setembro 25, 2010

tem dó das moças

os ônibus não tem dó das moças, as despejam feito leito, vão deixando pelas ruas, tem dó das moças, motoristas, as leva para as portas, tem dó das moças, que vão andando no escuro, que vão encolhidas, tem dó das moças, ruas escuras por ondem pisam seus pés levianos, tem dó e sejam boas, e sejam descidas, e sejam bem iluminadas, tem dó das moças, luzes que não se acendem quando passam, tem dó das moças correndo sem jeito, com o coração decompassado, esquecidas e afogueadas, tem dó das moças, os homens que passam, tem dó das moças, os trabalhadores que assobiam, tem dó da moça que há muito nem ama, e que sente no íntimo um pouco de estima, quando sua voz herege se proclama alto na rua 'lá vai a gostosa, princesa, vem, meu bem', tem dó das moças que espicham com os rabos de olho, de canto, tem dó pra não chamá-las de vagabundas, tem dó das moças, nas rodas dos bares, nas esquinas dos motéis, tem dó das moças entre os amigos, tem dó de suas bucetas, de suas tetas, de seu sexo preguiçoso, tem dó da dor de cabeça, da fadiga de viver, e do não querer, tem dó das amantes amarguradas, tem dó, tem dó das esposas traídas, esperando os maridos cansadas, sabendo-se corneadas, tem dó da sua falta de coragem, tem dó do amor que ainda sentem apesar e tanto, tem dó das amantes que se divertem, tem dó daquelas que amam e choram por amores que nunca serão, tem dó das putas, ó mundo, tem dó de seu uso, de seu abuso, tem dó do corpo castigado, tem dó da unha mal feita e do cabelo mal pintado, tem dó das moças que se arrumam demais, e se descabelam nos ônibus, na vida, tem dó das moças que fedem no fim do dia porque não voltam nunca pra casa, tem dó das moças, filhos do mundo, chorando, pedindo, rastejando, lamentando, roubando e enchendo essas mães de vergonha, enchendo as mães de tédio, enchendo as mães de falta de vontade, tem dó das moças, estrupadores, tem dó do estrago que farão, tem dó das mãos que passam levianas, tem dó do mal uso do corpo que te quer bem, tem dó do mal uso d'alma dessas moças, tem dó do canto escuro que as encurralou, tem dó do grito que não escapa, tem dó do olho roxo, tem dó das moças, maridos trêbados e infelizes, tem dó da mão que bate com força contra o rosto imaculado, tem dó das moças que querem outras moças, deixe que queiram, tem dó das pedradas, tem dó dos pedidos sórdidos de vozes de testosteronas, tem dó das atrizes pornos, tem dó do silicone, tem dó dos homens que são moças também, tem dó, sociedade, de sua arma impune e hipócrita, sempre apontada presses olhos chorosos, tem dó, mundo, tem dó outras moças das moças, que olham as moças com um olhar cansado e não ajudam outras moças porque também a moça passou por tanta dor, tem dó do orgulho irracional, tem dó de não ajudar a mãe jovem, tem dó da avó rancorosa, tem dó da tia, tem dó das freiras, piedosas e impertinentes, tem dó das beatas, mesmo daquelas que pecam escondidas, tem dó, tem dó daquelas que são picadas, escondidas, sangradas, mortas, sepultadas, queimadas, tem dó, mulheres, da própria espécie que te encara na rua, e que é tão igual, e é tão moça, não passa reto, não pára de não olhar, não ignora assim, a indiferença tudo corrói, tem dó, ferrugem, de estragar esses sorrisos, tem dó, vida, de estragar essa alegria, tem dó dor, de parar a música e de interromper a dança, tem dó das moças que bebem no bar e que pedem esmola, e que fumam cigarro e que, desfiguradas, andam feito moleques, tem dó das moças que são animais, que são enjauladas, que são vendidas, tem dó das mocinhas, tem dó desse sangue todo, tem dó, olha pra ela, também é moça, também é mulher, também é menina, também é velha, dá na mão dela, não faz assim, não inveja a moça, não faz assim, todo sofrimento é válido, todo sofrimento é moça, e toda moça é mulher.

setembro 18, 2010

arredia

- você é tão bonita, mas é tão arredia.
ele pousou os olhos nela, os olhos muito nela, por um tempo se quedaram quietos. deixaram que se consumissem as palavras ditas, girando voláteis pelo ar que respiravam. ela resolveu quebrar o silêncio, pois o achava desconfortável.
- arredia como?
- arredia feito uma...
- uma égua selvagem?
ela ouviu uma risada sincera, esquiva, ricochetando nalguma parede por ali e voltando aos seus tímpanos um pouco desafinada e sádica. baixou os olhos, ainda incomodada, ouvindo o eco da risada e sentindo o estômago contorcer-se de aflição.
- olha pra mim.
ele levantou seu rosto e ela pôde olhar aqueles olhos dele, tão insistentes, tão leais. quiçá não fora sádica a risada, mas apenas risada, leve e solta, risada por rir e não ter mais o que dizer. ele aproximou-se dela, beijou sua bochecha, um pouco dos lábios, trêmulos lábios de medo, passou a mão pelos cabelos, um pouco dourados, um pouco desgastados pelas aguras da vida, colocou a mão no seu seio, ai, não, aí não, assim não. afastou a mão leviana e baixou o rosto novamente, em defensiva, porque não era possível dar o rosto sem dar o resto?
- você nunca fez isso?
- isso o quê?
esboçou uma risada sem jeito, tentando ser menina, embora já fosse muito mulher, tentando ser ingênua, tentando esquecer a solidão se assomava dentro de si. ele passou a mão pela virilha dela, de leve, quase um carinho, quase como pai, como irmão.
- não. eu nunca.
sorriu de novo, tentando não imaginar suas faces enrubescidas, os lábios tremendo ainda mais, controlando o impulso de sair correndo, controlando as lágrimas que desejavam saltar dos grandes olhos castanhos.
- por quê?
ele indagava sinceramente, mantinha suas mãos longe, aproximava mais o ouvido que os olhos agora, queria realmente ouvir, queria saber, e o que ela faria? teria de se explicar, o mais correto era se explicar, todas as justificativas acumuladas durantes esses anos.
- minha mãe morreu muito cedo, e só sobrou eu pra ajudar na casa. eu morava na roça. desde muito cedo, cozinhava, lavava, cuidava dos meus irmãos, do meu pai, que tinha uma tristeza enorme em viver.
- e na roça, não te amaram?
ela riu com força, uma risada chispada pelo nariz, meio égua, animalesca, dizer isso era quase uma anomalia, ele não entendia, talvez nunca tivesse ido à roça, não entendia, e pela primeira vez ela ia lhe explicar como é que a vida se portava, e como era irônica, e por isso era preciso que se risse diante de tais perguntas.
- não, eu estava sempre de aventais sujos, cheiro de comida e cândida, não há homem que goste de mulher assim. eu tomei o lugar da minha mãe, embora não fosse casada com meu pai, e por isso todos os homens tinham que me respeitar.
riu novamente diante da palavra utilizada, ai, palavras, tão mesquinhas para expressar a crueza dos fatos.
- quer dizer, eles passavam por mim, mal me olhavam, comiam a comida, também, quem ia olhar pra alguém que limpa o chão com a própria mão? não, as mulheres para se amar são outras, são mais livres. e depois tem que se trabalhar de sol a sol, não existe folga, nem final de semana, nem nada. é preciso trabalhar e só.
- e quando você chegou aqui, na cidade?
- eu tinha medo, muito medo. na minha cabeça tudo funcionava como lá, então se eu era faxineira, tinha que resignar ao modo de ser faxineira, quem é que ia me olhar com outros olhos? eu tinha que me proteger também, a gente ouve coisas quando vem de lá,
riu novamente, cada vez mais alto, cada vez mais égua.
- ouve coisas absurdas, dizem que é pra gente se preservar, que só tem gente malvada por aqui, pintam a cidade feito o inferno, e na verdade... tudo é um inferno, não é? são só os outros que vêem de fora, êta gente pequena.
ele passou a mão pelos cabelos dela, ajeitou atrás das orelhas. ele não falava nada, emudeceu diante de tanta confissão, talvez não tenha sido certo falar tudo isso assim, de uma vez, talvez ele não quisesse saber disso tudo, não sei.
- mas agora... você pode ter um pouco de céu, se quiser. tudo tem um pouco de céu, apesar de todo esse inferno.
ela voltou a baixar os olhos, ele pegara na sua mão, beijava ela, e suplicava, com aqueles olhos cheios de promessas, cheios de coisas, nunca vira olhos tão cheios em toda a sua vida, e tinha medo que seus olhos sejam vazios, sejam cheios de nada, e que ela não possa dar tudo que ele espera, que ela não mereça olhos tão completos assim, que é que se ia fazer com tudo isso?
- deixa, vai. deixa eu te mostrar o céu...
ele terminou a frase quase num delírio, e logo beijou seus ombros, com carinho, ia beijando assim, beijava os braços, as mãos, os ombros, ela sentia a saliva se espalhando, aqueles lábios, ora, também eram os lábios cheios de tanta coisa, e os dela, pareciam tão trêmulos, novos, ásperos, como ela podia também beijar daquele jeito? ele ia despindo a alcinha do vestido que usava, deixando cair de lado, e invadindo seus seios, e a outra mão segurava a cintura, e ela estática, assustada, que é que estava pra acontecer ali, o que é que ele ia fazer, parecia que ia me devorar, parecia que eu ia ser engulida por tudo aquilo, que eu ia sumir, ia sobrar mais nada de mim, ia ser só dele, e eu... eu que sempre fui tão eu, e eu que faço agora, e eu que sempre soube fazer o certo, agora aqui, não sabia fazer nada, e ele invadia com seus lábios, e invadia com as mãos, e ai, meu deus, invadia com aquela coisa, vinha invadindo assim, não podia ser, não podia mais conter, lágrimas desbruçavam de seus olhos, e aquela coisa que sentia, e o medo que crescia, não podia ser, nunca poderia,
- espera, espera! não, espera... só mais um pouco, não sai corendo, volta aqui... é sério tem um céu aí dentro, você precisa desse céu, merda, não vai embora, faltava só um pouco, merda, o que é que eu fiz de errado!

setembro 09, 2010

a minha menina

esse cara tá olhando minha menina a noite toda. de um jeito assim, descarado. como é que pode o sujeito olhar a menina dos outros desse jeito? eu claramente estava namorando com ela. ou... talvez não tão claramente. não sei realmente quantos beijos eu dei nela, nessa noite. ou nas nossas noites. de alguma maneira, casais acomodados terminam por acomodar os beijos. sobram-nos os selinhos. acaba que... o selinho, esta forma minimalista de começar uma relação tenha como fim a intimidade máxima de um casal. você sela em quem é intimo. e o que é selar? fechar, então? e se selar fosse celar, e se eu estivesse em cima dela, como a uma cela, e se eu estivesse cavalgando esta égua de longos cabelos cacheados, e se eu estivesse cavalgando por tanto tempo que eu não sentisse mais a cela, acomodado com o sentar sem nem dar conta do bom lombo que me sento?
porque do jeito que ele a olha, me parece que ela é um bom lombo. ele espichava aqueles olhos dele, uns olhos de uns cílios grandes e alongados, e não é que eu tinha certa implicancia com cílios grandes? sempre achei que fosse de gente que quer se meter em tudo, chegar antes que o próprio olho, que o próprio corpo. e não é incomodo essas cócegas que dá na bochecha da gente? se é. e aí, eu já não gostei do cara. mas parei para ver como ele reagia pela noite que se seguia.
ia percorrendo todo o corpo dela, passava como de leve pelo busto exposto, parecia saber que ali, perto do mamilo, existia uma pinta pequena, preta, bonita, que eu gostava de acariciar, parecia saber, porque olhava diretamenta para ela, não é que ele olhasse para os peitos da minha namorada, mas é que olhava direto na nossa intimidade, e isso me parecia pior. se concentrava bastante no sorriso dela, mas o sorriso dela era... era bonito? isso eu já não me lembrava. se para conquistá-la precisei dizer que aquele sorriso era bonito, tinham se perdido as palavras nos vãos da rotina. eram dentes brancos amontados delineados por lábios nem tão grossos nem tão finos. na real, não tinham nada de especial. nem mesmo os olhos, e ele se detinha pelos olhos também, eram pretos, arredondados, com cílios medianos pintados a rímel, olhos tão comuns, tão reais. eu não sei bem desse cara, veja bem, mas é que eu tenho apego ao surreal, tenho apego a grandes olhos azuis anis verdes, estatelados, tortos, gosto até de olhos estrábicos, incomuns, gosto de pensar em cortar estes olhos com navalhas, de beijar dentro dos olhos, de entrar dentro do muco, de sentar-me na íris dilatada. já não sabia se a íris da minha namorada dilatava-se. achava até olhos um pouco mortos, então, por que diabos ele se entretinha por aqueles olhos?
olhei um pouco mais minha namorada tentando descobrir porque tanta atração. é que devia haver um motivo. talvez ela o tenha agarrado no banheiro sujo, tentando realizar um feitiche de um sonho sujo, sabe-se lá, porque eu nunca quis transar com ela nesses banheiros, mesmo no começo, eu fiz de tudo para tudo ser limpo, eu fiz de tudo para tudo ser bonito e certo, de um jeito que eu gosto que seja. talvez ela o tenha agarrado, e ele tenha gostado, e por isso ele a olha assim. e é por isso que ele olha demais para a vagina dela, porque se lembra de quando colocou os dedos lá, porque minha menina gosta muito de ser masturbada, ela pede toda vez, feito menina de quinze anos, e viu que era quente, e que era molhado, e que era, da maneira dela, sujo. e ele com toda aquela barba e aquela pinta de bicho grilo, me parecia gostar dessa sujeira, dessa pronografia, desses feitiches rápidos. e por isso que ele a come com os olhos, porque quer comê-la novamente. mas por que querer comer minha menina? olhei novamente para ela, dançando pateticamente, levemente bêbada, como sempre em toda noite de convívio social que nos propusemos a ter para não cairmos em tédio e cansaço. ela mal sabia rebolar, ela mal sabia ter molejo, malemolência, talvez ela mal sabia fazer sexo. saber fazer ela fazia, porque qualquer um faz, é estar lá, estar aberta e deixar se entrar, e sabia me excitar, porque também, sou facilmente excitável, todo homem na minha idade é, é uma questão quase biológica, um pouco deturpada por tudo isso que se chama amor e se chama tesão, mas no fim é tudo feito para a pura procriação. e minha namorada tinha um jeito de fazer sexo que era um pouco procriação, e todos esses feitiches sujos necessitam de certa malícia, necessitam de certa safadeza assim, e para que se dure o desejo no cara, é preciso que seja ótimo, que seja fantástico, que seja inigualável. minha menina com toda certeza não era inigualável. eu mesmo poderia provar. então, não era bem isso. não era bem um encontro sujo. acho mesmo que minha menina não teria coragem de promover tal encontro sujo. ela acabou de me olhar com seus olhos um pouco caídos, um pouco mortos, mais mortos por estarem bêbados e de me dar um selinho íntimo, um pouco bêbado também, que acabou sendo no canto da boca, mais na pele que na boca, e eu acho mesmo que ela quer ficar do meu lado, que ela não iria assim, com qualquer um na minha frente, e a boca dela tá um pouco rachada também, áspera não sei. talvez ela me trairia, mas não aqui, agora. não com esse jeito um pouco apaixonado que ela carrega. e se ele ainda estivesse atraído pelo fato de ela ser apaixonante por muito se apaixonar, eu entenderia. ela tem um jeito manso de gostar dos outros, não é feita de explosões, é cordial e sensível, e se eu pedir para que ela se retire, ela vai, mas é como um bibelô, um ursinho de pelúcia na estante do meu quarto, eu não pediria para ela ir embora, eu até que gosto desse amor sereno, dormir de conchinha, café da manhã com direito a beijo na bochecha. é um amor que é só. não é bem lá um jeito de se gostar que a gente gosta de ver nos outros, desses sacrifícios amorosos, sacrilégios profanos, gente que se mata, gente que mata o outro, morre de ciúme, morre de amor, faz sexo loucamente e no dia seguinte tem crise. ela mal tem crise. é serena, um pouco bonita, simples. não vejo porque alguém gostar dela. não vejo porque alguém a olharia tanto assim. eu vou perguntar pra ele, eu vou chegar intimando, vou quebrar a garrafa e apontar no pescoço dele e dizer por que oce tá encarando minha mina? mentira, assim não vou, tampouco gosto de baixaria, vou chama-lo num canto, vou ser sincero, mas só não posso deixar que ele coma minha namorada com os olhos, e com os cílios intrometidos, e também, o que é que os outros vão pensar, que eu deixo que todo mundo olhe assim desse jeito assim para a minha namorada? e se ele for gente boa, vai que ele é, eu vou perguntar porquê, e se ele disser quero comer sua mina, aí sim vai ter briga, ou se ele disser eu comi a sua mina, aí sim... aí sim... eu mato os dois de uma vez e deixo um nu em cima do outro, que é pra matar a vontade desse amor. e num banheiro sujo mesmo, que é pra fazer vontade deles, a vontade suja dessa gente hipócrita. mal sei o que estou falando, estou um pouco bêbado também, escuta cara, que caralho que você não pára de olhar pra minha namorada?