca mais o fora. lúcida, dizia baixinho, fiquei, de repente. repentinamente, decidiu. decidida, na ponta do pé de bailarina que nunca o fora, pendurou-se a fim de morrer. morreu estendida. estendeu o espetáculo aonde podia: toda a avenida parou. parou no ar antes de cair, o corpo quase refutou. mas o que está decidido pela alma, está. e caiu sem baque no chão.

impossibilidade

o nosso amor é
impossível
porque eu sou
homem
e você é
mulher

meu falo,
amor
uma bandeira
- lua conquistada
tremula

tua cona,
toda fofa
minha bandeira
tremula
tremula 
tremula

e espicha.

que distância!
essa entre
sobre aquilo
que não entra

agosto 15, 2012

triste

nessa ladainha essa roda viva, triste condição do ser.
triste condição de ter de ser.
triste triste de te ver ao longe, horizonte perdido, assim, assim. 
fazer beicinho e falar amor.
e nessa giraia a gente roda vira vira vira vira home. 
e nessa giraia a gente cai se despedaça se esfarela.
triste olhar do ser que olha.
e toda essa mesquinhez que se engrena.
passa graxa passa lama lubrifica lubrifica que é pra doer menos.
dói dói passar os dias, passo os dias sem você.
lubrifica meu bem querer lubridia
petisca dessa nossa violência insensata
cega e burra, violência inventada
pra fazer valer o pouco - ah! que tédio.
e se comem e se fodem e se troçam roçam capotam
vive-se!
não vive-se. vai sendo triste vai sendo torto.
dói minha lombriga, minha lacuna, labirintite
dor de giro de gira-gira amor: muito pouco.
faz-me pouca, bem pouca, faz-me tosca.
vive-se sem lapidar bruta feito terra erodida
e essa triste condição de ser: erosão, erosão, erosão, erosão, erosão
pra se acabar em vão.