dezembro 25, 2011
joana e a cavala
dezembro 21, 2011
joana, um rato morto
dezembro 13, 2011
joana
dezembro 04, 2011
na casa de ferreiro
novembro 14, 2011
outros
A coletividade virou cafona. Para salvar o meio ambiente, use sacolas de pano. Desgastada, porque empatou. Intervenções daqui e acolá. A coletividade não ilude mais ninguém, é melhor lutar por si, no seu quadrado.
Na era das expansões, nos fechamos em quadrados. O espaço já não nos detém. O tempo é contado a vira-gotas: depois de um segundo passado, o mundo já é mudado. Adeus, barreiras geográficas. O quadrado das barreiras sociais. Parece ser impossível passar ao outro lado.
Dentro do seu espaço-tempo primordial: uns amigos de quem gosto, pintar uma parede de verde-água, do positivo para o negativo. Um suco vegetariano para comemorar depois. Mudamos o mundo hoje, amigos. Sorrimos. Mil e uma visualizações no youtube. Sorrimos, dormimos em paz.
A geração das ações individuais: o máximo é um flash-mob engraçado. Por quê? Filhos da democracia assentada. Distantes de qualquer tempo: guerra/ditadura. A democracia nos deixou burros, burros demais. A democracia nos deixou cômodos, cômodos demais.
Não ultrapassarei as barreiras do sistema. Não desobedecerá às ordens judiciais. Se contentará em protestar dentro do que a lei, santa, permite. Sem maiores desdobramentos. O marginal inexiste. Os grafites estão em galerias. É preciso estar dentro, do mundo.
Não se vê aquilo que já pertence. Que já está ajustado às regras dos outros. Não é preciso ver. Engole-se com facilidade incrível. É tudo Nosso.
A individualidade paga com avanços mínimos, pulinhos de rã. Não sai do lugar. Ninguém ouvirá uma voz, sozinha. O mundo é vasto, o penhasco maior. Não há eco. Não há transmissão.
Propagação: de um para outro. Vamos celebrar a existência do OUTRO. Se o mundo fosse só você. Que merda seria. Eco. Não repetição, nem reiteração. Eco construtivo. Uma voz não pode ser única: tem de ser una.
A individualidade não nos deu poder. Não sei onde está. O nosso alcance vai até a parede branca do vizinho. Não será verde-água. A individualidade não nos levou à revoluções. Palavra distante, nostálgica: revolução. Radicalismo. Palavra mal-vista, mal-ouvida. Repito, para ganhar novo sentido. Precisamos de novos sentidos, construídos conjuntamente.
Apenas o abandono do velho, apenas o muro quebrado das regras sistematizadas. É preciso sair do quadrado para visualizar o mundo. É preciso sair do quadrado para ser visto pelo mundo. Se não, mais do mesmo. É um velho mundo, já acostumado com revoluções. Não pode mais ser de papel. É preciso ferro. É preciso cal e ácido sulfúrico.
Abandonar a noção de pertencer somente a si mesmo e daqueles que escolheu para ser sua patrulha: a noção de pertencimento a um ideal, a um novo mundo. Coletividade. Não só de sacolas de pano, abandono de um sistema que tem por base exploração. Por um outro que ainda não foi escrito. É preciso. Não mais se alimentar em velhas ideologias. Nem na ideologia que vigora, triunfante. Não ao triunfo. Sim aos perdedores, juntos. Eu, você e o outro. OUTROS. Coletividade. Resgatar a força poética da palavra. Refutar o indivíduo, pelo menos em crise. Pelo menos AGORA.
outubro 29, 2011
memo-amor
fome, para sentir o vazio. é engraçado: depois do estômago roncar, ele pára. e por longo tempo, hitato, sente-se nada. nem fome, nem nada.
isso explica tudo: de certa maneira, mais nada sinto. faz tempo que não como, amor. não como amor. o estômago ronca, e eu espicho, repentinamente desesperada. gato ouve ronronar de rato debaixo da escada. caça. mas tudo é ilusão.
eu não sinto mais nada. nem fome, nem vontade de comer. nada. vontade de. atropelada. digam que é auto-censura, não sei. meus mecanismos de defesa estão além de mim. já não sei, porque não sinto. e pouco penso. não me esforço. não mesmo. sou mimada. por mim, em mim. mima-me.
mas vem-me teu cheiro. amora. ai! é que a nostalgia ainda me apela. sinto-a correr pelos poros: saudade. eis amor que não largo. saudade aperta-me os braços, as pernas. sinto-me paraplégica. tetra. quatro de ti.
saudade, eis amor que não largo. me move em larga escala. por ela, sigo assim. saudade. e o receio de sentir saudade, é o que me segura. saudade.
por você, ainda vivo, aqui. e te procuro. gosto de lembrar: lembro do prato de comida que me recuso a comer. debaixo das minhas unhas, você. logo aí, debaixo das minhas unhas. tão sujo. tão puro.
memo-amor. se amo, é de memória. amo a mim, infortunamente. sou desgraça. se me odeio de pouco em pouco, de largo caminho, acabo por amar só aquilo que construo. eu. egoísta, de um jeito trágico. quem dera fosse egoísta como os outros falam. sofro.
egocêntrica, porque o mundo esteve em mim. aqui. vontades de criadora. besteira. acabo por não viver, apenas lembro. e se não vivo, é mentira. pura estupidez. sofro e sei porquê. continuo. masoquismo. continuo.
memo-amor, meu amor, me perdoe. sou assim, toda eu. não há mais nada aqui, embora pareça. sou nojenta. continuo. mas não me deixe. eu choro. de solidão, juro que choro. é idiota; contraditório. mas continuo. não sei viver de outra maneira. continuo a barrar a felicidade. continuo a. não sei. se fosse possível viver sozinha. não é, que graça teria?
gosto dos olhos, do cheiro, do líquido dos olhos, do cheiro, do tato, dos ossos, sentido. sentir a fome, fisicamente. preciso sentir. em ti, massa. real. concreta. continuo. auto-destrutiva, destruirei um mundo (o meu). e quem se aproximar. se aproxime, por favor. sou inofensiva, me sinto sozinha. juro. comigo, por favor, me toque. no estômago que parou de roncar, há muito. faz cócegas aqui onde não sinto, eu deixo, vem.
de algum jeito, me consome. quero sentir-me consumida. quero levar de ti a memória dos olhos líquidos. me martirizar com a saudade infinita. quero a infinitude do memo-amor. eu sou assim. é simples. gozo, choro. continuo.
outubro 13, 2011
carta de amor a Marguerite Duras
tenho que lhe dizer, hoje encontrando tantos livros seus na biblioteca municipal, tive vontade de chorar. juro por tudo que senti aquele comichão por detrás das bochechas, aquilo que não se sabe se é felicidade ou tristeza. lendo título por título (três exemplares de O Amante, três de A Dor, dois de Deslumbramento, dois de A Vida Material; diante de tais títulos poderia te descrever a sensação que é encontrar seus livros, prontos para serem lidos, a meu alcance) procurei, não sei bem o quê, pois poderia pegar tudo (e repetindo) de uma vez. vou-lher ser sincera: essa vontade quase ninfomaníaca é porque sou nova em te amar. achei, uma vez, numa barraca de livros, teu livro largado ao fundo. Dois Livros por Dez Reais, dizia o cartaz. eu recordava não sabia de onde de teu nome, e embora a capa da minha edição seja pouco atraente, levei.
eu não podia esperar que...! Ah. esse tipo de paixão, esse mesmo que eu tive com Hilda Hilst. essa vontade imensa de engulir. e tanto uma quanta a outra (em fluxos diferentes, mas acima de tudo, fluxo, acima de tudo, água) me deram imagens de velhinhas um tanto quanto razinzas, parecidas em juventude. alguém me disse que a beleza antiga, rostos que não nascem mais, se perderam. vocês tem algo dessa beleza antiga, sextita, velhinhas de fim de século segurando cigarros acesos. e tem algo que me... me faz amar, de certo modo. logo eu, que sou má nisso. e como não te amar, Marguerite, ao te descobrir escritora e cineasta. de certa forma, alimentou, mais que ninguém, a minha alminha comprimida. alminha com ares de grandeza - sempre me sinto envergonhada ao falar das minhas vontades, mas espera! são sinceras, ao menos. como não amar seus filmes, Marguerite, mesmo sem vê-los ainda? como não esperar que o que eu procuro, a solução que não me vem (o cinema literário a literatura cinematográfica que sejam as taxonomias baratas) em teus filmes, em teus escritos? sinto vontade de chorar novamente. porque também é mulher. porque tem crescido, em mim, a consciência de ser mulher. porque preciso ser mulher e preciso de ídola-mulher. preciso ver-me em vocês, Hilda, Marguerite. porque minha arte não é panfletária, é de destoar, como quem escreve no ar, no vai-vem da vida; e quanto mais sei da tua vida, mais me apaixono por você. corresponderia? eu te amaria em qualquer quarto, em qualquer idade. eu te amo, mesmo se for o espectro que sobra de ti em qualquer coisa que faça. eu te amei antes de saber teu nome, digo: te amei quando vi Hiroshima Mon Amour. amei porque saí deslumbrada e disse "é um filme tão literário". é um filme tão literário. e saber de ti sem saber quem é, com uma amiga me dizendo, orgulhosa de uma fotógrafa mulher. cineasta. saber de você nos textos um tanto quanto chatos de som no cinema. amei Hilda porque era escritora e porque era da minha cidade, amo você porque você está em tudo que eu sou, mesmo que de vietnã e frança eu nada tenho. não me importam barreiras geográficas (será que você leu Hilda ou ao contrário? será que vocês se apaixonaram ou sentiram repúdio pelo espelho deformado?) não me importam barreiras temporais. se você fala da memória como ninguém falou, te falo de um futuro do pretérito, de um sonho. te falo de amar alguém que já se foi, que não se conhece, te falo de se espelhar naquilo que se pensa que se foi, que deixa registros alguns para tentar desvendar, te falo de um amor irreal e atemporal, de um sonho curto, que fica, te falo de tempos que não se encontram jamais, mas de amores que explodem em outro plano que não o real. te falo de um real deturpado por uma visão romantica, de uma esperança de permanencia, te falo, ainda, de luta de sobrevivência artistica, te falo do que não existe, mas que deveria, te falo e te peço que me escute. leia-me com cuidado, despreze-me pouco. aquilo que amo, geralmente, me escapa. e aqueles me amam, geralmente, acabo por escapar. o amor concreto me parece falho e quebradio, de curta duração estúpida. o amor que te tenho é eterno porque irrreal irrealizável, sobretudo, porque não te conheço e jamais poderia.
com amor,
Mariana.
(gosto de ti porque Mar.)
outubro 01, 2011
manifesto para levantar (a minha) estima
não vou me justificar. sinto vergonha-culpa-alvoroço de alma suja. juntar e separar, não pontuar, o que seja para que POSSASSE criar ALGUMA COISA. onesta. SOBRETUDO ONESTA. é preciso pular os muros, para destruir os muros, VAMO DESTRUI. tudo-é-junto-em-tudo-seu-bando-de-babaca-eu-quero-que-vocês. quando vier dizer que É PRECISO ISSO OU AQUILO. que estudado está para usado ser e AI QUE VERGONHA. COMA-SUA-PROPRIA-PORRA. intelectual maldito que prega igualdade de classe e ri sem s. EU PRECISO DIZER ALGUMA COISA DE UM JEITO QUE SE POSSA. EU NÃO POSSO ASSIM. você também vive aqui. você vive do lado da porra do seu visinho, VOCE VIVE. voce finge que tá tudo bem mas VOCE ESFREGA SUA LIMPEZA precisaconcisaprolixa NA CARA SSSSUJA DOUTRO.
FODAC. EU PRECISO DIZER. EU PRECISO DIZER, de algum jeito que dê, EU PRECISO QUE DÊ. eu preciso-dá.
setembro 25, 2011
açúcar meu bem
setembro 08, 2011
o mundo
você se lembra que eu te disse isso naquela tardezinha, na sombra de uma mangueira, se lembra? você me olha com esses olhos grandes, essa barrigona despontando, outro filho, outro filho pra alimentar, eu pensei. você me olha com essa carinha triste, essa sua cara torta, um olho meio vesgo, há tempos você não tira os pêlos que nascem debaixo do nariz, fica brava quando eu chamo isso de bigode. você passou pó de arroz na cara, ficou com as bochechas brancas e o resto todo moreno, você pensa que eu gosto das brancas porque fico olhando com cara de tarado pras moças da tevê, você diz assim mesmo,"cara de tarado". e nesse dia, você tinha perfume doce de pó de arroz e a gente fez amor, de novo, e desse amor outro filho, e agora você anda ainda mais torta, com as mãos nas costas, desempregada, põe um pano de prato no ombro e diz "só desgraça, só desgraça neste mundo." diz pra eu cuidar do menino mais velho, diz que está cada vez mais velho, também nascem muitos pêlos debaixo do nariz dele, e já sabe lavar as remelas dos olhos, passa gel e deixa o cabelo espetado, eu digo "o que é isso?" ele não me responde, nunca me responde. ele trouxe um celular pra casa, um desses coloridos, toca aquelas músicas que ele gosta, "isso não é música, moleque, onde cê arranjo isso?" ele não responde, nunca responde, me olha com um olho enviesado, também é meio vesgo, igual você. você diz que já não pode mais conversar com ele, que tem que cuidar dos menores, diz que é pra eu ser útil. como se eu não fosse útil, como se eu não tentasse, e debaixo daquela mangueira, embora o sol brilhasse forte batia uma brisa fresca cheirando a manga, ou era você que cheirava à manga, à flor de manga, ê minha flor. eu pensei vou fazer de tudo pra fazer essa moça feliz, você era nova e menos preta, dava pra ver a bochecha avermelhada de vergonha. "eu vou te dar o mundo, meu bem", você riu porque nasceu pessimista, nasceu amargurada, e tinha aprendido desde pequena que não se pode sonhar (você nasceu num cubículo na cidade, eu me lembro bem) disse "uma manga já tá de bom tamanho". o menino sentou-se do meu lado, tinha comprado fone de ouvido, balançava a cabeça pra frente e pra trás, "você compra coisa demais"; ele não ouviu, eu tirei o fone do ouvido dele, o ouvido encardido. "o dinheiro é meu". fiquei quieto, calado, carrancudo, diabo de menino, não sabe viver, dezesseis anos ou coisa assim, esse mundo que a gente vive é um perigo, não se dá para viver, é tudo sujo, escuro e encardido, é tudo cheio de fio, tanto fio "você devia ir pro campo, menino, lá se vive" comecei a descascar uma manga, manga ruim de mercado. aquela nossa manga da magueira, eu alcancei uma bem no alto do pé, você riu à beça, eu me sentia um gigante, comecei a descascar com a faca que ficava no meu bolso, sempre uma faca junto pra matar cobra, escorpião, aranha, bicho ruim, me roubaram a faca de bolso, cobra, escorpião, aranha, ladrão. e eu ia descascando enquanto você ria abobada, ia tirando a casca laranja-ocre-avermelhada devagarzinho, com tanto carinho, e você se dizia arrepiada, ria esganiçada. te dei a manga pra chupar. "quer manga, moleque?" nem me respondeu, ele nunca respondia, voltou com o fone de ouvido, "quer manga, merda?" tirou o fone assustado, fez que não com a cabeça, vontade de esfregar a manga na cara dele. você chupava a manga devagar, de um jeito só seu, te dei o caroço todo "isso é meu amor, todo esse caroço" e você sorriu, os fiapos de manga amarela preso no dente amarelo, que delícia de manga, aquela manga era amarela de sol, era inteira feita de amor "viu? te dou o mundo?" e você gemeu precipitada, escorria o sulco amarelo perto da boca reconchuda, escorria o sulco por toda a terra, "todo o mundo". "come essa merda de manga, você não come nada, só come porcaria" fez que não com a cabeça, fez menção de levantar, puxei ele pra baixo "come" ficou me olhando com o olho parado, seu mesmo olho parado, sem reação alguma, "você não sabe de nada do mundo, você é uma idiota qualquer" ele me olhou parado, dava para ver a veia da têmpora do moleque vibrando, ele morria de ódio mas nada falava, "come seu imbecil", ele olhou duro, falou baixo alguma coisa, o quê? ele repetiu baixo, imbecil, filho imbecil, filho do sulco amarelo, do mundo mais bonito que eu quis, eu disse "nêga, te dou todo o mundo" mas todo o mundo é muito grande e muito ruim, é só desgraça e porcaria, é só sujeira e injustiça, eu te dei todo o mundo, sim, e ele veio com tudo de ruim que tem dentro dele: e pra aprender eu esfreguei a manga na cara suja do menino, esfreguei no olho até ardê e ele gritá e enfiei goela abaixo o caroço inteiro, de uma vez, e quis que morresse engasgado, se ela não chegasse correndo estabanada, as mãos na costa, a bolsa estourada, o sulco amarelo da terra divina, o sulco divino da terra amarela e infernal, que mande tudo pro inferno, o mundo todo, essa manga de merda que um dia eu te dei e te enfiei goela abaixo, essa manga amarela que me fez crer num mundo amarelo, mas esse mundo é amarelo - amarelo podre, e eu te dei tudo isso, pena que te dei.
setembro 02, 2011
banho de espuma
agosto 22, 2011
amor de cheiro
agosto 07, 2011
língua nos teus
julho 26, 2011
barbatanas e etecetera
o bairro-fantasma
julho 22, 2011
então vai
julho 18, 2011
costurando
julho 17, 2011
heartbroken
julho 11, 2011
seis gatos e três cachoros
junho 28, 2011
redondos
uns olhos que tem um não sei o quê que chamam para dentro, cada vez para mais fundo
fundo, fundo, fundo e infinito: anda-se por todo lado e só se vê esse seu escuro lacrimoso
fundo, fundo, fundo, não acaba mais, arredonda-se, acircula-se, e de baixo, também estou em cima
assim arredondado sem hierarquia: cava-se, cava-se, cava-se e não se chega; não há fim
espaço-tempo arredondado, quieto, me chama, me crava, e daqui mal posso sair
se me achego aos seus olhos pretos, confortáveis, serenos, não há como escapar
ali queria permanecer, eterno como por dentro ele é, arredondado em posição fetal
e meu círculo corporal então, se fecha com o círculo vicioso do seu olho letal
e assim, de tanto e pouco, que o tempo passa sem importar, que eterno seja seu arredondar
junho 10, 2011
subjuntivo
mas que mais não posso te falar, não assim. queria mesmo é que você me olhasse, e só assim, eu já me sentiria um pouco mais aquecida. e só assim, eu poderia te olhar de volta, aceitando sem pestanejar o abismo do seu ser. em mim há espaço para tudo: espaço para seu choro escondido, sua solidão, espaço para seu amor piegas, espaço para seu tesão afoito. te dou todo o espaço que em mim habita para que você possa me preencher. me preencher sem escolher, de todas as maneiras, de todo o seu ser. e tendo todo o seu ser em mim, agora preenchida, quase sufocada, eu arderia. arderia para você, a qualquer momento do dia. e enfim, sorriria.
bastava mesmo que você me olhasse - com toda a vontade - e se achegasse, sem me deixar aflita de alguma desistência. queria mesmo que você fechasse os olhos e desse penhasco se jogasse - lá no fundo a água é gélida mas te espera. e a correnteza te levaria, leve, por onde você quisesse. prometo todo o meu amor, por fim, se é capaz de me olhar. e tão narcisa sou eu, a querer que você se aproxime primeiro, a querer que você se apaixone pela minha imagem (e tão só minha imagem, nada mais) que depois viraria pó: me humilharia, pequena, te daria mundos e fundos.
por isso perdoe minha vontade enorme que você se cole em mim. perdoe minha resistência se você não vem, com toda a certeza. perdoe minha tristeza se você não fixa seus olhos - de uma vez por todas - em mim. se você não quer, tudo bem. tenho vivido razoavelmente bem, sem grandes entregas. mas se você me olha assim - meio de lado, meio querendo - minha alma ambiciosa sacoleja desesperada, então perdoe se eu te escolho sem saber - juro, sem saber - e se dessa escolha eu espero, e enquanto espero só sei começar minha escrita no subjuntivo. subjunto o seu desejo, petrifico em mim o seu começo, me delicio se te imagino, triste fico porque não é isso. por isso, quisera. quisera que só de olhar você me quisesse - no meu desejo, mal vejo solução: veio junto dele o pessimismo gasto, a possibilidade inerte do não. sempre, do não. e fico aqui a contar, para me dispersar, porque assim, não sei me expressar. e as palavras já vão se acabando (elas já estavam se acabando no segundo parágrafo), já vão se rareando, se encolhendo e a vontade de dizer fica mínima, a inventar firulas, palavrear apenas para embelezar. embelezar o terrível de estar sozinha e fingir, assim, que meia dúzia de palavras decorativas serviriam para enobrecer a dor já velha. a dor inata. já vai se acabando, e eu sinto mais vontade de contar. contar não sei o quê, mas ao terminar resta-me eu mesma e minha mesquinharia, meu egoísmo, meu narciso, espelho, resta meu desespero calmo, minha falta. resta eu mesma que pouco me aguento - e se você me quisesse, talvez pudesse comigo dividir o fardo de tudo isso sentir. mas e se você me quisesse...
não mais agora.