fevereiro 05, 2015

uma lista

uma lista!
uma lista - é claro.
das minhas privações
da falta de propriedades
de prioridades
privadas ou sobre qualquer coisa
públicas também

uma lista seria grande o bastante
opressiva e assustadora
de olhos juntos e joelhos cerrados
- minhas gengivas inflamadas
e os dentes deles sangrando
a sua lista também seria
ainda mais opressiva e derrubadora
compararíamos as listas.

compararíamos e morreríamos
- enfim!
de comparação medíocre
eterna e desolada
infrutífera e descascada
bem portada num deserto
morreríamos enfim
talvez com algum alívio
porque qualquer um suspiro
estrangula os ossos miúdos
ter que viver todos os dias

sem chão nem revolta
uma mínima ode à vida
ou aos explorados
ou morte aos exploradores
morreríamos de cabeça quente
de saliva seca e silêncio sagaz

nossos tesouros perdidos e contas de banco esvaziadas
completamente - 
nenhum nome paira na eternidade
o universo é univoco
flutuamos sem destino nem espaço
pairando ora ou outra na órbita estrangeira
sem nem sequer se dar conta
ou perceber a indiferença

uma lista! uma lista das minhas privações
e dos meus arrependimentos
e da minha vergonha de não ser tão privada
e assim me manter trancafiada

uma lista dos meus dias:
meu café amargo e ruim, o pó barato,
o pão,
a cama,
a dor nas costas,
a tv desligada,
a internet sem fio,
a internet caindo,
a água,
a torneira,
o banho,
a cama,
a cama,
a cama,
o jogo estúpido
o vivo,
a transa,
a transa,
a cama,
a cama
a cama.

impossivelmente se escreve
não resta qualquer coragem
de pisar na rua de novo
não me resta nem vontade
a cama,
a cama
a cama.

privações

1. estou fazendo, não sei porquê, sonoplastia na escola sp de teatro. cheguei na terça-feira e sentei perto das meninas que já estavam em módulos avançados. elas disseram que nenhum teatro grande contrata sonoplastas mulheres. só contrata homens. tive a vontade súbita de desistir imediatamente. não consigo mais, a mesma batalha, em outro território. compulsoriamente, a maioria vai desistir, uma ou outra mina zika vai conseguir. é claro que me apontarão estes exemplos. não que eu seja obrigada a ser zika. seria melhor se eu tivesse nascido com vocação pra ser atriz ou dançarina.
2. estudei numa escola técnica e pública, no segundo ano do ensino médio, uma professora de português nos disse que a gente nunca saberia o que a elite consome culturalmente. que eles ouviam coisas que nem imaginávamos, liam coisas que nunca saberíamos o que era. que ela, nem a gente, saberia o que era. que eram coisas maravilhosas mas complicadíssimas de entender. até hoje eu me pergunto se cheguei a conhecer a cultura erudita e elitista. eu não sei se ela considerava gente da USP gente assim. eu não sei onde estou. o meu buraco da impotência compete com o ódio da existência deste abismo. fiquei espantada quando ela disse aquilo. fiquei amargurada quando me disseram que eu não podia conhecer tudo que havia de complexo e maravilhoso no mundo. meu ódio dela se transfere ao ódio desse culto do erudito. ela criou um monstro terrível feito de muro de pedra, ela, sem saber, despejou a impotência que sentia todo dia, sendo mal paga e mal quista, sobre adolescentes cheios de energia e vontades; ela me fez enxergar castas, sem nenhuma saída ou revolução, a não ser a completa ignorância.
3. tenho medo de algum dia ter criado monstros terríveis de impotência aos meus alunos da periferia. peço desculpas desde já e trabalharei na possibilidade de acabar com tudo isso e recomeçar outra coisa. vocês que empunharão.