maio 23, 2014

não é que eu não queira, ou não possa, mas escrever pressupõe algum abismo, e era tão escasso de abismo o que havia: ou eu sempre me iludi? acho que fui atingida por uma felicidade incólume mas que não se alastrou (não percorreu seu corpo e no meu sobreviveu pouco). tocou meu celular agora, mas eu o perdi. as coisas se perdem de mim de tempos em tempos (minha chave anda sumida) é sinal de mau agouros. volto a tocar aquela música. essa cidade tem me dado terrores, essa rua, bocejos. desde que tenho que fumar na sacada, ela tornou-se mais enjoativa (tudo está em seu lugar). de fugir num disco voador, meu amor. eu queria ir longe perto, qualquer com você. não sei o que aqui emperra. não sei se são os risos, as falações, o zumbido dos carros, os caminhos de ônibus, não sei, se é a distância da sua casa para a minha, não sei se é a cama pequena, eu esperaria muito botar a culpa tudo no mundo. mas ainda assim escrevo - é triste precisar escrever, repito - e entre as lacunas desse modo de encadear as orações (ave) você vai encontrar quantos subtextos quantas coisas que deixei ou quis dizer o oposto? quantas contradições no meu discurso e nos meus olhos? na minha língua ou na minha fala. eu gosto tanto de te lamber (impossível essa frase ter ficado lírica, me desculpa) de passear com a minha língua no seu corpo e no entanto não sei lhe falar. a palavra fere e sai descontrolada a percorrer caminhos invisíveis - eu tenho medo dos caminhos que a palavra desenha dentro de você. eu queria criar uma linguagem simples e pura e estática e sem modulações e nenhumazinha ambiguidade: eu gostaria, no fundo, que meus olhos ou meu corpo pudessem lhe dizer o quanto eu te amo. que seria a forma como eu encaixo minha perna na sua ou como eu passo os dedos rápido, leviana, quase sempre preguiçosa. me lembrei de uma frase da ana c não estou conseguindo explicar minha ternura, minha ternura, entende? não vou saber explicar ou falar do amor ou da saudades ou do ciúme, da melancolia ou do desespero. não estou conseguindo explicar, que 
em alguma língua é possível dizer com qual voz eu digo pra você acreditar? se eu desviar os olhos é amor se eu manter os olhos será amor, não me confunda. eu não sei lhe falar, não me deixe, etc. no fim é isso e último: e pela terra desse mundo, não me deixe, não me deixe criar algum qualquer abisminho, eu não quero escrever bonito, pra você.

mas é pra você mesma que eu escrevi não se  deixe enganar. 
ah veja bem, eu o reli publicado e encontrei uma série de desencontros, fiquei triste, eu não faço a mínima ideia de como falar e as frases se cutucam e criam monstros: eu não quis criar monstros, eu te amo. tudo é tão. eu queria lhe explicar racionalmente sobre a minha auto-boicote, falsa vaidade, de como me contradigo e digo, quando na verdade, o desejo é de escrever bonito, e eu não sei o que é abismo, mas assim eu lhe revelo os nós invisíveis, as coisas mágicas, soterro os buracos, mesmo os buracos das pegadas e não há mais razão a se escrever, você entende? eu não posso deixar tudo claro, eu não sei nada sobre a linguagem bruta, ela é feita de poucas palavras sempre, monossilábico e assertivo, como flechas, eu nunca gostei, como alvos, eu desvio, desvios. por último e em qualquer instância, não me leve a mal. tão a mal.