outubro 13, 2011

carta de amor a Marguerite Duras

Marguerite,

tenho que lhe dizer, hoje encontrando tantos livros seus na biblioteca municipal, tive vontade de chorar. juro por tudo que senti aquele comichão por detrás das bochechas, aquilo que não se sabe se é felicidade ou tristeza. lendo título por título (três exemplares de O Amante, três de A Dor, dois de Deslumbramento, dois de A Vida Material; diante de tais títulos poderia te descrever a sensação que é encontrar seus livros, prontos para serem lidos, a meu alcance) procurei, não sei bem o quê, pois poderia pegar tudo (e repetindo) de uma vez. vou-lher ser sincera: essa vontade quase ninfomaníaca é porque sou nova em te amar. achei, uma vez, numa barraca de livros, teu livro largado ao fundo. Dois Livros por Dez Reais, dizia o cartaz. eu recordava não sabia de onde de teu nome, e embora a capa da minha edição seja pouco atraente, levei.
eu não podia esperar que...! Ah. esse tipo de paixão, esse mesmo que eu tive com Hilda Hilst. essa vontade imensa de engulir. e tanto uma quanta a outra (em fluxos diferentes, mas acima de tudo, fluxo, acima de tudo, água) me deram imagens de velhinhas um tanto quanto razinzas, parecidas em juventude. alguém me disse que a beleza antiga, rostos que não nascem mais, se perderam. vocês tem algo dessa beleza antiga, sextita, velhinhas de fim de século segurando cigarros acesos. e tem algo que me... me faz amar, de certo modo. logo eu, que sou má nisso. e como não te amar, Marguerite, ao te descobrir escritora e cineasta. de certa forma, alimentou, mais que ninguém, a minha alminha comprimida. alminha com ares de grandeza - sempre me sinto envergonhada ao falar das minhas vontades, mas espera! são sinceras, ao menos. como não amar seus filmes, Marguerite, mesmo sem vê-los ainda? como não esperar que o que eu procuro, a solução que não me vem (o cinema literário a literatura cinematográfica que sejam as taxonomias baratas) em teus filmes, em teus escritos? sinto vontade de chorar novamente. porque também é mulher. porque tem crescido, em mim, a consciência de ser mulher. porque preciso ser mulher e preciso de ídola-mulher. preciso ver-me em vocês, Hilda, Marguerite. porque minha arte não é panfletária, é de destoar, como quem escreve no ar, no vai-vem da vida; e quanto mais sei da tua vida, mais me apaixono por você. corresponderia? eu te amaria em qualquer quarto, em qualquer idade. eu te amo, mesmo se for o espectro que sobra de ti em qualquer coisa que faça. eu te amei antes de saber teu nome, digo: te amei quando vi Hiroshima Mon Amour. amei porque saí deslumbrada e disse "é um filme tão literário". é um filme tão literário. e saber de ti sem saber quem é, com uma amiga me dizendo, orgulhosa de uma fotógrafa mulher. cineasta. saber de você nos textos um tanto quanto chatos de som no cinema. amei Hilda porque era escritora e porque era da minha cidade, amo você porque você está em tudo que eu sou, mesmo que de vietnã e frança eu nada tenho. não me importam barreiras geográficas (será que você leu Hilda ou ao contrário? será que vocês se apaixonaram ou sentiram repúdio pelo espelho deformado?) não me importam barreiras temporais. se você fala da memória como ninguém falou, te falo de um futuro do pretérito, de um sonho. te falo de amar alguém que já se foi, que não se conhece, te falo de se espelhar naquilo que se pensa que se foi, que deixa registros alguns para tentar desvendar, te falo de um amor irreal e atemporal, de um sonho curto, que fica, te falo de tempos que não se encontram jamais, mas de amores que explodem em outro plano que não o real. te falo de um real deturpado por uma visão romantica, de uma esperança de permanencia, te falo, ainda, de luta de sobrevivência artistica, te falo do que não existe, mas que deveria, te falo e te peço que me escute. leia-me com cuidado, despreze-me pouco. aquilo que amo, geralmente, me escapa. e aqueles me amam, geralmente, acabo por escapar. o amor concreto me parece falho e quebradio, de curta duração estúpida. o amor que te tenho é eterno porque irrreal irrealizável, sobretudo, porque não te conheço e jamais poderia.

com amor,
Mariana.
(gosto de ti porque Mar.)