dezembro 17, 2013

como se conta a falta

só 904 mb de você.
e uma vida de saudade.

dezembro 15, 2013

emudeceria?

imagina se te encontra com foucault, se não chupas inteiro, se não te abaixa, você que não abaixa-se para nada, que manda os outros e faz pouco caso, se não te abaixa e oferece teu ninho profundo, o único teu verdadeiro segredo: que é mais que ia oferecer ao homem? palala-lalavra, nheco-nheco, emudecido ia ficar, diante, e só ia restar gemer, dá-dá! se não ia por volta da sua cabeça profusa caótica de pensamentos vãos loucos cheios das genialidades por fim algum silêncio que valha: come, me come, me.
ou se encontra com foucault e nem o cu tem a coragem de dar, e revira os olhos e como cão abandonado segue, que, ou se, balbucia dois ou três palavras, uns gemidos de nada, quer lhes falar das coisas grandes que também viu no mundo: quer lhe confessar sua solidão sórdida, enigmática, escura, escusa, aquela, que te faz morrer, que te matará. a única sóbria maior solidão do mundo, você, que não tem iguais: ai, de você, que é único, e o cu, não tem, não usa, oferece-te a sua, dor profunda, humanidade do mundo. que a rilke diria? que a rilke entenderia? que a rilke chuparia? que se veria desbotoaria - você logo tão você que não tira nem a roupa da mulher que come, espera que ela escorregue, se faça nua - os botões pardos da calça dele, e a mão antes mesmo de tirar-lhe a cueca o pinto puxaria, que chuparia o pinto solitário, ereto, cheio de Deus, escorregadio doce de poesia? ah, um gemido de poesia, que a rilke olharia? jamais chuparia? fez dos deuses seu claustro, sua fobia, esqueceu-se de resto e tudo, nem mesmo o céu, nem mesmo a bunda empinada pro céu, nem mesmo o falo de deus, nem mesmo sua nega. que ela que dança e te dá, que ela que dança e te dá, e que recita, sua poesia, favorita, melada, melada, teu pau, nela come, porque come, ou porque co-me? tua nega que é a porta-estandarte, o tempo da finíssima filosofia, não sabotai, apenas obriga! que aos poetas, retribuiu silêncio conformado, elegante e arregaçado à champagne, que às poetisas, retribuiu melaços, torrentes, versões simplificadas das bíblias. e que as comeu pensando neles, mas que se eles brotassem vivos, o cu arderia, doido de desejo, e se emudeceria.  

novembro 20, 2013

tragédia em suspenso

a tragédia se fez em suspenso - e tudo se fez em suspenso.

sobrevoar em você, exercício platônico, jogo que tem durado uns infinitos. a fisgada parecia por demais perigosa. sempre parece. morro no mar de não-aguentar as asas suspensas se retesar. 

gaivota branca branca de chapa. maconha entorta os músculos, lerdeia a palavra exata. arredonda. quarteirões de perambulação. dúvida-hesitação. 

os peixes todos que queria comer, os cinzas-feios, os coloridos, os mal-cheirosos, os voadores, escorregadiços, meu bico fino. sequer me enfiei. 

esse negócio de morrer na praia redundante literal popularesco e certeiro: faz-me morrer em desejos. talvez essas metáforas sejam levianas por demais. o afogar não hesita, os deuses não deram suas graças.

a vontade deste corpo carcomida, o aplauso da plateia se perdeu. o último olhar, qualquer despedida, se fez bobagem: os deuses choram, os rituais esquecidos. maldita criação cristã-ateia que não se apega. talvez uma última-única umidade consentida seria o bastante. dos olhos, dos corpos.

qualquer bobagem, qualquer dizer. a memória no corpo guarda esse calor - o da suspensão, o da promessa eterna, da fé. ritual solitário e silenciado. o horizonte arma-se contra as rezas dos desejos. mas suspenso, o vislumbre permanece.

utópico, cego, errante. em suspenso o definitivo, o chorar ou o gozar.

novembro 19, 2013

você apareceu

você apareceu
bonita sempre
o outro sumiu

eu não conhecia
(o outro)

mas te conhecia
(você,
mas te conhecer,
que é? se sempre
recomeça)

o fio retesado
da nossa relação
você, um sorriso
(que coisa)
dum beijo 
tão-pouco

que é, tudo o mais que se oferecia
a vida as infinitas linhas narrativas
se findaram em sumiço e dispersão

que pena! você
fica em mim
como que em
mim
(dentro)
o tempo
(todo)
esperando (para se despertar)

e depois, abriu-se a caixa
(pandora, querida)
e agora
na sua ausência
sofro a falta
sofro o não
o corte seco

sempre seco
da nossa ida-vinda
que o sumir
é passageiro.

novembro 07, 2013

segunda carta bélgica

hoje acordei triste e quis conversar com você. a televisão tem me assustado, durmo com ela ligada - não sei se é pior dormir ouvindo a rua desmoronar ou a voz lacônica do âncora entediado. a voz lenta e pastosa, que tenta noticiar o fim sem alarde, os sons do mundo mudos em prol da legenda que pisca o absurdo. você não gosta dele. você não gosta do tom da voz que ele usa, você proclama para mim que odeia a contenção. a exuberância dos amontoados de pessoas - restos de pessoas - sendo jogados de um lado para o outro, enquanto se lê a ordem judicial. não, não é permitido ficar. é permitido sair. só é permitido. você chora um pouco. e inventa que a última nota da frase dele saíra aguda e trêmula. até o homem-aço, por detrás da tv, chora. eu só ouço a gravidade cadenciada das frases. (frases nas línguas?). mas te abraço e te reconforto, digo que tudo ficará bem. acho graça na sua lágrima, te pressiono na parede. a voz continua - você quer desligar a tv. você quer desligar e nunca mais ouvi-lo. eu não sei. tenho a impressão que se o mundo tivesse acabando a gente continuaria aqui, sem saber. tenho ouvido uns ruídos, uns barulhos esquisitos, sons de demolição, outro dia até ouvi gritos, pensei que vinha dos seus pesadelos. você anda sonhando muito alto. te acudo em febre, faço compressas, te beijo para cicatrizar seu amor. você me olha, mas não sei o que tem pralém das retinas. você se tornara opaco. me beija rápido, sôfrego, com medo de algum estampido, algum clarão, algo que vai nos matar no ato. você vira, eu te abraço, e seu choro tímido, eu já não consigo. finjo que não ouço. te seguro. agora é duas da manhã e você não chegou. tenho os olhos vidrados na tv pra não deixar escorrer a profusão de dor. se eu deixar, vai ser um inferno. um fim de mundo. preciso manter esse mundo, o nosso mundo, até você chegar. e em vigília, te esperarei, como esperou aquela senhora palestina (?) a polícia lhe arrancar do seu templo.

outubro 25, 2013

primeira carta bélgica

faz frio lá fora. mesmo assim eles atam fogo nas coisas. eles atam fogo, nos entulhos, nos pneus, nas misérias: restos da civilização simbolizando seu fim eminente. faz frio e eu tenho medo, um pouco de. que tudo isso seja mesmo fim: para-além do signo. daqui onde eu moro, da janela do meu prédio, a rua efusiva, não tanto palco das atrações fulgurosas, das marchas incansáveis, mulheres e bebês ainda caminham, embora a lusco-fusco as sombras tem sido mais ameaçadoras, as babás chamam as crianças para dentro: é do medo da noite ser o palco do fim de tudo. daqui da janela, se vejo meninas solitárias perambulando, moços fumando com algum resquício de sorriso, não só o terror das grandes avenidas, dos boulevares de gente nova escorraçada. lembro-me de você. a chama acesa na boca do moço, você. esse fogo que não se alastra: se consome na sua boca. perto de você. se meu corpo ainda se dói de pensar que tudo vai ser lentamente destruído, rapidamente abandonado, que sobrem só as multidões até que elas se desfaleçam em si mesmas (tenho sonhado com gente comendo gente, então), dói-me você. que seu corpo moço, esbelto, suas mãos delicadas, de unhas curtas, seus olhos de ingenuidade não sejam parte da turba que se acabará em si mesmo: seja parte do meu corpo, resistente, de aço, preparado contras as intempéries, resguardado nas quatro paredes. dói-me o mundo, que no mundo, você. dos sons dos tiros cada vez mais próximos, a cavalaria imensa e cega, do estômago vazio, você. tão bonito sorrindo acendendo um cigarro sabe-se lá porquê levando tudo à brincadeira, me acariciando entre as sombras, bonito. você. que precisa vir comigo, que precisa vir comigo, que precisa vir comigo. que precisa estar comigo, onde vedarei bem as portas e as janelas, desligarei de vez a tv e a internet, vedarei a luz e a informação, você, onde nos resguardaremos, celebremos o fim do mundo nós dois: dois corpos nus, as velas trêmulas, nosso estoque de sardinha enlatada. adiar o fim do mundo. o quanto aguentar. você. só com você. e o tempo retroativo, e a bomba retroativa, nada disso nos importará, se aqui, seguros e em carne, estarmos. o resto - as marchas, as profecias, os estampidos - serão nada mais que sonhos, projeções, fantasias, brincadeiras de tabuleiro. o mundo será nosso brinquedo, conquanto amemos. amor. você. venha à minha casa, depois de amanhã às 19h, tenho todos os mantimentos, os cobertores, os ventiladores. te espero ansiosamente.

outubro 24, 2013

primavera

acende o cigarro na boca do fogão, maninha. faz três dias que eu não vejo o isqueiro ou alguém passou aqui e levou, com certeza. senta um pouco, que vida longa. quando acordo meio-dia o dia todo é só uma pré pra noite absurda. mas as noites tem sido um pouco tediosas. luar moroso, nenhum astro-vênus a guiar o meu caminho. a luz do poste amarelada, mofando, esquecida. a mesa de plástico amarela, na calçada, invasiva. gastar o salário em pão amanhecido, maninha, amarelinha pra condecorar a vida. e tudo escorrega devagar, tua mão. a conversa roda angulada. tenho pouco a dizer, invento qualquer. resta roubar esse copo do bar.

setembro 30, 2013

terminal lapa

rua bairi rua pio onze rua tito rua aurélia
rua guaicurus rua john harrison
que matou os gaiucurus amante da senhora
titos divinos por essa e nessa nos fudeu.

paratininga afunda em chuva a primavera desfalece falácia
a lapa não solapa.

setembro 29, 2013

minha quimera

a culpa não me fez. mas persistiu lenta, pastosa, marrom e descendo pela goela pelo corpo degolando as terminações nervosas do meu corpo, sempre trêmulo, nada ereto, nada conciso, fundido com o ambiente, cor das paredes, cor das faíscas dos olhos que me olham calculadamente. os olhos me olham, os beijos no corpo, o corpo profano, feito de gorduras ranzinzas, coisas que ficam, que nunca vão. um corpo marcado, pouco dilacerado, de movimentos mecânicos, fordismo dos sentimentos. um fluxo errôneo, grosso, escorre mas nunca corre.
você me olhou e me disse e eu assenti, sobretudo o cheiro que exalava, que eu não sei, mas conhecia, reconhecia, reencontrava, mas não sabia. de pólvora ou de cinzas, e o corpo outro cheiro de almíscar, de canela, de cravo, de comida, desfruta depois abandona. os cheiros, guardei-os com carinho, com sempre estranhamento, com recuo, da intimidade grosseira, do corpo suado, do sangue lavado, vagina melada tão fácil-tão fácil-tão fácil.
a droga perdeu o gosto e o gosto do mundo, da percepção do todo, do pouco a pouco, inventou o viver de um minuto, do esquecimento perplexo, indiferença estúpida, do ser concreto em mundo. tudo esfarela em pó e pouco, tudo é nada, pedir perdão à deus e ao mundo pelas palavras rebatidas.
esse cubículo tão nosso, de memórias atravessadas, estilhaçadas, pedaços de um outro ano junto dos copos de cerveja quebrados, as risadas, mesmas, a dança para o fim do mundo. o mundo acaba em uma festa babaca, ambigua-se tudo: tudo é luta conflito e tesão. tudo aspira novilhos de lã, filhotes de cabras, ratos pequenos se esgueirando pelos escuros.
as palavras batem e se quebram nos quatro cantos, atingem todos, mas a dança da procriação continua livre, solta, dionísica. tudo é exagero, é desejo, é irrepreensível, é ímpeto. de um lado e do outro o ímpeto que não o mesmo, a maldita individualidade a gritar mais que o coro. se a dionísio oferecemos esta festa, senhorezinhos, triste deus mal interpretado choraria trovões e vinho gosto de sangue. dionísio sobrevive no corpo único não-sóbrio ensimesmado, no plano aéreo de um observador analítico, mas apolo continuará a ditar as regras a moral a civilidade possível. não-gritar-não-explodir. preferi me calar. o corpo dono, finalmente, do destino, se regrado à isso.
a racionalidade confusa e dispersa, estúpida de existir. você me pede explicações, respostas, e eu não sei. você me indaga com seus olhos e eu devolvo a mesma pergunta. prefiro de nada saber. me protejo, de muros construídos com garrafas de cerveja vazias, cacos da fora-rotina, da verdadeira, aquela, aquilo, a que referimos, vida. vida, verdade só possível quando não pronunciada ou pensada, filósofos morrem nas gargantas, permanece a alma deslavada, a não-explicação, o imbróglio caótico.
o corpo vasto e repetitivo de costas curvadas e dores no pescoço gastrite e enxaqueca, virulento de só aspirar, recebe seu inteiro sentido, a que veio fazer, neste mundo: o caso absoluto, o não-saber imutável. mas só muito ocasionalmente. a procura constante pela ocasião de dizer o que se quer, de trepar sem parecer mal educado, ferir o outro, sempre haverá um outro.
a flecha lançada qualquer flecha lançada nesta gente endemoniada fere no mínimo dez e dará prazer para somente um. a culpa que me engole e me faz portar sempre triste depreciativa e indecisa permite-me viver nos dias normais, de amarguras e auto-mutilação. do seu pico potencializada tem de desaparecer por uns instantes qualquer de qualquer-qualquer coisa. desaparece e retorna cada vez mais gigante que é anulada. senhor, livrai-me dessa culpa. dos cristãos, do maldito jesus. dai-me o tempo dilatado e incontrolável do inferno e seu existir só pelo existir, o elixir dos deuses e das paixões devastadoras, durando um segundo apenas.
e eu tão pequena-sozinha, ovelhinha covarde no cerco de arame. berro bé e nada mais. inofensiva de olhos redondos e macio algodão, a besta mora lá dentro, o porco de olhos apertados, o bizu de chifres rancorosos. quisera, você veja, minha quimera.
deixa a marca nos tampos de privadas de banheiros horríveis.

setembro 21, 2013

tempos novos romanos

perguntei por que ela queria mudar de curso. porque audiovisual é triste respondeu.

por que não sai de casa, perguntei depois de três dias inteiros sem vê-la. me vejo feia ela disse parou e completou: e é triste.

ela me disse depois que queria que para o mundo pausar bastasse o semblante triste "a boca oblíqua e dissimulada". a boca, por que não os olhos? estou cansada dos olhos, de falar deles, de crer neles a boca tem me dito mais." tinha ela bocas de ciganas, cantares de cigarras", pois sim. a boca é a vazão d'alma (ou do amálgama?) pro mundo. mas não os olhos, que tudo dizem? eu queria um pouco de, sabe, acreditar nas mentiras, nas mentiras que os outros propõe a ser. são cantos e também são inteiros.

sua boca é sempre triste, reparei. não há como retrucou alerta sorrio muito se você quer dizer que os dentes o meu sorriso não te convence de alegria genuína, não me enrole. quando eu estiver triste, avisarei.

mas passou cinco dias sem dar sinal algum de vida. você disse que avisava lhe mandei mensagens via e-mail. é também um aviso o silêncio, a prece, diga-me, estou pensando nisso, n'a prece, que é um pedido em silêncio, em absoluto silêncio em busca de ouvir a voz grave e onipotente do senhor. ficar quieto, para dar vasão à voz do senhor nos infinitos sons do mundo.

encontrei-a cinquenta anos mais tarde por acaso e lhe perguntei se ouvira em intervalos de silêncio a voz d'omem. ela balançou me a cabeça, baloiçou os beiços e murmurou é triste, mas já sabíamos.

escrito em times new roman.



agosto 29, 2013

é do cheiro da sopa

querida, que saudades. dá-me apertos nos bicos dos peitos só de te pensar. querida. agonia. volta logo para casa. a cama desarrumada te espera. te esquento cuma perna só. querida, sem você, fico pouco. me arranjo debaixo da mesa, com medo. de gato. e o seu gato a me olhar com o fundo dos olhos. não gosto. deixei o bicho sem comer. não vá reclamar. é seu. também não como. só besteiras. acordo de noite perturbado, corro até a cozinha, pensei ter ouvido seu assovio. a cantoria que faz cozinhando às três da manhã. querida deixa disso. dá-me sopa aqui na boca, escorrega no meu umbigo com essa língua quente de tanto provar. cê anda provando demais essas comida. querida, há tempos, sua bunda cresce. quando cê chegar queria me enfiar nela. nunca mais sair. deixa-a grande, não me ouve quando fico amuado. fico mal humorado. falo da boca para fora. mas de boca, só a sua. me engorda. você partiu já há tantos dias que não tenho cuecas limpas. lavei-as hoje. e umas camisas. que é preciso trabalhar. ando trabalhando muito, para não pensar. e que abro a janela chegando em casa. que é pra ouvir o trânsito e compensar a falta. não se preocupe, não entra tanto pó assim. ademais, contratamos alguém para limpar. quero que você tenha mais paz. que seja rainha. como nasceu para. minha. querida, imagine só, levar esta vida. quem me dera, eu pudesse dar. te encher de súditas que te vestiriam, passariam cremes nos seus pés. e você em paz dormiria às duas. depois do nosso amor bem-lavado. uma banheira, querida. é o que nos falta. acho que gritaria menos, você mais. uma banheira larga o bastante para nós. e a empregada a esfregar nossos fluidos. querida, que saudade que me dá pensar nessas coisas. fluidos e tudo isso. seu cheiro, meu bem. promete-me que continuará a fazer a sopa. é do cheiro de sopa que impregna seu cabelo que eu gosto. seu cabelo, seu pêlo, sua porra. te quero aqui, negra e caldo verde, volta logo. antes que o gato morra. ou fuja. volta, se não eu mato. sabe bem que ele não gosta de mim. tem uns olhos bravos. de carinhos, só pra você. e você, não divido mais com ninguém. chega! já é hora de te ter toda. e sem choramingar. quando cê voltar, vai ver a festa que vai ser. eu e esse gato loucos por você. fumigando esse teu cheiro, fuçando tuas tripas. uma delícia. ás vezes o gato me olha e diz que você me deixou. é mentira. você nunca. nos amamos. é amor um laço eterno. e a vida anda dura, mas é preciso aguentar. tudo o mais, eu sei. mas juro que andamos melhor lá no trabalho. a vida vai melhorar. dinheiro, vai chegar. vou te receber com flores caras. é bom um mimo ou outro ás vezes. posso gastar. volta logo. 

agosto 28, 2013

pocahonta

vó índia, te vi hoje nas escadas do metrô. reconheci-te índia pelos formatos dos olhos enviesados, pelo nariz largo, a pele escura. e os cabelos curtos, com umas mechas pintadas de vermelho. índia, seus cabelos. seus cabelos pintados de vermelho, da cor da blusa de frio que usava. índia, não era assim tão vaidosa. a não ser pelo cabelo, bem que sim. depositava um olhar desconfiado a tudo. pensei eu, que não era tão vaidosa. vendo-te de perto vi uma argola dourada na sua orelha. passada a primeira escada rolante, segui eu confiante em direção a segunda. você foi em direção à escada. parecia cisma vontade inquietação de ganhar logo a rua. pegar o atalho mais fácil. a rua, a brisa, noturna. citadina, sim. mas ainda sim exterior. perdi-te. e te perdendo lamentei. que tristeza chamar-te de índia, vó. a pele sulcada de sol e de velhice. de índia, se não sei que índia. tal termo cunhado há tanto tempo, de dores e de generalizações. será você tupinambá, yanomami, guarani-kaiowá, mera tupi, macuxi, gajajaras, xavante ou pataxó? se assim o soubesse, se de você ouvisse, que diferença faria? nada sei se na tua tribo as meninas pescam ou cuidam dos filhos, pintam-se, brincam com macacos, buscam piolhos, escondem-se por um ano inteiro. nada sei, pois tudo que me ensinaram foi pataquadas, generalizações, fazer batuque com a boca aberta a mão, cocar. apressei-me sem contento a sair do metrô e visualizei você do outro lado da rua. como quis te encontrar e te parar e te apreciar. e sobretudo pedir perdão por não saber. por gostar de índio desde pequena dos documentários de tv que muito julgava o bem, mas que me fizeram especialista em nada, defensora de ninharias, distante o bastante para nunca. bem que você sabia que um dia, quando pequena, andei com meu pai distância enorme, quinze quilômetros, a procurar uma tribo de índios no guarujá. lá chegando dei de cara com casas metades casas como as minhas metade palha. fiquei triste tristinha me senti enganada, ó eu, tão judiada, como vocês indiozinhos não se manteram a ferro e fogo o que são pra mim ó eu branca descendente de europeus, índios como índios são nos livros? entrei na casa do pajé, a única inteira intacta, assim media completude, comprei bugigangas, colar de sementes que perdi, um chocalho que meu irmão ainda brinca, achei mal cheiro, me fui. diga, vovozinha índia, conto-te tudo porque preciso pedir perdão. olhei-te tanto a atravessar o sinal que você me olhou de volta. os olhos negros as argolas douradas a pele de cor-queimada. inventei em romance que me invadia a alma, mística, cósmica, fogueira e feitiço. pocahonta. mas tive que te abandonar à minha vista, pois precisava ir na farmácia a comprar absorventes. absorventes, coisas estúpidas, feitas de algodão, plástico não sei o que lá, o que é vocês índios faziam, havia de ter algo mais inteligente que isso. comprei obs, veja bem, que é o que dão a entender que mulheres mais inteligentes compram obs. não sei bem porquê. entrei em casa pensando em você tomei banho quente pensando em você pensando que talvez uma ducha quente seja bom para todo mundo, nesse frio, são paulo, não mais de paratininga, da onde você é? com quantos anos veio? pataxó, xavante, guarani. não faço a mínima ideia. mas a tinta vermelha do seu cabelo, urucum não, talvez tinta de farmácia com alguma magia. era vermelha mesma, não dessas ruivosas de velhas pimponas. um milhão de preconceitos prescrevo. como é difícil escrever sobre você, vó índia. vai com os deuses que não sei quais são. fico eu cristã burra universitária triste de saber o mundo só um pouco, bem pouco, tão pouco. olha-me de novo. esses olhos não me enganam. são de.

agosto 23, 2013

poeminha paulistano

prometia a tarde noite tenebrosa
chuvas tristes e pontes alagadiças
as pessoas murmuravam subúrbios
e murchavam morosas de antemão
a densa fumaça de nicotina totalitária
alertava o caos escuro da tempestade
os pássaros ressabiados se escondiam
e seu canto púbere não se entoava
cães ganiam gemidos e preocupados 
escolhiam túneis, viadutos, telhados

em vão.

a tarde se finou, enfim,
em esplendor
presenteou às criaturas vivas 
o halo da brisa.
o céu azulado e as folhas das árvores
enfim calmas.
quieta e tranquila a tarde
caiu em beleza.
e a tempestade que assombrava
se dissipou.





agosto 15, 2013

release do nascente

fezes foi o termo que encontrei para juntar tais textos sob uma ótica. fezes, não no sentido escatológico, mas sim na sua função primordial. fezes como o produto de um processo de digestão.

o processo de digestão, como aprendemos na escola, tem seus nomes e suas etapas. o tempo decorre em torno de um objeto esquizofrênico, em que precisei escrever para engolir. o resultado não é nada mais que a colagem irregular de pequenos processos. um registro em fluxo de consciência.

as fezes pode ser lida em qualquer ordem, assim penso, já que provém de um blog. e o blog define o formato dos textos: curtos, com erros, despreocupados com diagramação convencional e possibilitando uma leitura não-linear. 

o produto que apresento, as fezes, começa a partir do seu fim. é a partir do fim que é possível reorganiza-los a fim de dar alguma coerência. chegar ao começo de tudo não é necessariamente compreender o todo; mas o fluxo de consciência ganha a dimensão de memória.

as fezes quando não descartadas, mas salvas, em uma compilação de textos - que se pretendem dialogar entre si. e que, vivas como um único bloco, é a prova da memória sempre em fluxo.

mariana.sral@gmail.com
azulou.blogspot.com

(um cigarro antes e um depois para suportar e entrar no jogo; voilà, oxalà, etc.)

agosto 13, 2013

e até

olá querido, tudo bem? uma puta saudades de você andei sentindo, meio assim, e pensei - por que não? lhe escrever umas boas doses de palavras. sei que não fomos íntimos não sei nem se chegamos a ser amigos lembro-me de uma empatia estranha, querido, chegávamos a comentar, certa vez, talvez, que viemos do mesmo planeta: nesse universo enorme eu e você do mesmo planetinha. que besteira. essa mania de se achar alienigina, estrangeiro, fora de tudo, fora do mundo. você usava calças cáquis, é certo, é certo que quase ninguém as usava, não sei se fora o suficiente para ter vindo de outro planeta: cáqui e mosquitos de bunda laranja, boas doses de suco cítrico venenoso, ein? é certo também que você, querido, vinha de um lugar com nome e sobrenome, e tinha família, ascendência de não sei aonde. já eu vim dar umas voltas por pasárgada. que bobagem. vim dar umas voltas por lugares que não é bom citar: a definição é caga-regra por natureza. mas tudo anda a tudo bem. não há aqui mosquitos coloridos, muito menos vaginas coloridas. tudo anda a tudo bem. as vaginas são as mesmas, com as suas devidas diferenças. é curioso notar que uma vagina não é classista. não sei como devem ser com os pintos, talvez o mesmo. mas os pintos se erguem e saem, exteriores igual alieniginas, tem manias de se achar extra, de se achar out. um bando de bobagens, essa minha cartinha irônica, mas cheia de amores, espero que você entenda, relembre o tom de voz que uso - não quero ser a essa altura da vida, de jeito maneira, mal interpretada, se é que me entende, os conflitos me desgastam. se é que me entende, estou usando muito o recurso de ser entendida, com poucos palavras, quero deixar tudo às claras. espero resposta muito em breve, com algumas coisas metafísicas aqui e acolá, mas principalmente, me conte alguma coisa concreta, sua mãe, sua namorada, seu chefe. anda difícil pisar em ar. muitos beijos e até.

agosto 08, 2013

veja meu coração, quanto tempo. é preciso dizer algo alguma qualquer. não se deve dizer nada quando não se tem? se tem, ah sim, mas é que o. estou a falar de coisas clichês. engasga a garganta. 


a autocrítica insuperável, a perda depois de um possível obviamente falido prêmio. quatro mil era minha passagem pra bolívia. para comprar. é.


mas que adianta, senhora, sua burra, sua birrinha de merdinha. se autocritica mas só sabe escrever de si, então. então? ah. cala. não é possí


tudo desmorona e o sono. queria escrever uma carta para uma amiga, não consigo. para várias. oquedizer? que os meus olhos, então. ah.

foda-se essa coisa de olhos sua

estúpida!!!!!!! tudo sai ruim. socorro de eu euzinha euzinha coração encabulado enclausurado socorro a mão mãozinha que a água águinha égua e éguinha trotam e afogam desfolegam, meu deus!


me paguem pra eu escrever melodramas. mas me paguem, porque essa idiotice coraçãozinho sofredor tristezinha de janela abre o ruído dos carros lá fora e o vento arruinando arruinando arruinando e seu olhar preto sobre mim: que diacho que todas elas tem olhares pretos pra cima de mim.


arruinando arruinando, que porc. porca. ruim. que chatice. pára. não sei mais talvez se eu tentasse, um gênero policial? marcos saiu do trabalho às seis, chegou em casa e encontrou o filho trepando com o. namorado. cachorro. deu um tiro. no. namorado? cachorro? o filho miava. tinha problemas retardatários. alguma comissão de diretos irá me julgar, sim sim sim sim, esfregou as mão silenciosas brancas a pedra preta do anel refletia a maldade jugular dos olhos de marcos. pegou o. filho, namorado, cachorro, a comissão de direitos humanos. trepou.

que babaca trepar e trepar você diz escreve. uma adolesc. ah!

não-é-possível, não sei pra quem faço isso agora
agora acho que é só alguma necessidade babacas
de ver as letras sendo escritas nesse espaço bran

mas nada, nada, nada, nada, nada nenhuma conclusão nenhuma lamentação nenhuma narrativazinha. a salvação............. perdida. tudo aqui, pode entrar, é varejo. varejo eis o nome do texto. pode conferir, surgiu agora. varejo. só não tenho certeza se varejo é o que eu quero dizer: aquilo que se vende de monte ou se isso é atacado. mas como varejo veio primeiro foi. eis aqui a gênese desta merdinha que lhes escreve para si mesma mas esperando o outro os olhos pretinhos espreitarem zouidinhos. gênese da farsa, da idiotice.

FELIZES SÃO OS IDIOTAS.

tenho que me controlar pra não escrever frases babacas e de efeitos efeitos efeitos onomatopeias bestas e etc. e etc também, etc. sem etc e etc. e sem meta-piada. sem sem sem sem sem. e repetições escrotas. isso não é um poema prosa prosa poema você. é. banal.

e também pra não auto depreciar fingir dózinha ai.

resta parar. PARA. para.! 

julho 10, 2013

ensaio para vômito

eles quiseram que eu falasse de mim. eu só sei falar de mim se falar a você. desde quando então que descobri que a única forma de escrever seria escrever para o outro. o outro, você, um ser irreal. virtualizado. eu não sei. escrever ao outro é prescindir de uma existência mas também da sua distância. da sua falta de corporalidade. o outro para quem escrevo, existe, de fato, mas também não: nunca poderá existir.

abrirão-se buracos negros de infinito azul e monstros comerão o outro quando diz, que de fato, existe. e que me lê. e que me vê. não. vê as palavras flutuando. mentiras. adjetivos cafoninhas.

talvez eu tenha parado de lhe escrever, mas também de ver seus vídeos, suas fotos. me dói muito pensar na quantidade mínima de registros. vou reconstituir as falas e todos os. o que faço com as imagens? é preciso que elas existam em mim. ah pequena. ninguém deverá sentir pena de você. a falta dos cabelos, tudo. os olhos. 

os olhos! sei lá. perder-te só fez afundar-me mais em mim. chafurdar nessa que sou: e que mal tem de mim aqui. nada. mas é impossível: tudo me leva à descrença. ao risível da existência, o outro. o espaço o espaço o espaço o espaço. mantendo-se seguro sozinho CUIDADO CÃO BRAVO e chorando silenciosa enquanto bate siririca. que bosta.

junho 16, 2013

a besta

costas largas e ladras exercitam-se e excita o pudico de olhos claros e embaçados que mal vê se não a grande massa concentrada indo para frente e para trás para frente e para trás. a repetição cíclica parece besta, ao menos, besta como fera, diaba. a repetição vai de 0 a 1, a imitar os tempos do infinito, então - se é possível. e se não for, retoma os pensamentos, o franzino mordendo o lábios entre os dentes pequenos e roliços, se não for possível chegar-se a o infinito: de quantidades e qualidades, então entreguemos tais tempos tais exercícios tais costas ao inferno. isto aqui está um inferno, concluiu limpando a sujeira da rua das vestes bem passadas pela boa empregada, uma branca vinda do paraná que falava pouco e calculadamente quando a passagem do ônibus subia, o gráfico da inflação no jornal atingia níveis estratosféricos - diga-se fora do limite da tela da televisão. e inferno sendo, de brancas irritadiças a labaredas incontroláveis, tais costas subindo e descendo sem forma nem nome - parece não pertencer à corpo algum, parece não aceitar a existência do nome próprio - se faz a besta. a besta não é, nunca foi, o mal por si, per se, por sua índole, e sim um grande, uma coisa, indefinida, mais como um chuvisco, uma neblina quando se desce a serra, os carros buzinando e a noite se adensando, sobe à garganta um medo, um mal, insuspeito. ele não gostava de coisas que não se definia e por isso procurava, agora andando com os pés chutando a sujeira comum da rua, palavras, motivos, indagações, mas subia e ia aquelas costas magnânima e magnífica, de um encantamento despudorado que só pode ser concretizado no máximo torpor que o ser normal se digna a sofrer: excitação, dor, prazer, ereção. correu ao banheiro para se limpar, agora encabulado e de pálido tornou-se rosa, e voltou com os olhos baixos, que só da imagem se recortar à sua frente tinha medo novamente da coisa que viria: proporções que a mente não acompanha e que passa direto aos poros da pele, às sensações primárias, urrou de infelicidade animal e incompetente. com os olhos baixos e apenas mirando vez por vez, procurou os nomes e as definições das costas, da turba. sem nada encontrar e prestes novamente a fugir da mente qualquer segurança moral, olhou fixamente uma única vez para quase morrer dessa culpa alagada, gostosa, dolorida. então, sem se limpar, ligou para os homens e mandou mantar. o quê, perguntaram os homens, pequenos homens, aquilo aquilo, aquilo que se exercita, agiatava os braços em desespero e os homens, sem saber, explodiram o que havia a frente e tudo que se movia. acertaram. a besta é tudo e una e o inferno nada mais que a besta em si - pronunciou pomposamente o franzino e se retirou com as calças molhadas o suor na testa o lábio a tremer.

maio 22, 2013

sereia

que é? você me pergunta de olhos abertos.
que olhos abertos. arregaçados de tanta vista, cerrando-se por deboche.

as unhas, os pelos pubianos, os cílios.
e o dedo trêmulo a passear pela viscosa textura dos lábios. os lábios! antes dos beijos.

e lastro. patina desengonçada em terra.
o gosto salgado das escamas da sua cauda marinha, não por acaso, me embebeda.


maio 12, 2013

a avó e o menino

tinha medo do barulho que o skate fazia. as rodas agressivas sobre o asfalto. ela que é só pedestre e nada mais, e andava com seu passo miúdo, no máximo fazia ecoar o som das chinelas. vru. era quase como carro, mas na sua mesma via, rápido e certeiro. se encolhia tímida. era uma velhinha frágil, que levava uma vida melancólica, da padaria para casa, por vezes à praça e não tinha amigos. nesses tempos moderados, devagar, de poucas paixão, o único que lhe arrebatou seu coração era o neto. um menino robusto, que ela descrevia com uns traços fortes, coisa vinda não da sua família, e que a assustavam ao mesmo tempo que lhe criou um amor incomum pela criatura. como se apaixonar fosse só o que era porque havia algo ali que não lhe era familiar. e lembrava o som das rodinhas agressivas, do freio ao parar, ali na sua casa. mas entrava manso e tímido, falava com o canário e ela resolvia botar água nas samambaias. a parede de tijolos e o chão de caquinhos e as samambaias verdes vivas. a casa vivia na temperatura morna e ela lhe tomava as mãos frias, fazia café fraco. tomavam um olhando no olho do outro, falando baixo e pouco. não gosto disso aí que você anda. é mais fácil, ele dizia, segurando o boné com as mãos, menos por respeito mais para que ela pudesse percusionar seu rosto sem interferência de sombras. deite aqui. deitavam e ouviam a velho rádio do avô morto. ele demorou muito tempo para se decidir ir. se a cidade não lhe agradava, os pais e as manias nervosas, a maconha no sopé do morro com os meninos da sua idade, e aquela paixão virtual pulsante, uma menina não muito bonita mas que tinha grandes sonhos. demorou tempo por causa da velha, queria esperar que ela morresse, por mais que doesse esse desejo. mas ela não morria. vivia até, e vivia por ele. e mesmo assim, não lhe contava quase nada da sua vida. o pai guardava rancores, vez ou outra citava os desarranjos da velha que um dia fora mulher. ela mostrava algumas fotos. mulher bonita, isso sim. uma vez se viu pensando na avó, a noite alta entrava pelo quarto, o gozo saiu estúpido e sem culpa. deitou-se no colo dela, as mãos procuravam os cabelos, ouviam Chopin. ia em muitos concertos, quando nova. e parava por aí. um dia quis lhe mostrar a música que ouvia, música pesada, a avó, para dizer que não gostava, foi fazer mais café. é preciso dissimular muita coisa para te amar. mas eu continuo. mas ele se fazia dissimulado, também. era como partilhar de diversos mundos, ser outros para ser amado. quando disse que ia, ia embora com uma menina, e previu as primeiras lágrimas, contidas como seu falar já tinha o discurso na ponta da língua. vó, eu só sei amar porque você me amou. 





estava no rio de janeiro quando recebeu a notícia. sabia antes do telefone solene tocar. a marcha fúnebre em ring tone. sabia porque tinha visto ela de noite. fora dormir, irritado, em separado da menina em questão. quando sabia-se irritado, recolhia-se, para assim evitar conflitos. sempre o fora assim. e ela lhe apareceu, não calma e sorrateira como pensou que seria, mas um pouco desesperada. a solidão lhe amargara. estava mais velha, mais feia, mostrou um pouco dos dentes amarelos. a sua avó, voltou a fumar, voltou a beber, se foi. chorou consternado. se sentia culpado. a mãe ralhou para ele voltar. que adiantaria ver a velha estendida no caixão, fria, os olhos estagnados, não mais ansiosos para procurar os ruídos do seu rosto. e reclamar de taquicardia quando ouvia o som do seu skate estacionando. nada. disse que choraria sozinho. abandonou a menina, que mal fizera questão. foi andar na praia, ver as luzes da encosta do morro. cidade bonita, serve para nada. a mágoa não se desfazia. e então, ela voltou. pousou do seu lado. pegou nas suas mãos, não estavam frias, ainda bem. não era para você estar no seu enterro, a olhar os parentes? que adianta. a avó o seguiu. e ele seguiu a avó. seguiu do mesmo jeito que ela, sem entender direito. você pode ir comigo para o piauí? a menina disse, um dia, acordando cansada de repente das luzes do rio. se minha vó quiser. ela o olhou e não compreendeu. filha de militar, aversa à todo tipo de cristianismo, não entendeu. isso não é Cristo, Eulália. meu nome é Daniela. me dá uns dias. e a avó continuou lá, a observar ele fazer o café, a observar ele bebericar o café, mas ele não conseguia lhe falar como é que ia se mudar de novo. escuta, Daniela. minha avó anda muito cansada, não consegue andar. tem as pernas fracas já, o passo miúdo. não lhe serve até a padaria? ela foi embora desprezando-o. era dois anos mais velha e chamou de imaturo. maluco, nunca. cristão estúpido. 




ficou ele e a avó, naquele apartamento que não era nenhum deles. pouco a pouco, trocou os postais e as pinturas, colocou as samambaias. comprou um canário clandestino, cor de abóbora. colocou na sacada, aguava as plantas, aguava o canário. entregava jornais. voltava cedo, com alguns exemplares e lia em voz alta para a avó. uma prática que construíram nos tempos póstumos. tentou escrever alguns artigos, lia para a avó. ela sorria e aprovava. colocava Chopin e escrevia sobre a cidade. na redação, lhe disseram que aquilo não parecia o rio. tinha certeza que moravam na mesma cidade? as árvores frondosas que abrigam os moleques doidos por maconha não eram muito cara de cartão postal, nem mesmo tinha fundo crítico algum. nunca publicou nada. deu de ombros. mudou de emprego, fazia café todos os dias, e alguns bolos também. aposentou de vez o skate, vendeu-o e comprou um sofá acolchoado. deitava-se com as pernas para cima e a avó lhe fazia os costumeiros cafunés. foi encontrado sozinho. sozinho para a padaria, sozinho para ver o mar se arrebentar na noite. a rememorar a noite que ela lhe apareceu: ali estava para que ele não sentisse culpa a vida toda. a vida se fez grata e grande para os dois. foi boa, mas foi pequena. me conta de seu passado. ela balançou a cabeça, os ralos cabelos soltos e grisalhos balançavam docemente quando o fazia. não importa, nada mais importa. 

maio 07, 2013

dos olhos, dos pintos

homem, pobre do homem, eu que te desejei, e te olhei, e te despi. pobre do homem, pensei eu, que não tem os seios à vista, a pele dourando na revista. que não é comido cobiçado pelos olhos, de uma paixão devastadora, do homem que não recebe declarações eróticas de amor, do homem que não se ouviu falar dos pintos grossos ou pintos tímidos da cabeça assim e assado se a mulher centro de todas as atenções recebeu: olhar pincel escritos estrelas. se no pedestal e ludibriada e lúgubre e lubridificada a mulher não se lambuza se chamusca nessa toda sensualidade colocada, se de desejos e inventários se faz musa magnânima para se tornar nada, escorraçada, latindo e de nada sofrer a desventura o desespero a ardência de querer ser olhada para desejar de tamanhos imensos, mas o homem. pobre do homem que não sabe da virilidade da paixão do desespero de não ser por outrem desejado e assim perder pouco a pouco o poder da sua ejaculação: sempre infinita mas finita sempre se faz se estimulada. então te desejei, te despi, e sentei atrás de você para que não me visse mas eu visse a você e pudesse admirar a sua corpulência os seus pêlos o seu cheiro seu escarro toda a anti-higiene que me estralava a língua nos céus da boca e eu quis te dizer: pênis bonito sim senhor e pernas bonitas e veja só você modelo másculo estampado nas capas de tudo veja você objeto de desejo de um mundo você enquanto gênero, mas no fundo, indivíduo. indivíduo. quis te comer para você saber como é, se pobre do homem que não tem, em si, a maior desgraça de uma mulher, do desejo enfurecido, violência cotidiana, do desejar em infinitos e de uma saudade que se instaura nas mais velhas às mais feias: uma saudade de ser desejado ainda que nunca. quisera eu que pudesse sentir a nostalgia que rasga a garganta de ser desejado por todos outros, mas eu não pude o bastante, se não com meu olhar e minhas mãos fazer te sentir desejado em seu corpo monstruoso, gorduroso, totem dos valores, recheio de odores, das imperfeições maníacas e neuroses descaradas, das recordações infantis, dos medos púberes. pobre do homem que não sabe, e quando é, não se sabe, desejado, em instância máxima, corpo e alma sendo alma nada mais que o grosso do corpo, a carne e a cor dos olhos, o tom da voz grave que faz tremer os clitóris desavisados, que como pintos se eriçam também se eriçam também se eriçam. pobre do homem que não sabe sentir a inveja e o deleite que não entende o tesão da auto manipulação que nunca tira a roupa devagar fazendo mistério jocoso e doce de um jeito estúpido. pobre do homem que sempre tira a roupa da outra, que sempre olha a outra, que no alto do estado, em rei, deseja e não se faz ligar por ser imensamente desejado ou repugnado, que, em rei, não se importa se não a colecionar súditas vê-las dançar serem picadas por suas cobras treinadas, em rei, se faz imponente e por isso impotente, grande mas tedioso, procurando no desejar, sem saber a doçura do desejado, da passividade, de ser comido de ser comido de ser comido de todas as maneiras, dos olhos, dos pintos.

abril 01, 2013

quando o mundo acabar, me dê um toque

tenho a impressão que se o mundo tivesse acabando a gente continuaria aqui, mas tá, não tá? tenho ouvido uns ruídos, uns barulhos esquisitos, sons de demolição, outro dia até ouvi gritos, pensei que vinha dos seus pesadelos, você anda sonhando muito alto, sabe? ás vezes acordo com os gritos das suas criações do inconsciente, acordo com o sangue, com os tiros, e vem tudo de você, do seu sono calado, do seu respirar ofegante. que estranho, já eu nunca ouvi nadinha vindo dos seus sonhos: é que eu sonho pouco e quando sonho é uma paisagem tranquila, uma ilha deserta, tem cheiro de mar, gaivota ao fundo, gaivota nunca ouvi, no máximo umas andorinhas piando com seu passo tímido, maritaca, talvez, maritacas? as últimas que vi no céu ouvi três tiros e caíram as três estiradas no chão, mas quando é que você abriu as persianas e viu o céu que eu não estava com você? é verdade, talvez tenha sido um sonho, ou um sonho acordado, uma projeção cruel, mas veja, se a gente afastar um pouco as persianas, só um pouco, posso lhe mostrar a marca das três maritacas mortas: você acha que elas deixam marca? marca sim, sangue e talvez uma fita zebrada, uma fita crepe, sabe, não sei, andam se importando muito com as maritacas elas tão se acabando se extinguindo, você não sabia? deu na televisão outro dia. e eles vão criar viveiros, viveiros enormes com as últimas maritacas, mas quando é que passamos a viver num mundo onde as maritacas são extintas, meu amor?              não sei. pensei que extintos eram esses pássaros exóticos amazônicos, as ararinhas azuis, você lembra da minha história do meu tio que tinha uma ararinha azul, sim no sítio em lagoa azul, lagoa azul é o filme, lagoa prata é o nome, verdade sempre me confundo, pois então, tinha a ararinha azul presa numa gaiola, uma peninha, sim, ela te olhava com olhos tristes, sim, com olhos de extinta, e vinham contrabandistas estrangeiros, aqueles encapuzados, sim os encapuzados que chupavam sangue, não, não não zombe de mim, eram mesmo encapuzados vi com esses dois olhos, eram gente como a gente, mas tinham grandes capuzes e uma maldade no jeito com que abriam a boca e o meu tio, o seu tio, sim, o meu tio nunca vendeu a ararinha azul, era o xodó dele, e morreu, morreu de tristeza, não foi? não sei, não sei, eu te disse que ela morreu de tristeza? uma vez disse sim, me lembro bem, morreu de tristeza, ora, eu fico muito triste quando penso no meu tio sozinho naquele mundaréu, naquele latifúndio infindo, quem sabe se a gente desse uma maritaca para ele, você animaria de caçar uma? acho que a gente pode abrir a persiana um pouco, ver se passa uma rasante, você acha? não sei, tenho tanto medo, a luz invadir nosso espaço tão nosso, ora, não fale besteiras já é noite, e as luzes dos postes, você sabe bem, as cidades não dormem, as iluminações, elas são eternas, meu deus, elas são eternas tremulantes e amarelas, mas estão aí para ser eternas, e se as lâmpadas cansadas queimam, chegam homens e eles as trocam sem que a gente perceba: e o mundo segue seu fluxo eterno etéreo, como se fosse normal, como se fosse normal! bem, eu acho, acho que você anda muito mesquinho, muito egoísta, pense no meu tio, pense no meu tio sozinho, mas meu amor, você não sabe o que pode acontecer, veja só um pouco, bote o olho aqui: está tudo escuro feito breu, acho que os homens não trocaram as lâmpadas dessa vez.    sem dúvida, está escuro como breu, vamos ficar aqui um pouco fazer o olho se acostumar com o escuro, que sensação boa e flua, as formas vão aparecendo aos poucos, alguns contornos, meu amor, eu não vejo nada, você vê? na verdade, não, você acha que o mundo pode ter acabado enquanto a gente estava aqui? é possível. ai meu deus, o mundo se acabou e eu dormi tanto eu dormi tanto essas noites, pare, não adianta mais, mas você acha mesmo que acabou? olha se acabou eu não ligo, eu estava aqui, com você, se acabou de bomba nuclear, olha: construí essas paredes bem isoladas estamos livres tão livres da irradiação qualquer possível, no mundo, ai meu deus, você acha que acabou mesmo com uma bomba nuclear, que antiquado, que chatisse, que guerra fria, em que ano estamos para nos preocupar com isso, irradiação, não sei que lá, não inventaram nada pior desde então? talvez a extinção das maritacas, ah não fale assim, eu tenho medo, o meu tio, será que o fim do mundo chegou a lagoa prata? não, meu amor, se acalme, nada chega lá, muito menos o fim do mundo, ora você vive me zomba demais, estou com vontade de sair um pouco, ver o mundo, como é que está? mas que mundo. ah, você não levou a sério essa coisa do mundo acabar, sério, sério! fazem profecias sobre isso há tanto e tanto, veja, eu vou ligar a tevê e veremos: catástrofes catástrofes catástrofes um fim de mundo total, mas o mundo lá, gozando, gozando de nojo a cada instante, aposto. veja corra, corra, corra rápido, que a tevê, a tevê não liga, o que é que você fez, você deu umas marretadas nela aquele dia e agora não liga não liga não liga, eu não dei marretadas algumas você está maluca você sonhou com isso não me venha dizer que não sei o limite de realidade e sonho eu sei muito bem o louco aqui é você que pode ouvir meus pesadelos eu ouço os seus pesadelos, os seus pesadelos, porque estou dentro, dentro de você o tempo inteiro, tire essa coisa de mim, tire, tire tire, tire, olha o que você fez: com essa história de olhar para fora, estamos brigando, estamos tristes de novo, você disse que isso nunca mais aconteceria, você disse você disse você disse eu estou desesperado, ora, você é louco é louco onde você queria chegar onde? em lugar nenhum se não em você. venha ligar a tevê, eu não estou gostando dessa brincadeira do mundo acabar, eu não estou, eu nã-ã-ã-o estou, oh não, pare de chorar, pare, eu nunca mais queria ver essas lágrimas, eu não-não aguento, pare, então ligue eu quero ver, eu quero ver por favor, você vai nos destruir se ligar, EU JÁ ESTOU DESTRUÍDA. é isso, a tevê é isso: o quê? a tevê é esse breu? é, olhe bem está ligada, e aqui um logo, me parece uma transmissão ao vivo, como ao vivo, você é besta onde está tudo? tudo, tudo o quê? as gentes, as catástrofes, as chuvas, os pobres choramingando, a apresentadora loira de biquini, onde está? as maritacas, a notícia de sua extinção, meu tio triste triste empalhando a ararinha azul, onde está? não está, é tudo breu, parece tudo breu, o mundo ficou assim: é o fim É O FIM? e não noticiam o fim, como não noticiam o fim, onde estão as legendas? meu amor, se matam e morrem, sobram as câmeras, vão se as pessoas, as legendas, tudo, a transmissão é essa: o que restou do mundo, mas isso é nada, é nada, é nada, é nada, é nada, é nada, é nada, é nada, é nada, é nada, é nada! o breu é alguma coisa, ora é o caralho, eu queria te mostrar umas coisas, uns vhs que eu tenho aqui, quem é que tem vhs quem é que tem hoje em dia quem é que tem, tenho aqui uns que filmei o seu tio, o meu tio? o meu tio o que ele fazia com a sua ararinha? a minha ararinha? a sua azul azulada linda olhos tristes olhos tristes de estupro, cale e essa boca, cale imediatamente, o que você está fazendo comigo? a culpa foi sua inteiramente sua que quis caçar maritacas, ver o mundo, a culpa foi sua toda sua, que disse que o mundo acabou e ele mesmo acabou, meu deus, e meus irmãos os meus amigos a minha mãe? ele realmente acabou e ninguém me ligou pra me avisar.

março 30, 2013

abóbora

cor de abóbora. cor de abóbora os pastos, cor de abóbora os ladrilhos do teu prédio. cor de abóbora. sorriu-me e um dente estava todo pintado: cor de abóbora. que é, perguntei, que é isso, lambi. depois sumiu, ficou elas por elas, cor de dente, de nada. mas antes, eu te disse, antes era abóbora. abóbora grande e vermelha. vermelha só como uma abóbora pode ser. cortada com aquele sorriso cínico do halloween das crianças de nova iorque. ora, temos halloween aqui, disse entredentes, estupefata, etc e tal, mamilos arrebitados (será que estava excitada?) conte-me mais. eu e as crianças do meu condomínio. ah sim, eras de condomínio. sim, de casas. eu e as crianças saímos às ruas a pedir: doces ou travessuras. mas quem é que primeiramente traduziu assim: doces ou travessuras? podiam ter dito doce ou brincadeira doce ou benzedeiras doce ou perversidade. perversidade, sem dúvida. se bem, que não fazíamos nada. ameaçávamos, e era o bastante. e que faziam? fiquei repentinamente obcecado por aquela imagem dela pequena, os cabelos curtos à moda da época, o vestido cor de abóbora com estrelas douradas, a abóbora cobrindo a cabeça (como é que via os cabelos? via a avó dela a ajeitando com cuidado, passando sombra dourada nas bochechas e a mãe batendo-lhe, dizendo alto para todos ouvirem, ai essa velhinha esquizofrência, como se fosse fofo, como se fosse fofo). ela disse que as crianças percorriam as ruas seguras, bem verdes de árvores bem plantadas, as casa bem estruturadas, pintadas, etc, etc encanamento todas tinham? ela me olha com olhos de outro mundo, acho que não sabe que não há casas sem encanamento, encantamento. e como conheciam cada velho cada pai cada um daquelas casas decrépitas de alma, iam de tortura ingênua, ou assim apelidei. ameaçavam afogar o yorkishire do dono ciumento, que escondiam por uns quinze minutos e tapavam-lhe a boca (mas nunca nunquinha os machucamos, ela disse, sincera e aguada). ameaçavam quebrar a fonte de água de mármore com um bastão de beisebol (beisebol, minha querida, também não é muito comum por aqui). ameaçavam com pedras quebrar janelas de vitrais caríssimos de uma carola que fazia da sua casa sua própria igreja católica (se pudesse lhe aconselhar hoje em dia virar protestante muito mais se acomodaria a seu modo de viver a vida). ameaçavam destruir as flores intercaladas, de rosa e amerelo, de trocar as cores, de arrancar as mudas, de pisar nos holofotes, de trocar pedras brancas por pedras comuns, ameaçavam arrancar as maçanetas e deixar as portas das casas as intimidades todas expostas até mesmo queimavam camisolas caríssimas roubadas pelos próprios filhos e os próprios filhos sabendo dos segredos e dos rumores diziam saber onde é que se escondiam as jóias e os diamantes e diziam saber que se podia enterrar noutra vizinhança, um amigo uma vez disse: vender na televisão, ha ha ha ha ha ha ha ha ha ha ha ha ha ha. por mais que as crianças rissem rissem rissem abóboras pequenas e redonduchas cruéis por diversão os pais achavam que havia alguma possibilidade real e corriam a esconder as jóias em cofres e etc e longe do alcance dos pimpolhos nestes filhos não há de se confiar. mas, lindo, são eles herdeiros da sua adorada herança não são? calados e calados ouvíamos o zumbir da noite que nesta parte da cidade, ela me disse, é intenso, a noite ainda é escura, a lua ainda brilha forte e ás vezes amarela, e os grilos e corujas e morcegos piam e farfalham as árvores. ai, você precisa ver: é como viver de novo, o campo, a roça, a vida de verdade sabe. sei. beijava os olhos dela quando ás vezes não aguentava de tanta ingenuidade destruidora. você continua assim uma criança abóbora. abóbora hahahahahahha hihihihi huhuhuhuh. ela ri alto alto alto. abóbora, como você é engraçado. você sabe que hahahaha começava a rir os pais colocavam as jóias em cofres então veio o presidente e tirou-lhes tudo tirou-lhes tudo tudo e eles perderam e tudo que tem são os gramados extensos e mal tem dinheiro para pagar o jardineiro. e ela começou a chorar, primeiro timidamente, depois de um jeito desesperado. você me acha mimada e aristocrata você me acha branca arrogante e classe especial mas meus pais choram choram a grama toda alta lá em casa, um capim só, não sabemos o que fazer. não tem dinheiro, não tem jóias nada. hoje em dia, voltei lá, havia um aviso: PROIBIDA BRINCADEIRA DOCES OU TRAVESSURAS. proibiram, viu? proibiram porque levou a miséria todo mundo. mas era uma tristeza tão cega e real que eu me redimia e dizia que podia ir lá cortar grama para os pais dela e ela ficava feliz porque no fundo se redimia das suas travessuras. mas eram só ameaças, é lógico, um pouco sentimentais, mas o que mais podíamos fazer? éramos ricos e entediados. e a lucidez dela me assombrava repentinamente, eu não sabia mais o que pensar: se lúcida se ingênua se arquétipo se mascarada, que é que você tem, eu repetia, beijando o corpo branco e macio da minha donzela. tinha uma abóbora na cabeça, fazia os dentes abertos parecer a boca reprimida em si mesma e o pescoço alvo e alto como se tivesse esticado, mas assim nascera: aristocracia de pescoço, ria divertida, aristocracia de. comia-lhes as abóboras, as viscosidades da vagina, os pêlos como de uma abóbora cozida e dizia lambuzado: é abóbora, meu amor, você por dentro: é abóbora. 

março 10, 2013

de agosto

você fazia sexo dentro da televisão e com a televisão e o chiado os vizinhos ouviam. aquelas mil formigas que piscam em multidão. e fora dela gritava palavras de ordem. limpa, aqui, desce. fora. os carros não paravam de zumbir lá fora e você gritava, quantos decibéis? me olha com seus olhos de agosto. de cão enlouquecido, macaco bravo. chiava água esparramada no elevador. e a imagem refletida te repetia o que não se esquecia. engolia as chaves de casa e voltava choramingando para a minha cama. se metia nos lençóis amarelos. espinafrava o nariz gripado. me deu a mão, disse, vamos indo. me olha com estes olhos molhados. espirra esta água de ti, que não me aguento. e o riso continua na boca. que dentes lindos, moça, te disse a primeira vez. brancos e brancos. e um pouco pontiagudos. era vampira de políticas externas. me conta: fiz sexo com o vizinho. como se eu não morresse de ciúme. fiz sexo com o vizinho, na escada de emergência, a gente se encontrou, se olhou, não teve jeito. ele disse: que peitos grandes. você acha, grandes?uma ova. você os engrandeceu com os anúncios de silicone na tv, de tanto que os consumiu. depois de um tempo, dormindo, desconfiei da veracidade. contei-lhe as dúvidas: você disse, faceira que só, calma, baibe, era só uma emergência. uma ova. não se faz sexo com o vizinho uma vez só. e de que corrente ele é? elétrica. sorriu amarga. devolve o olhar de agosto que te conheci. como andas? agora é feita só de cinismo. e num futuro que será de você? uma atriz pornô, sem dúvida. com um sorriso largo que só. e a tv chiava chiava, vou sentir falta desse barulho enquanto a gente fazia sexo. e vou sentir falta de ler seus panfletos desconexos e aplaudir como aplaudia para as palmas que meu sobrinho descobria. mas, veio a gravidez. e com ela você, serena, não se sabia. os bibelôs eram amarelos: não se sabia o sexo, o pai, a mãe. a mãe sorria e gostava de apalpar os mamilos para ver escorrer o leite. uma vez a encontrei e ela disse: é verdade, jorro leite, agora. quanto leite pensei em você. e de tudo que te imaginei, os olhos esbranquiçados de maio que lhe guardou a vida. a vida íntima que de ti se desdobrava. nunca fui íntima de ninguém, só do meu filho. e do meu filho quando na barriga, quando sai, a gente já não sabe. não sabe. se velha, ainda fazia sexo com a televisão. se havia televisão. o mundo, então, tornara-se mais rarefeito do que pensava e ela triste chorava por aquilo que ele não se tornara. as paredes de sua casa, ainda continuaram, feita de cal e cimento, e era isso que lhe assegurava continuar a viver. no fim das contas, maio era seu lar. com carinho, nove de agosto, não assino datas, anos - gosto que as coisas se tornam una como se o tempo fosse blocado. e ah, se pudesse haver resposta me diria: que anti-dialético que é você, parado no escuro. sabe bem que meu objeto favorito foi sempre a lanterna de livros. para iluminar seu céu da boca, sua vagina, clara o suficiente para ser visível na tv.

março 04, 2013

poesia gusparada

quando você passa, me deixa sem graça.
muge pra mim esse poema de rata, Morena. rara? roedora. passa, passa.
minha vira-lata, vira-latinha.
você fica vermelha, vermelhinha, quando te faço poesia barata:
que pena.

você quer poesia lambida, radioativa, rosa dos mares, você quer cancro no coração, treme-treme terremoto. ai, que eloquência. silencia e ouve: grilos cantam ou são cigarras? árvores conversam e você põe o ouvido besta no tronco. elas não lambem poesia gasta.

raízes inconformistas é que entoam o ranço dos ancestrais: faz-se um chic róic que não se sabe. ou é só chic róic de tesão, fazendo amor todo o dia, para na noite restar aos seus ouvidos (bestas) o ressoar do sono roto. chic róic chic róic como fazem as engrenagens do trem: vai e vem vai e vem, nunca pára nunca pára.

quando você acasala, Morena, na televisão, que piscada!

fevereiro 24, 2013

língua.

digo que venhas para irmos a festa. você passa delineador nos olhos e os cabelos, pintou de novo? de novo. que insaciedade. que coceira. você tinha mania de coçar com as unhas crescidas do pé suas batatas: era bonito. batatas arredondas, eu quisera. sugara. vamos logo, que a gente toda espera. que esperem, você disse, sorriso de plástico. que insuportável. fazendo-se sempre tão assim: que é? bonita. mais que bonita, me disse um dia. o que mais? algo a mais. algo como a vontade de me foder. sei. de me conhecer pela minha vagina. sei. sua língua. e por isso usa isso, perguntei. você deu de ombros. uso porque me presentearam. e quem foi? explodia de ciúmes, eu. besteira. me cansei depois de um tempo. você me disse aos prantos que eu te dei tapas que eu te fiz machucados que eu quis furar seus olhos. eu? não lembro. mas agora fumo para acalmar os nervos e você antes não deixava. e fica a engolir as bolinhas. e quando for velha ein? mais bolinhas para que se borre a imagem no espelho. mas eu continuarei a te chamar. morena. loira. para irmos as festas, diversas, dessas. ou aos chás ou carteados. jogarão os velhos paciência em lan houses? a gente fica velho e quer colinho. você não acredita. que quer? a língua. sempre a língua. eternamente? sim. sinto muito. mas eu posso te dizer, eternamente. o quê? que é bonita. mais que bonita. sim. isso tudo. e como era quando criança? você nunca diz nada sobre a sua infância. você abaixa os olhos tristes pelo preto da maquiagem. vamos embora, pegue as chaves. vendi o carro. mas o quê? e como vamos? de ônibus, como antes, mas quê? tremia nos saltos altos. vem, minha cara, não é a primeira não vai ser a última. ora, não me encha, é um grosso, por que chamou? porque preciso chegar junto de ti. maldição à tudo! explodiu como fazia. jogou alguns objetos no chão. tinha algo de vidro? não. então vamos. não me chame mais, me faz triste. me chama só para fazer cena. é que você é minha atriz. sei. sorriu de canto. colheu as coisas. por que vendeu o carro, disse enfadonha, já no ponto de ônibus. avisei-lhe para trocar os sapatos. não encha, sei fazer isso. fiz muito. olhei o fundo dos seus olhos: que negros! quanta dor. ora, não me venha. riu. fala de dor. fala de tuas dívidas! por que o carro? olhei para baixo as mãos esfregando umas nas outras. busco isqueiro, ai que dizer. que dizer para você? ando me afundando. e o que anda fazendo? jogos, álcool, drogas, putas, o que gastam os idiotas! chegara o ônibus com seu freio chiando, em tempos idos, era quase um trem. ela subiu como só sabia com saltos altos nos degraus. o motorista lhe sorriu. bela dama, rapaz. pois é, ri nervoso. língua. conte-me, um pouco, da sua meninice. não encha. pague meu ônibus! pago. sempre paguei. conto algo se me contar, está afundado em crise? beijei seu rosto, falei baixo. é claro. é claro que estou. não sei contar dinheiro, não sei guardar. não sei. e carro pra que serve? uma bosta. entope a cidade. ela riu. não me venha com essa ecochatisse, meu amor. te conheço. você acredita que o mundo gira junto de você. ah, eu? sim. e você? eu. enquanto for jovem! ela olhou para baixo. dá-me a língua. tudo bem. qualquer coisa. eu, bem. sonhava muito. e não sonha mais? não, durmo cansada. durmo pouco. antes dormia quatorze horas por dia. mamãe era... sabe? triste. então eu dormia com ela. e sonhava muito. passei a infância sonhando. toda. uma vez um terapeuta me disse, você não pôde construir realidade. não sei. não gosto de pensar. é longe? dê o sinal. mas aqui está, disse pisando com os saltos na rua. aqui está a realidade, não é? e a noite estava negra, não havia estrelas nem postes. eles insistem em não botar luz aqui. é. acham charmoso. é. ela procurou meus dedos na escuridão. fazia tempo que não. que unhas grandes. você podia se calar, um pouco. aproveitar. parecia com a voz embargada. você sonhou com tudo? com tudo. com isso também. com a minha vida. não preciso de profecias, sabe? por isso não tenho esses vícios. me dê um cigarro. dei. achava engraçado vê-la fumar. mas era melhor que as bolinhas. sempre fora escuro assim? sim. e tem coisas aqui. olhos. línguas. apertei forte os seus dedos. coisas em todo o escuro. acordavas chorando? como acordavas comigo. chorava. eu metia. fazia passar. não finja, ela terminava o cigarro, não finja que se arrepende. era verdade, não. não mesmo. não ia recair-me por umas lembranças sombrias. já sabia demais. chegamos ao portal. a luz, finalmente. ela correu a retocar a maquiagem. o batom vinho brilhava agora. estou linda? língua. entra e seja. você. toda. outra. para isso, lhe chamei. brindamos.

fevereiro 19, 2013

parabéns, amor

deu vontade de dizer qualquer breguice para você
de te levar nos meus braços nuns resquícios de sonho
e adormecer tranquilo em verde-vivo - que nosso amor se faz de olho fechado
me faz lembrar você a cor viva-morta dos seus próprios olhos
que não são nada mais que você: e me basta de amar.
e basta ao mundo, segregado e segredado, sua presença onírica
de canto maníaca pulo cômico de manhã lacônico
faz girá-lo numa retórica apaixonada: nada peixe, nada.
e se pudesse, amor meu, entrar nos seus pesadelos para extirpar
monstros, inimigos e vocês nos espelhos distorcidos
te dizer, ai príncipe, você é mesmo bonito
e esta velha que te ama, se quiser: fica pra sempre.

(vou fazer um filme de nós dois
não sei se cult hype ou documentário
dois corpos riem na sala acesa
a vizinhança é burra e ás vezes louca
você vai ser a lindsay meio regina george
aspirina, choro e série de televisão
a tela do seu leptop pisca
dormimos. dormimos.)

 

janeiro 16, 2013

cheiro de corpo

enfiei debaixo da minha camisa e senti seu cheiro de corpo
era algodão sabonete suor e pele, era muita pele, você
era sobretudo quente.

vamos nos encontrar, bonitinha, na saída da noite à esquerda
a gente usa toda aquela cocaína que eu te comprei
e amor à revelia, bem.

que eu ando duro trepando com cadela na rua
melancolia a zero grau, tempo frio, o seu cabelo de cacho
meu maço.

janeiro 06, 2013

leva embora

diga-me, ai querida, leve embora, leva, leva. leva pra longe, que é pra eu não ver mais. vai cuidar dos feridos dele, do corpo cravado. come dele. a carne é macia, o pinto é que não fica muito duro. lamba direito primeiro, que precisa lubrificar. tudo nesta vida, novinha: precisa lubrificar. nada vem pá, explodindo de tesão. tudo devagar, lentamente, sobe e desce, haja paciência. é de reclamar, eu sei. dá dor nas costas, dá. se vale? ora, não sei, vale. não sei, que sozinha se dá um caldo. ainda mais você tão bonita e tão nova. sendo eu você, me fazia um estrago. era amor todo dia. era amor, querida, que a gente usa disso pra ser mais assim, plena. carrega esse peso contigo. não traz mais, me fez dolorida, minha lombar reclama. e eu sozinha, me faço um pouco. e depois, o mundo é tão. a esquina é próxima, cruzaria um ou dois olhares, um moribundo, uma manhosa, a gente leva. ou não leva. que ando cansada, com vontade de dormir. me dá preguiça dessas mimices, do depois. depois-e-depois-e-depois. se abrisse um buraco no chão e só, ai menina. seria tudo fácil. e não haveria tempo pra paixão aflorar. maldita. flor ruim, diaba, cresce em terra dura, é feia. mas gruda. tem mel e gruda. gruda na buceta, louca por. que preguiça. queria só me espreguiçar e acender. e acender noite e dia, morrer. mas agora com ele longe, você rindo porque pensa estar me enganando, ele como sempre sendo levado pra lá e cá achando-se dono do corpo. é nada. não guardo ressentimentos, de você, menina. dele, nada. é só peso. um riso talvez. um pouquinho de alma. aquiesce, é certo. mas se vive sem. se vive? não sei. é também comida. sabe? tenho medo de me querer muito solitária. vivendo enroscada nesse intestino. dia sim, bosta, dia não, flora. e ele era assim, um pouco, um abraço, ou a esperança de. mas não me importa, leva logo. sou macaca velha e chorar não hei. chorará você. chorará você com toda sua meninice, buceta nova, corpo arrepiando arrepiando sempre no gerúndio. não tenho saudades. de nada, não tenho saudade. adeus, seu estúpido. que para sempre se esconda nas asas das mulheres meninas e velhotas que para sempre seja só omisso sob elas que um dia você saiba: você não é gigante nem dono do seu caminho. mas o tempo triste lhe dirá. lhe dirá. eu apenas espero. sentada. preguiçosa. me ascendendo, em mim mesma, doida pro mundo, sonolenta, estalidos altos, incômodo de vizinho, veneno de cobra, pica rola.

faz tanto

queria ver o comprimento dos seus cabelos agora.