novembro 28, 2012

videoclipe

vou fazer um videoclipe dos anos oitenta da gente, vou por fusão e transposição, sobre nosso vestido de flor, vai ter flor até enjoar, vou por minha cara na sua, vou sujar nossa imagem, vou pixelizar para dizer, gente é feita de quadradinho, eu e você somos muitos quadradinhos juntinhos, cada quadradinho é um pedaço de alma, eu e você quadradinho, nossa alma a mesma bosta. vou por você pra ficar olhando e olhar pra você para olhar para mim e de mim chorar se não pude mas se você for eu fico, eu vou, eu vou, eu vou. a negativa da gente negativo nega não dá em sim, se você viver, eu vivo, se você voltar, eu volto. eu em você mais do que você em mim eu sigo em volta e dentro e te consumo em imagem essa vida é feita de pixels, menina, disse a tia gorda desdentada, cheirando a pastel azedo. a gente vive essa vida como se fosse fita magnética corrida e desenhada a gente vive unida dentro desse espaço tão pequeno película dezesseis milímetros esses buraquinhos são pra que, são pra respirar, são pra respirar, são pra respirar. mas nesse comprimido que eu me importei, tanto pixel pequeno junto e tanto sufoco nesse inteiro. retarda a vida com seu tempo largo e retarda os olhos chorosos de ver e embaralha o que era com o que tem sido. e vai falha falhando error o que era pra ser contínuo o que vinha vindo fluindo. é tanto pixel e tanta coisa é tão minúcia que não há, onde é que foi parar o buraquinho de respirar, onde é que tá você nisso tudo aqui delimitado pelas arestas de um quadrado onde te pus sentado onde foi que meu amor. eu e você e então ele fez do pixel poesia e eu não consigo eu não consigo, de que é que você é feito menino de que é que a sua alma come. se te agrada tanto grão sua alma é quadradinho quadradinho tão bem juntadinho que a alma se fez ilusão. 

novembro 20, 2012

a noitinha

joão, pare de andar de um lado pro outro assim desse jeito, vai acabar com toda a caixa de cigarro, vai acabar me botando na mesma aflição. é que ela disse que ia voltar à noitinha, ritinha. à noitinha, assustou-se a velha que bordava quieta. à noitinha joão, à noitinha pode ser qualquer hora. pode ser qualquer hora, ritinha, disse joão indo até a janela olhando pela fresta do vitral, mas não pode ser nove da noite, nove da noite, já é noite alta, ouve só. ouve o que, joão? nada, pensei que ela era, vinha com aquele passo miúdo arrastando o portão como se doesse. joão, meu filho, dê-me um cigarro, veja só, ela já chega, noitinha pra essa gente hoje em dia é tudo: até três da manhã é noitinha. que até três, ritinha, que até três, cê não sabe como é que tá a rua? um alvoroço danado, uma confusão, sei não. cof cof tossiu a velha olhando carrancuda pro cigarro aceso, que é, mãe? bufou a outra e foi andando fumar na janela. vice, joão, vá se deitar que eu fico aqui olhando pra ver se ela chega. você é vai dormir, ritinha, que eu te conheço bem, nem bem a chama desse cigarro apagar você ronca no sofá e além das contas - dormir vou eu, disse a velha largando as agulhas em cima da mesa, e se fosse eu joão ficava de olho nessa menina. ah mãe, pra puta que o pariu a senhora colocando coisa na cabeça do menino, a senhora sempre de implicância com a. tenho implicância porque pede, ritinha, porque a noitinha já foi e essa não é a primeira. você vai me desculpar, dona, mas é sim a primeira, e é por isso que meus nervos tão assim, tão aflorado, veja só, tô até suando, sente aqui. vice, mãe, larga a testa do menino que tu tá ai medindo a temperatura do corpo dele tempo demais. mas vai vai tomar no cu essa doida filhadaputa pensa que pode mandar em mim pensa que eu sou o que pensa que não sei minha idade ela é que devia e foi se abaixando a voz conforme a velha ia embora as chinelas batendo no chão flap flap flap você tem que tomar cuidado com a mãe, joão, ela não bate bem da cabeça. não me importa sua mãe, ritinha, e você devia é prestar mais atenção nela, dar-lhe um desconto, a velha só é sozinha escute bem, joão, ritinha lhe apontava o dedo na cara perto tão de repente, se uma coisa eu sei é como essa velha é ruim e de como ela gosta na verdade. gosta do que, ritinha? ritinha olhou os olhos fundos de joão passou o braço entorno da cintura e lhe sorriu, nada não, filho, nada não. ah ritinha, tu fica me distraindo com pouca besteira, e agora já vai indo o ponteiro chegando nas nove e meia cadê essa menina meu bom deus, cadê. ih, joão eu vo é faze um chazinho pra ve se tu para quieto um pouco. eu não quero ritinha, não quero nada, tu tá tão calma que me estranho, devia é ficar mais atenta, demonstrar que se importa um pouco oshi explodiu ritinha e eu não me importo? é comida luz e moradia paga pra essa menina é todo dia, aguentar o passo dela pela casa, plápláplá, é todo dia, mas meu santo deus, é uma vez que a menina lhe atrasa deixa um pouco ela também respirar. respirar, ritinha que é que você tá querendo dizer com isso ein que insinuações são essas vocês andaram conversando conspirando contra mim foi. foi nada, joão, foi nada, ih esquece, esquece o que eu disse e foda-se o chazinho que fique você ai sozinho esperando a dita. ai não ritinha fica aqui pediu joão repentinamente dengoso, fica aqui, vou ficar tão aflito essa noite cada vez mais escura eu só não sei que fazer com essa linha de telefone cortada nada a gente fica nesse fim de mundo. sei como é joão tá difícil pega na minha mão, vem, mês que vem vai vir um dinheirin bom pra pagar esse telefone, joão, a gente vai e se ela começar a ajudar né botar dinheiro em casa seria bom também. ai ritinha você não me venha com essas, indiretas, ritinha não me venha, eu disse que ia sustentá-la pro pai e vou até o fim, eu juro, não aceito um tostão suado dessa menina. pois é joão pois é ritinha largara a mão acariciando pois é não aceite mas também coloque o dobro de dinheiro pra gente ter o mínimo a porra do telefone pra não te aguentar carrancudo insuportável fumando tudo e fulminando o resto caralho! oxi, ritinha, me perdoe, volte aqui, me perdoe, ritinha não se vá, vem ritinha, não, ritinha, desculpe fico estressado quando falam disso, é que ela é minha garotinha, eu tenho que cuida direitinho dela sabe como é ritinha e joão encostava o nariz a boca as mãos no corpo dengoso e fofucho de ritinha e ela se fazia desentendida sabe como é ritinha, sabe não, então joão, disse ritinha se virando quase aflita as pernas arriando, vem cá vem vamo aproveita, posso não ritinha, vem joão enquanto a nega não volta, posso não e se ela chega, ela nem percebe joão ali na cozinha como antigamente, ai ritinha, faz tanto tempo joão, vice que saudade eu tava disso aqui, deixa ele quieto ritinha, ritinha dava risada igual um cavalo que relincha, eu deixo joão mas é que o bicho tá duro que só ele, ritinha você sabe que você é minha, diz joão, diz, ritinha não posso e a menina, eu tô preocupado, e se ela morreu, e se ela foi, alguma coisa séria, ritinha tu não tá preocupada? ai caralho, joão, eu to preocupada com a porra do teu caralho, então você não quer ela não quer eu dentro da sua casa você só quer isso ritinha, só isso, sua putinha, ai joão, que é que há, você sabe que você é meu amorzinho, faz tantos anos já, eu não consigo, não, ai ritinha prestenção que eu vou me embora. vai não, disse ela sorrindo. 

novembro 17, 2012

é o bastante

já é aniversário de joão e faz um ano que me peguei sentindo ciúme de você. faz quatro dias que fiz vinte e dois anos mas isso não me vem. um ano daquilo você me olhou perguntou se eu tava bem. tudo bem tudo e você-retina-angulada. faz quase exatamente quiçá quatro meses desde que eu te olhei e disse tremendo o que não sabia direito. um pouco mais desde que minha boca tem gosto de tabaco. faz quatro anos que eu te beijava porque você tinha esse gosto. faz alguns anos que vim te procurando. faz não sei quanto tempo a última vez que eu te vi eu já não lembro. qualquer cena de praia em filme adolescente eu lembro. me beija um-mergulho-quem-sabe. faltam quatro dias pra eu voltar pra lá. estranho jeito de contar de trás-para-frente. talvez seja prenuncio da saudade. é melhor que recomece para que te veja bem. já estou aqui há dez dias. dez-dias-inteiros-e-você. dentro dessa tela vejo o outro que reage a mim. mas o tecnicismo não é tudo meu amor. não é tudo meu-amor. faz dois anos e quatro meses quase cinco desde que você se foi. é lembrar todo dia um buraco ás vezes eu queria lhe dizer que meu olho é contaminado pela falta dela. eu tremi a voz ao lhe dizer mas não vou dizer. passa-adiante-esse-filme que me lasca. faz seis meses exatamente hoje e o céu azul me afirma. faz seis meses que você nasceu gordo e manto-de-amor. um mantra de amor de presente para você. tenho lhe dado a minha voz desde que eu não sei contabilizar quando é que eu comecei a te amar no momento que te vi parado no ponto de ônibus. e teve aquele dia que ele me disse o sorriso dela é engraçado. e o da outra é triste. sorri ela disse passando adiante a erva. fiz café quente há vinte minutos gostaria de uma xícara por-favor. preciso de duas horas para dormir outras duas para escrever. é o bastante para lhe querer. 

novembro 08, 2012

as turista

a turista de branco sorria, o chapéu de palha de lado, o coco gelado, o canudo amarelo. a turista de branco diviníssima entrava e saía, comprava e mandava, buscava negrinhos. a turista de branco morreu, de morte morrida, assassinada na vala, o coco entortado, o rayban roubado.
a turista camaleão sabendo, fez-se de safari, e no meio da gente nordestina, pôs-se a ser massa. comprou gloss rosa de esquina, estampa florida de quinta, sandália de nove e noventa da cristina. quebrou o cartão de crédito e no meio dos peitos bufantes guardava escondida as notas azuis sujinhas, sujadas de tinta. 
a turista camaleão inventou sotaque e colorido, inventou nome e sobrenome, inventou saber fazer o inhame, inventou caruaru no sangue. e de noite noitinha, na pousada miúda, ria fumando para ter dente de tártaro, da turista de branco, uma vagaba ex-amiga.
empanturrou-se de pitu, deu a dar-se o corpo de madama, ficou conhecida de arruda à pina e fazia coro junto das menina: era exploração sexual, usuária não usual, inventou a política do pau.
a turista de branco tudo via do trono celestial, aristocracia bestial, hotel cinco estrelas coisa e tal, anel de pedra rubra e corpete cor carmim, ria-se divertida: virou pobre, a vadia.

novembro 05, 2012

louva corpos

eram corpos louvados, benzuntados por deus, faziam sexo de graça sem porquê, a céu aberto e céu dourado que era o céu daquelas tardes, tardes infernais de primaveras ilícitas, que cantavam entre lá e cá, uma ou duas maritacas mal extintas. e quando o céu descia violáceo, que era essa a cor das tardes que caíam, e os meus óculos de sol retrospectivos viam, a tudo meio amarronzado, como se dois corpos se forcando pudessem ser dois corpos se putrificando, se deles o suor etéreo e de sumo mágico, que é o que chamam os deuses, que é pelo que as ninfas louvam, para mim tinha cheiro de ocre e de mofo, era verde, então, verde meu vale, verde meu vale fundo escuro de louro: era verde meu vale e ninguém quis. me afundei na minha própria selva de pelos crespos e procurei com os dedos o tesouro perdido, o tesouro descontente que desencontraram os membros deles, e eu, nada achei, tamanha era a procura e a sede, eu levantei, sem antes não olhar projetada minha imagem, minha imagem patética, que nua como um pãozinho desforme, contei as gordurinhas das minhas costas, de um jeito solitário como se no fundo a música que eu ouvisse não fosse os gemidos descompassados dos outros que não dormiam. e levantei indecisa andando pelos corredores, que pareciam escorregadios como feitos de sêmen, e passei a lambê-los com certa insistência, tentando sentir o gosto que você fazia questão de dizer que era delicioso, tentando ser uva também nesse picolé, mas de recalque a tinta barata da parede se descascou e do triste vão que se abria eu via: por detrás das portas eles ainda fornicavam e a cama era branca e alaranjada, e eu, branca envernizada, corri a buscar águas, fumar cigarros, comer troços. voltei empanturrada de nada e os dois corpos empanturrados de corpos, cheios inteiros até os pescoços de grossuras e órgãos e dessas coisas absolutas, e eu que tão só relativa, me deitei que ainda em mim sentia leve o ressoar da deusa marinha, que na minha vagina soprava o ar salgado que fazia-me abrir as ventanas e a boca em formato de o e os olhinhos revirados faziam estralar e eu então deitei-me a fim de que a deusa virasse monstra e o ar tormenta e um pouco de dor, também, que sem dor não existe recompensa. mas de tanto não fui notada, o corpo era também peça escorraçada, já não sei o que contava, se o relato cíclico se tornava, era o que me acontecia, ele a acariciava e eu em loucura branca me comportava mas era azul, multicolorido, múltiplo demais para minha retina duas cores, bastonetes drogados de ópio, de tristeza preta-e-branca. e eu que não sou ninfa e não sou bonita, e eu que olhei atenta pros meus peitinhos e eles olhavam estrábicos pro teto e você com seu corpo lúgubre encostou sem querer e os esmagou no lençol que fez ranhuras dos meus mamilos amassados. os meus mami amassadi. nhos. eu quis ser chorosa e ser gordinha dizer, olhai, faço com carinho o meu dengo é de, é de, é devagarzinho. e eu que não mais quis o meu corpo que é torto e farto e eu que olhei para ela, que linda, admirei-me, parecia estrela, novela, atriz, parecia brigitte bardot, parecia camila pitanga do pará, parecia mulher de curvas, brasileira de fogo, e eu que quando escrevo uma coceira me dá: você é a minha musa, menininha, mas dói mais ele. que não olha, não troça, não rola, não capota. e do escuro íntimo do quarto molhado do escuro escroto que estava metida até o pescoço em divagações nada sadias, coisas de suicida entristecido coisa e tal, que chatice, do escuro que era propício dos dedos ficarem se desmanchando nas genitálias alheias mas nunca a minha, do escuro que era propício jamais não olhar para meu corpo, que naquele antro parecia, corpo de um diabo implantado, corpo jamais quero ser visto, abri com os pés de sardinha em lata a janela que era minha, e a luz que cegou os olhos vastos da gente iluminada, que já o estava por dentro, e me deu alguma água, alguma trela, trégua, retaguarda, apito de guerra, de recolhida. e reclamaram as almas sadias e os ventos expansivos e a tarde tão bonita que se esvaía e as maritacas tropicais que apitavam e a música sambabaca que batucavam e os beijos de amor com vapores de paixão e a beleza do corpo que se fez trepar e trepado e do coração esquentado e a felicidade esmoreceu. e eu, que pequena e escurinha de pé sujo e alma encardida, e eu, não fiquei alegre, tampouco triste, mas respirei, dum ar que não era só sexo e retidão: era também ar do mundo que é cor de tijolo que é concreto que é mal descascado e que não é beleza e que não é saciado o mundo que anda sempre batendo punheta porque não tem quem lhe agrade lhe dê beijinho lamber o saco que sempre é escurraçado que sozinho vive e vê pornô de quinta o mundo que é subjugado porque é mesmo rejeitado o mundo todo que é assim - só-vocês-são-felizes. recolhi a língua sapeca de criança e saí correndo dos altos do meu um metro de altura, os cabelos batendo na bunda, a calcinha mal caída e os mamilos redondos no peito liso, corri pra brincar de mangueira se-não-me-quer-mal-me-quer, e uma ducha de água fria salva tudo, mulher feia e mulher bonita.