julho 26, 2011

barbatanas e etecetera

veja bem, eu tive um sonho com você, um sonho não, isso realmente aconteceu, mas não, eu estava em um forró, eu estar em um forró já me vem cheirando à sonho, mas te digo que estava, e não estava, enquanto no forró fingia que dançava (o corpo bambaleando sem acompanhar ritmo algum) eu pensava em você, e também em

é que eu não sei como me controlar, eu não sei, eu sinto assim, AVALANCHE, assim, vem e me sufoca e eu acho patético, são sentimentos tão patéticos, mas me afogam, eu não sei mais, como fugir pensar que eu não sou eu, escorpião meu amor

então, você chegava no forró, neste forró que eu estava, você chegava e era maravilhoso você chegar, eu esperei a noite inteira você chegar, você veio, feliz coincidência, você veio, eu abri o meu sorriso, eu me sentei ao seu lado, assim rápido, estava tudo roterizado: há milênios que te espero e você finalmente veio

eu te falo assim, astrologicamente, acho um pouco pobre, literalmente, mas não estou em questões de literatura, apenas de te dizer, de um jeito um pouco menos lúgubre, que não soe rouco, triste,

triste, me disseram há um tempo que sofia significava tristeza, triste, triste, eu não levei à sério, me recordei disso hoje enquanto fingia que dançava e te esperava, eu não dançava, pura mentira, apenas balançava meus pés, sem propósito algum

eu escrevo assim, estou sob influências malignas d'o jogo da amarelinha, sabe? céu, terra, céu, inferno, um, dois, três, não sei

triste, sofia não era triste, nem um pouco, que besteira, eu lhe disse, com um sorriso triste, triste de verdade, mas era um sorriso, apesar de tudo um sorriso e não caretas, e não lágrimas, na verdade sua partida é que nos deixou triste, deixou tudo mais triste, um pouco mais triste, não percebe como o mundo ficou cinza depois da sua partida?

eu devia estar escrevendo isso no word, ou não sei, por que publicar, talvez na esperança que você leia

você tem que me entender: antes eu era triste, eu sempre fora, mas nunca soube o porquê, eram diversos deles, eram tantos desgostos, e ela se foi, e eu fiquei triste, realmente triste, de um jeito que eu nunca mais vou voltar, nunca mais entende? mas mesmo assim eu posso ficar triste, de um outro jeito, triste por você, você tem me deixado triste, desculpa, mas eu tenho sentido isso: tris-te-za, não sei, com z esse z, faz toda diferença, vê? diferente de an-gús-tia nenhum z, nenhum zigue zague que faz o coração doer, não sente o coração doer?

e depois disso você me olhou nos meus olhos, ainda tocava forró, ou não, porque no sonho se escolhe trilha sonora (se escolhe?) e depois você me beijou, foi incrível, você se aproximou, senti o calor, o calor e eu sempre quis, que você se aproximasse assim, desse tanto, então era tanto, era tudo que eu

eu acordei, na verdade, em pleno forró, acordei, ainda magoada com as suas, ainda triste com a partida, ainda ma-go-a-da, goada, de afogada, de aguada, plena água, é tanta água, você entende? tá tudo interligado toda essa água, toda essa água, dentro de mim, rebuliço, redemoinho, aguaçero, eu não sei,

você me ensinaria a nadar, mas vocês se foram, todos, todos vocês se foram

e eu não tenho barbatanas, meu amor, eu não tenho
eu tenho uma cauda (dizem que há veneno) mas eu não sei usá-la (ainda) eu não sei




o bairro-fantasma

era, por assim dizer, um bairo de classe alta. as ruas arborizadas, as calçadas impecáveis - nenhuma erva daninha saía entre as rachaduras do cimento, porque também, não haviam rachaduras. e as árvores, envoltas em cercas, bem podadas; não haviam primaveras e trepadeiras por cima dos muros, pois estas se esparramam sem métrica e, tampouco, se permitem alguma regularidade. via-se muito as quaresmeiras, espécie regular que pelo nome já se sabe em que tempo dá flores. o que condizia com aquele bairro: democrático-liberal, mas acima de tudo, cristão. pairava a cruz de sua grande e antiga (mas reformada) igreja, como Deus olhando todos de cima. mas não se via cultos ou outras igrejas que praticam os berros. aquele era um bairro do silêncio, do pudor, da prudência. via-se lojas espelhadas, vitrines de bom gosto, chocolaterias de bom senso, padarias com garçonetes bem vestidas. e as casas todas bem arrumadas, muros de tijolo à vista, portões eletrônicos, todas do bom gosto clássico, reformadas para atender à demanada tecnológica do tempo presente. na rua se viam poucas pessoas, sendo eu uma delas. via-se os guardas, guardando as casas e lojas e prédios altos, sentados em cadeira, em pé, ou om cabines próprias, uniformizados, olhando feio para todo e qualquer pedreste; se é pedreste, é de se desconfiar. passavam pelas ruas os trabalhadores (assim o sabia pelas roupas que usavam), eu (que nada sou) e idosos. imagino que os idosos há muito já moravam naquele bairro, e conservavam suas velhas casas escondidas - quase decrépitas - orgulhosos de não terem vendido seus terrenos para os prédios que a tudo engoliam, orgulhosos de não terem ido morar, como outros colegas de época que se achavam espertos, nas periferias da cidade. no, entanto, só isso, e era pouco, para aquelas calçadas bem cuidadas, retas, era pouco. e por isso, não havia qualquer sinalização para pedestres, me deparei com uma larga avenida ao sol (nem árvores haviam ali), imensos empreendimentos comerciais, espelhando o espelho da modernidade, tive que andar 100 metros ou 100 km para achar uma mínima faixa de pedestre que desembocava em um comércio (ou uma rua que te levava para fora daquele bairro). e os velhos, não sei, corriam pelas ruas, para poder atravessá-las. e o que mais se contavam eram carros, carros de alto estilo, por assim dizer, arrisco palpitar que os palios e kas eram de jovens, jovens empreededores com futuro garantido. imagino que dali pouco anos, uma última vez que tivesse percorrido o bairro a pé, não haveria quem pisasse naquelas calçadas tão impecáveis: os idosos morriam, seus filhos os terrenos vendiam, e tudo que passasse pelas ruas impecavelmente asfaltadas, as máquinas-supremas (carros, isolando o contato da rua por suas rodas de borracha). e não haveria, naquele bairro, mínima coisa viva que se mexesse, tudo seria reta e forma gemétrica, calculada por uma métrica progressista, os caminhos levando à razão (jamais voltas idiotas, dois caminhos para chegar a um mesmo lugar, praças redondas que roubavam espaços importantes), as flores milimetricamente calculadas, regadas automaticamente, as garagens subterrâneas, tudo para que se evitasse pisar no chão. e os ônibus - imaginem! - não haveria por quê ter ônibus, já que não teriam aqueles que deles necessitassem, seria um bairro cristalizado, digamos, perfeito em sua abóboda celestial. quem sabe, a tecnologia nos trará realmente uma abóboda que pareça céu azul e sol tranquilo todos os dias, evitando a chuva que escorre pelas ruas impecáveis e as estraga, trazendo custos imensos à administração municipal, além do bem-estar de quem ali mora ou, melhor, trabalha. e o bairro arredondado será então perfeição, o melhor centro comercial do mundo, com seus cafés e lojas de veraneio, tudo para ser olhado e consumado, com o melhor do bom gosto clássico. trará as maravilhas modernas, e os espelhos dos prédios não cansarão de refleti-las mostrando ao mundo todo (o mundo que merece aquilo ver, especificamos) multiplicado o valor da comodidade bem gasta e enumerada. e as ruas permancerão desertas, e o outro lado, quem sabe, será caos e tormenta, mas não importa, isso realmente não importa.

julho 22, 2011

então vai

porque ela parava, séria, e olhava para o longe, porque isso e porque nada dizia, e deixava os braços pendendo ao lado do corpo, e mais nada, nenhuma carícia e mais nada, como se eu não existisse, como se noutro segundo não estávamos aos beijos? porque isso que não se podia, que eu preferia que ela bebesse e não parasse, e não pensasse, mas que tudo que eu falo responde com murmúrios ou começa desembestadamente a falar de coisas que não importam - eu só queria aquele corpo bem junto do meu só isso - porque nem ela estava ouvindo o que dizia, dizia aquilo para afastar, me afastar, afastar aquele silêncio de que é feito dois corpos quando se juntam e porque quando ela disse que tinha que ir embora eu não fiz questão de dizer fica, fica um pouco mais, comigo, fica eu te faço sorrir, fica, eu não quis dizer porque não sei se posso, se poderia fazê-la sorrir, se teria que conviver com aquela distância do olhar, como um quê de insatisfação daquilo que nem sequer começou, da descrença e da apatia, ou do não-sei, de tudo que me mina, me faz baixar a auto-estima, e eu, pobre de mim, que já a tenho pouca, que toquei nas suas mãos com as minhas tremendo que não tenho coragem de abrir os olhos quando a beijo, eu, pobre de mim, não poderia, então vai, vai e leva tudo isso, leva com você, já que é seu, já que insiste em dizer que é assim, que nasceu assim, vai e me deixa, me deixa a perguntar, sozinho, o que eu fiz de nós, se é que existe nós,

são os nós, querido, são os nós, aqui dentro, nós, nós no estômago, na veia cardíaca, na artéria, nós, que me impedem de respirar, nós, nós nos dedos, nós, são os nós, querido

julho 18, 2011

costurando

eu estou aqui - costurando. estou aqui, sozinha, te esperando. estou aqui, a linha e a agulha, na mão, aqui, sozinha. lembra-se de quando você me deixou aqui? lembra-se de me deixar aqui, a costurar? deu-me linhas, agulhas, uns novelos de lã. os novelos de lã espalharam-se pelo chão, embolaram-se. as linhas, mal sei, costuro sem nem ver. entrelaço uma a uma, sem saber, e o que tenho em mãos, são nós - só nós muito bem embolados e costurados uns noutros. nós que não podem ser desfeitos, jamais, nem pela fúria dos seus dedos. nem pelo aço das suas unhas, dos seus dentes. os nós sobreviverão, as linhas entrelaçadas aos meus dedos. fico a olhá-los - você se lembra dos meus dedos? - são finos, magros, brancos, feito uma vela de cera de sete dias. eles estão a queimar, lentamente, por todos esses sete anos, vão se finando, sem deixar rastros, se acabando entre as linhas que neles costuro. não são mais dedos, tampouco velas, por pouco são linhas, também são nós - e tampouco ganharam cor, a miscelânea de cores sóbrias que você me deu transformou-se em não-cor. tampouco sei o nome das cores, o nome das coisas. esqueci pouco a pouco, pois estive sozinha e sem quem falar. conversaria com as linhas, estas traiçoeiras linhas que me costuram, conversaria com as agulhas, estas amargas agulhas perversas que arrancam dos meus dedos sangue? deixou-me a costurar, e não deixou-me mais ninguém além da sua lembrança, e a sua lembrança, também desfeita, nem uma fotografia eu pude ter, o que eu tenho é uma certeza, ainda que vaga e consumida certeza, da sua volta, de que um dia você aparecerá para me doar o amor que me prometera. lembro-me que me falava de guerra e horrores que eu não podia ver, de coisas que eu não podia saber, tudo que eu deveria saber é o que fazer com aquelas linhas, aquelas agulhas, aqueles novelos, você disse, costure que eu volto logo. eu volto para te buscar. eu estou aqui - te esperando, costurando, eu continuo, costurando, pois não tenho mais nada. tenho medo de ter que costurar os braços e as pernas para esperar ver você de novo - e como você se parecerá? terá barba, brilho nos olhos, serão castanhos? virá sujo, virá nu? devo cobrir-lhe com esse nós que agora costuro? olho desesperada para eles, pois não te servem como roupa. choro compulsivamente pois não posso te ajudar. tenho medo de ter sido resignada somente a costurar e falhar também a isso. mas é que - me entenda - passo por grandes períodos de desmemória, de grandes brancos, vazios, e tudo que faço é costurar, por aí, costurar, sobre minha pele, indolor, sem enxergar, costurar. também não durmo, não durmo desde que você partiu. tenho medo de adormecer e você por aqui aparecer, e me encontrando assim, tão fina e pálida, adormecida, ache-me como morta, ou então, só por eu ter dormido - e não ter costurado e costurado - você vá se embora, decepcionado. já não me importo, já não sinto falta do sono, sinto um cansaço, dormente, nas pernas que formigam, nos dedos exaustos, nos olhos cheios de dor, mas tudo bem - tudo bem enquanto que eu costure e te espere, tudo bem. que eu tenha a esperança da sua volta, tudo bem, que quando voltar olhará para as linhas, e para o meu estado senil - ou só doentio - e ficará satisfeito de saber que te obedeci, que passei os dias todos costurando, sem trégua, costurando, eu aqui, costurando. é tudo que me resta, agora, é tudo que me restou desde que você partiu e é tudo que me é caro e por isso vivo e continuo, costurando, costurando, costurando.

julho 17, 2011

heartbroken

hei de expulsar, daqui
o meu medo de amar.

por isso te busco: te busco em cada olhar.

hey, i'm ready to be heartbroken.


julho 11, 2011

seis gatos e três cachoros

tinha seis gatos e três cachoros. cachoros assim com um r só, porque ela falava assim "meus cachorinhos", fazendo o r vibrar na língua. gostava de números exatos, como três e seis. por isso, quando a cachora ficou prenha, deu todos os filhotes. se ficasse com um, por mais chucochuco que eram os cachorinhos - rosinha, de olhinho fechado, se contorcendo igual uma minhoquinha - teria que adotar outro gato. e era bem certo que os gatos já reinavam ali. se a visitasse sem avisar, ia encontrar a velha mascando a própria língua, sentada no sofá carcomido, e em volta dela, os seis gatos - um em cima do encosto, outro no pé dela, outro na barriga, outro no braço, outro em cima da tevê, e outro no buraco do velho sofá - era tanto gato que mal se discernia a velha. quando chegasse, todos eles que fingem que dormem e ronronam só para não deixar a tv fazer ruído sozinha, iam abrir os olhos brilhantes, estáticos, viscosos. olhariam desconfiados, atinados, arrepiados. o preto logo ia mostrando os dentes, arranhando um r horrrível, mostrando as unhas afiadas. e ela batia três palmas, gritava em alemão e os gatos fugiam que nem mosca. num instante, e só havia a velha com aquele sorriso amarelo. até o preto fugia. e os cachoros, coitados, eram escárnio. tinha vez que eu achava que estavam ali para que os gatos pudessem maltrata-los. eles eram todos arranhados, meio sem pêlo. é que a velha deixava crescer as unhas dos gatos. e as pulgas comendo o couro dos cachoros. eles vinham andando, os três com aquele olhar de cachorro, que já é meio triste, vinham andando obedientes, como quem tem medo de pisar muito forte no chão. a velha chamava o cocker para subir no sofá e ficava fuxicando o pêlo do cachorro. dizia "são meus companheiros, todos eles." sorria. o cocker ronronava, assim como os gatos, de gratidão. fechava as pálpebras. "os cachoros gostam de mim, ah sim! gostam mesmo." e depois disso, ela o espantava e limpava, sem jeito, os pelos do sofá, que já era imundo. tinha um monte de bichos porque só assim podia-se viver. se tivesse paciência teria mais aquários, mais gaiolas, mais viveiros. a parede era entupida de um monte de coisa inútil, tapeçaria carcomida, quadro de uma árvore com flores roxas. "de quem é esse quadro?" ela balançava os beiços, ignorante. parecia que não gostava de memórias. era velha, mas sua casa tinha uma porção de coisas - como são as casas das velhas - mas umas coisas que pareciam simbolizar nada. tinha a foto de uns netos, da família, em porta-retratos empoeirados. mesmo as fotos pareciam não simbolizar nada. mesmo as violetas, quase sempre verdes, quase sempre floridas, não traziam qualquer sentimento. ela olhava, cansada, ao longe. a casa era pequena, mas ela sempre olhava longe. deve ter sido uma alemã loira, branca, mas os olhos não eram claros. eram qualquer coisa, qualquer cor, mas não eram claros, traziam dentro de si um escuro, um indefinido. eram pequenos. grandes eram as olheiras, marcadas, em volto do olho. quando se olhava para seus olhos, era mais para olhar aquelas olheiras, aquelas marcas profundas, os rasgos da velhice. os olhos se tornavam também um rasgo a mais, um rasgo de velhice. porque, de uma maneira ou outra, eles só podiam ser rachaduras, nostalgias, poços de memória. ela falava nada, deixava que as marcas falassem por si. tinha traços fortes, de alemã, uma boca grande e marcada. abria a boca para dar risada. sua risada era alta, esgarçada, cheia de rrrs estridentes; era latida, uivada. ela vinha, ás vezes, sem motivo, não porque era louca, mas porque não havia mais motivo para rir daquela maneira. porquê ria, eu não sei. talvez para espantar. espantar os outros, as moscas, o pó. o bolor que tomava conta de tudo. tudo era verde, cheirava à naftalina. e reclamava. reclamava tudo que não podia - era o que sabia, reclamava. ansiava, reclamava e dava ordens. mesmo sem ter para quem dar ordens, dava. comandava o pelotão deserdado dos seus filhos e dos seus netos. todos assentiam, cansados. alguns ainda se revoltavam. e ela gritava. gritava tanto que todos os objetos vibravam, objetos sem valor algum, quase explodiam. e por isso, tinha seis gatos e três cachoros, falava. o grito que desse, a risada que fosse, a louca que se tornasse o cocker ainda a olharia com olhos de piedade. e o gato preto ainda a vigiaria de noite, com os olhos brancos. e o siamês ainda passaria sua orelha na orelha dela. e à menor ordem que desse, eles obedeciam, sobressaltados. e somente à ela, obedeciam. aos outros, era o inferno. os netos pequenos sofreram mordidas, arranhadas, sustos. um filho que a importunava fora expulso quando ela mandou seu pelotão de animais dar um jeito dele. mandou assim, em alemão. e todos foram, treinados, cães e gatos contra o inimigo comum. o filho nunca mais voltara e ela e os bichos achavam isso bom. os outros filhos, agora, tinham medo dos bichos. e ela sorria, feliz. sorria porque os tinha, e porque eles a entendiam. ela falava em sua língua natal e eles ouviam, resignados, porque só isso podiam. e isso era amor, porque só isso podiam.