maio 24, 2009

amor.

o padre examinara-a cuidadosamente, por trás dos seus óculos de aro dourado. conheci-a desde menina, mas aquele botão já desabrochava em flor. lembrava-se que se confessara, no dia que recebeu o corpo de Deus pela primeira vez, mas nunca mais tinha aparecido ali para aquele fim, senão algumas vezes para ouvir missa junto da mãe. apesar de todo o cheiro e ascendência de mulher, trazia nos olhos a melancolia senil dos jovens, revelada por olheiras doentias, e os cabelos maltratados, assim como as mãos nervosas e as unhas corroídas.
- que queres confessar, tu, menina, ao Nosso Senhor?
- padre, é o amor.
- o amor não é pecado, minha filha.
- pode ser, senhor padre. pode ser que o seu amor temente à Deus seja sim, puro. mas todos os amores que são feitos esses corpos e essas almas, ah senhor, são sujos e repugnantes. ah senhor! se soubesses das mazelas que este sopro fantasiado pelos poetas é culpado, tu não me dirias isso. o amor, padre, culpa dos olhos estatelados quando a noite baixa à Terra, culpa das alusões mais fantásticas e o abandono a toda moral, a toda ética, a todo o ego. larga-se de ti mesmo quando se ama, padre. deixa-nos á deriva deste barco que é comandado pela falta de razão. o senhor, sabe, padre, toda a morte, toda a guerra, e todo o ódio que corrói esse mundo, tudo isto é obra do Amor. o amor, padre, que deixa-nos nus frente aos outros, para que o gozo seja, então, prova de tal abstração. se fosse só, infanto e não passasse de leveza, não cobraríamos do outro expectativas infindáveis. não teríamos estampados e remendados às almas a decepção, o ciúme, a frustração, o despontamento, o rancor! que eu mataria, padre, eu mataria pelo amor. sinto passar por todo meu corpo, esse vontade de destruir de rasgar de findar com o motivo que me faz sentir toda triste. nos abandonamos à deriva do destino, desacreditamos em Deus. o amor é que a culpa da deixa da bebida, da deixa de toda a droga. ah, senhor padre! se soubesses o que é sentir dentro de ti, o corpo que entra, que te parece sublime amor, o órgão intrumescido que movimenta-se e faz-se de todo júbilo. pensamos ser isso toda a graça; mas a graça está em sofrer depois. acredito, padre, que o senhor tenha amor pueril á Deus, mas acho que Deus tem o mesmo amor humano por nós. e é por isso que vês muito mais mulheres entregues, emocionadas, entre os vãos, ajoelhadas, desta igreja de madeira oca. porque Deus consegue lhes transpor a carne, consegue lhes tocar o ínfimo como ninguém. e é por isso que nos vira às costas, que nos abandona, enraivecido por termos dele esquecidos, por termos desapontado. vinga-se como a todos nós. cria guerras, desfalece a Terra em caos, inventa um inferno recheado de amor. se soubesses como o limbo do amor é tanto como o inferno, de fogo e vermelho, de calor e dor. vês? e como és bom com aqueles que te dão amor incondicional, como uma mãe à filha, dá-lhes a certeza da fé, da vinda doutro mundo, um paraíso escondido, não tens certeza irremediável de tudo isto? é porque Ele te ama, mas não me ama, pois sou como os outros, sou indiferente, sou toda entregue à razão, mas quando meus olhos com outros se identifica, sou toda alma. sabes do que somos capazes se nossos olhos não são corrrespondidos, senhor padre? não existe felicidade do outro que não seja ao nosso lado, somos possessivos, por natureza, e é por isso que a tudo tentam comprar, e é por isso que Deus também é comprado. pensas, se eu já senti, já senti no íntimo do meu cerne, Deus brincando com meus seios excitados, fazendo cócegas nas minha corna-menina. veja, padre, veja como ela está toda enchercada só de pensar neste bruto Homem, o melhor do mundo, que tem o maior amor a oferecer, mas que nunca ninguém terá, e é por isso que choro, e que soluço, e que mataria até Deus, se fosse por amor. e é por isso que tudo isso é sujeira, é pecado, e o mundo mesmo vai se findar nele só pelo amor que lhe habita, nas respirações ofegantes, nos olhos fechados, nos instantes fugazes, no gozo da vida, no amor pelas coisas, no êxtase de tudo. o mundo se vai por fim, e é por culpa só, senhor padre, desse amor. tira este amor, de mim, tira, seu padre, me perdoa por amar demais, me perdoa.

e o padre com os olhos encharcados, e também as cuecas, abaixou o vestido da moça, e mandou que se retirasse e que nunca mais voltasse a pisar naquela Igreja, pois sua alma trazia tamanhas bestialidades que ele não era capaz de suportar.
naquela noite, não pregou os olhos.

maio 13, 2009

ave!

saiu, por esses dias (eu leio jornal atrasado, pois pego na casa da minha vó haha), uma matéria sobre o Jack Kerouac no caderno Ilustrada da Folha de São Paulo. Saiu a foto mais linda que a internet não me deixou ver, e eu logo o coloquei do lado do Chico Science. O Chico, por sinal, é uma foto de jornal também, mas... é colorida. E ele tá todo coloridão, todo dançandinho, com seu chapéu de palha na cabeça, um sorriso sem graça na cara, a cara vermelha de gente da praia. E agora, embaixo, vem Jack, preto e branco, feições obscuras, todo inverno, ouvindo uma transmissão num rádio antigo. Os dois no meio da cidade. Os dois intervetores urbanos, revolucionários de células, empenhados em contra-cultura, cada um a seu modo e região. Eu, que sempre nunca achei direito ter ídolo, eu aqui, todinha derretida por esses dois caras, queria só uma, uma só noite com eles. Quem sabe... uma orgia? Sabe aquela vontade de ficar muito tempo olhando pruma foto? Igual naquele filme, O Terminal. O Tom Hanks diz que o pai dele ficou muito tempo olhando pra foto com os caras do jazz. Quem dera eu ter tamanha sorte de poder conseguir autógrafo de todos eles, como fez o pai. (Mas também, só se inventassem a máquina do tempo!). Analogias à parte, eu, eu, que nunca me decidi por admirar ninguém, nem colocionar fotos, eu aqui, toda entregue à essa ideologia fanática e sem sentido. Sou manguebeat-beatnik assumida. beat beat. fake. sou nada. devosernadadevosernadadevosernada, controle-se.
Algum jornal poderia fazer matéria da Hilda Hilst, por mim? Então, eu poderia virar líquida, desaparecer, enfiar-me em algum espaço-tempo entre aquelas fotos, em alguma projeção além-mundo, e ficar por lá, enamorada, encurralada, totalmente fora de mim. beat beat. vê como eu escrevo como H.H.? sou totalmente influenciada. mas agora assumo: aos meus ídolos, meu coração. aos meus ídolos, minh'alma de nadinha, que nada lhe servirão e muito menos lhe interesserão. mas poderia eu arriscar dizer, que se eu conseguir ser, se eu conseguir reproduzir uma partinha, um mundinho, um cisquinho de tudo aquilo que vocês são, eu posso sorrir em paz. eu posso morrer em paz.
(baby, you make my heart beat faster)

(preciso voltar a escutar Distillers. meudeus, que capacidade de ligação bizarra os humanos tem!)

maio 07, 2009

sobre olhos de hoje.

vim aqui para que não me esqueça dos olhos que hoje me encararam. hoje, dia comum de rotina desgastante, que deu tudo errado. tem dias que a alma fica vulnerável, ou são os olhares outros que me arrebatam feito flechas.
1. flecha foi, pensando bem aqui com meus botões, teu olhar úmido. ficou a me olhar, enquanto eu gesticulava e chorava. tinha olheiras debaixo deles, mas isso é comum (mãe, isso é comum) o que me fez querer ir embora, como eu o fiz (você viu que eu fui, mãe), foi o brilho que deles emanavam. brilho de água, salgada e triste. você não tinha resposta, mas nunca pede desculpa. seus olhos arregalados, cheio de umidade angustiada, é que disseram por você o que eu não pude codificar. desculpas mudas, carregadas de ressentimento de outrora que não podem ser expostos (mãe, como deve ser difícil ser mãe.)
2. o teu hoje se diferenciava. não sei se por falta de aparatos que sempre leva. eram fundos. tive medo de olhá-los e esse medo me fez o desejo de aproximar-se. queria olhar, lá no fundo e ver o que se escondia ante o preto. mas não pude, se não segundos rápidos. me fez lembrar uma série de imagens rápidas. você sabe aquele medo que dá desejo, ou o desejo que dá medo? dá uma coisa danada na alma na gente. um nó. a gente sabe que gosta, e fica estancado no meio do caminho, com medo de chegar na água. não que a água pareça perigosa. talvez, um pouco desconhecida. mas ainda assim, atraente. tomara você não ter percebido.
3. já você, tem dias que fica assim, com os olhos tristes. você inteira acompanha essa tristeza, seu corpo quente, sua tez distante. eu procurava entender toda essa tristeza, feito exu ou pomba-gira que tomava conta de ti, eu até entendia. meu sentimento ultrapassou minha razão. já não entendo. quero dos seus olhos o máximo que puderem me dar. escute a frase que lhe dirijo: não pareço egoísta? me sinto egoísta até o âmago. mas é que o âmago nada sente desta culpa humana, destes conceitos que a gente cria. eu queria seus olhos apertados e alegres, a me olhar, e quando não os tive, não queria mais olhá-los. sabe que sentimento grita, infantil, dentro de mim? seja o quanto puder o bom dos seus olhos, para compensar quando não tiver. eu não deveria reproduzir tais coisas. mas há tanta coisa guardada dentro de mim.... há tanto mostro aqui dentro, que é preciso um pouco, soltá-los, para que não tomem conta de mim totalmente. ignore estes meus monstros. teus olhos tem a liberdade de serem tristes, e os meus, nesses dias, não quererão com os seus encontrar. (e não será desperdício, então, cale a boca, meu demônio louco).
4. não reconheci mais você em seu olhar. sempre teve uns olhos grandes, vivos, irriquietos. mas depois de tudo aquilo, eu perdi a liberdade de me ser com você. e por isso, quando tentei olhar seus olhos, não vi nada. parecia que nunca os tinha visto daquela maneira. talvez eu tenha me afastado de você, sem participar da sua evolução. e agora, como cachorro com o rabo entre as pernas, volto a querer te olhar como antes. você mesmo me disse, nada será como antes. mas sou teimosa. talvez meu egoísmo me engula de novo, e tudo seja justificativa só porque você parou de me admirar. isso é visível. e eu não sei mais cadê você. seus olhos são, dentro de mim, outros. não sei mais o jeito certo de olhá-los ou de conseguir o mais profundo da sua alma, o melhor do seu sorriso. nossos olhos parecem distanciados um país inteiro um do outro. tentei procurá-los enquanto tive perto de você, e só vi o que lhe é aparente. aparente isso, que não me parece mais você. eu sei que isso você percebeu. alguma coisa entre nós se partiu. e eu me senti profundamente machucada. como se... irreversível. não consiguirei completar meus pensamentos.
5. você teve uns olhos distantes hoje. seus olhos são muito do parecidos com os meus. quando se recolhe dentro de si, cala-se, e feito caramujo, esconde-se, e ninguém tira o real dos seus olhos. houveram tempos que nossas sintonias, de tanta identificação, eram grandes. e eu sabia como tirar de você sem te perguntar. não sei mais te codificar. não sei mais te sentir. e nunca fui, tampouco, de perguntar. continuo esperando que você venha me dizer. você nunca vai dizer, porque é igual a mim. procurei seus olhos desamparados... mas não ganhei nenhuma resposta.
(4 e 5 me perdoem por tudo. não sei o que faço, não sei o que fiz)
6. seus olhos brincaram comigo, pela primeira vez no dia, cheio de intenções. olhos que alugam cantos e pedaços de corpo, se comunicam em sintonias ínfimas, se desviam, alegando completa indifernça. posso muito estar enganada, e minha imaginação é uma nascente fértil para todo tipo de romantização. perdoe-me escrever sobre isto aqui.
7. por fim, o seu.
seu olhar que me fez pensar sobre todos os outros que hoje percebi. serei sincera, pois você nunca lerá nada, você disse bomdescanso, tal coisa tão simples direta e sem nenhum significado em especial. seu olhar foi cheio de significado. parecia querer me passar uma mensagem. talvez você tenha algo com o meu pessimismo, talvez quisesse dizer para eu realmente tentar parar de ver tudo desse jeito, que tende sempre para o pior. eu não sei. seu olhar não teve obstáculos, atingiu direto na minha alma. se encheu por toda ela, sem entender quase nada. eu quis tentar entender, mas seu olhar me pareceu passar qualquer coisa que não fosse material ou pronunciável. à nível de espírito. de coração. olhares que lêem alma, que advertem. você se manteve, olhos fixos e negros, dois, e eu senti toda essa intensidade. poderia dizer que fosse pedagógico. não posso fugir da raia de que seja educativo, uma mensagem, como dantes disse. você me deixou alarmada, desconfiada. minha alma toda se contorceu em torno de tantos olhares. não sei a que ponto isto tanto me afeta, mas hoje tudo parecia motivo.
talvez eu esteja me torando cada vez mais transparente.
ou consiga melhor enxergar os outros.

de tais olhares me despeço e fecho os meus. já me cansei de tanto olhar, tanta melancolia, de tanta alma e corpo envolvido. não sei a que ponto sou fictítica dentro de mim mesma, ou se a verdade é realmente impressa por estas retinas negras (ah! jamais rejeites olhos castanhos, negros, escuros; olhos fundos e largos).
sei que me sinto exausta, e toda furada, furada por olhares que não sei entender.