junho 28, 2011

redondos

você tem uns olhos fundos, pretos, redondos. tão perfeitamente redondos.
uns olhos que tem um não sei o quê que chamam para dentro, cada vez para mais fundo
fundo, fundo, fundo e infinito: anda-se por todo lado e só se vê esse seu escuro lacrimoso
fundo, fundo, fundo, não acaba mais, arredonda-se, acircula-se, e de baixo, também estou em cima
assim arredondado sem hierarquia: cava-se, cava-se, cava-se e não se chega; não há fim
espaço-tempo arredondado, quieto, me chama, me crava, e daqui mal posso sair
se me achego aos seus olhos pretos, confortáveis, serenos, não há como escapar
ali queria permanecer, eterno como por dentro ele é, arredondado em posição fetal
e meu círculo corporal então, se fecha com o círculo vicioso do seu olho letal
e assim, de tanto e pouco, que o tempo passa sem importar, que eterno seja seu arredondar

junho 10, 2011

subjuntivo

quisera que só de me olhar você me quisesse. que fixasse seus olhos ágeis em mim, que se demorasse em minha imagem, que escolhesse em mim o que mais te provoca. que me disesse, entre um riso entrecortado. e que tampouco eu precisasse responder, nem mesmo reagir, que fosse possível só te olhar, e desse olhar você pudesse extrair meu desejo. meu desejo interno é convulso e hiperbólico. fica aqui, reprimido no meu próprio corpo. quisera que só de me olhar você puxasse de mim essa vontade. te juro que é insaciável, uma sede imensa - uma sede de anos. e que no meu corpo você ficasse, o quanto quisesse, perdurasse, e que tudo o mais seria o seu: sem mais mistério então. e que mesmo assim você encontrasse mistério no abismal dos meus olhos. e que neles demorasse a se adentrar, um pouco receado. receio também me afeta, me alimenta. e nesse intervalo, então, eu já me contorceria toda: seria só sua sem mais. e que desse nosso olhar o mundo se extinguisse, nada mais existe, então. exitngue de mim esse desejo e junto do desejo, o mundo. se não desejo, não há porque haver resto de mundo, meu bem. e não é que chegamos ao fim: seria só o início.
mas que mais não posso te falar, não assim. queria mesmo é que você me olhasse, e só assim, eu já me sentiria um pouco mais aquecida. e só assim, eu poderia te olhar de volta, aceitando sem pestanejar o abismo do seu ser. em mim há espaço para tudo: espaço para seu choro escondido, sua solidão, espaço para seu amor piegas, espaço para seu tesão afoito. te dou todo o espaço que em mim habita para que você possa me preencher. me preencher sem escolher, de todas as maneiras, de todo o seu ser. e tendo todo o seu ser em mim, agora preenchida, quase sufocada, eu arderia. arderia para você, a qualquer momento do dia. e enfim, sorriria.
bastava mesmo que você me olhasse - com toda a vontade - e se achegasse, sem me deixar aflita de alguma desistência. queria mesmo que você fechasse os olhos e desse penhasco se jogasse - lá no fundo a água é gélida mas te espera. e a correnteza te levaria, leve, por onde você quisesse. prometo todo o meu amor, por fim, se é capaz de me olhar. e tão narcisa sou eu, a querer que você se aproxime primeiro, a querer que você se apaixone pela minha imagem (e tão só minha imagem, nada mais) que depois viraria pó: me humilharia, pequena, te daria mundos e fundos.
por isso perdoe minha vontade enorme que você se cole em mim. perdoe minha resistência se você não vem, com toda a certeza. perdoe minha tristeza se você não fixa seus olhos - de uma vez por todas - em mim. se você não quer, tudo bem. tenho vivido razoavelmente bem, sem grandes entregas. mas se você me olha assim - meio de lado, meio querendo - minha alma ambiciosa sacoleja desesperada, então perdoe se eu te escolho sem saber - juro, sem saber - e se dessa escolha eu espero, e enquanto espero só sei começar minha escrita no subjuntivo. subjunto o seu desejo, petrifico em mim o seu começo, me delicio se te imagino, triste fico porque não é isso. por isso, quisera. quisera que só de olhar você me quisesse - no meu desejo, mal vejo solução: veio junto dele o pessimismo gasto, a possibilidade inerte do não. sempre, do não. e fico aqui a contar, para me dispersar, porque assim, não sei me expressar. e as palavras já vão se acabando (elas já estavam se acabando no segundo parágrafo), já vão se rareando, se encolhendo e a vontade de dizer fica mínima, a inventar firulas, palavrear apenas para embelezar. embelezar o terrível de estar sozinha e fingir, assim, que meia dúzia de palavras decorativas serviriam para enobrecer a dor já velha. a dor inata. já vai se acabando, e eu sinto mais vontade de contar. contar não sei o quê, mas ao terminar resta-me eu mesma e minha mesquinharia, meu egoísmo, meu narciso, espelho, resta meu desespero calmo, minha falta. resta eu mesma que pouco me aguento - e se você me quisesse, talvez pudesse comigo dividir o fardo de tudo isso sentir. mas e se você me quisesse...
não mais agora.