março 10, 2013

de agosto

você fazia sexo dentro da televisão e com a televisão e o chiado os vizinhos ouviam. aquelas mil formigas que piscam em multidão. e fora dela gritava palavras de ordem. limpa, aqui, desce. fora. os carros não paravam de zumbir lá fora e você gritava, quantos decibéis? me olha com seus olhos de agosto. de cão enlouquecido, macaco bravo. chiava água esparramada no elevador. e a imagem refletida te repetia o que não se esquecia. engolia as chaves de casa e voltava choramingando para a minha cama. se metia nos lençóis amarelos. espinafrava o nariz gripado. me deu a mão, disse, vamos indo. me olha com estes olhos molhados. espirra esta água de ti, que não me aguento. e o riso continua na boca. que dentes lindos, moça, te disse a primeira vez. brancos e brancos. e um pouco pontiagudos. era vampira de políticas externas. me conta: fiz sexo com o vizinho. como se eu não morresse de ciúme. fiz sexo com o vizinho, na escada de emergência, a gente se encontrou, se olhou, não teve jeito. ele disse: que peitos grandes. você acha, grandes?uma ova. você os engrandeceu com os anúncios de silicone na tv, de tanto que os consumiu. depois de um tempo, dormindo, desconfiei da veracidade. contei-lhe as dúvidas: você disse, faceira que só, calma, baibe, era só uma emergência. uma ova. não se faz sexo com o vizinho uma vez só. e de que corrente ele é? elétrica. sorriu amarga. devolve o olhar de agosto que te conheci. como andas? agora é feita só de cinismo. e num futuro que será de você? uma atriz pornô, sem dúvida. com um sorriso largo que só. e a tv chiava chiava, vou sentir falta desse barulho enquanto a gente fazia sexo. e vou sentir falta de ler seus panfletos desconexos e aplaudir como aplaudia para as palmas que meu sobrinho descobria. mas, veio a gravidez. e com ela você, serena, não se sabia. os bibelôs eram amarelos: não se sabia o sexo, o pai, a mãe. a mãe sorria e gostava de apalpar os mamilos para ver escorrer o leite. uma vez a encontrei e ela disse: é verdade, jorro leite, agora. quanto leite pensei em você. e de tudo que te imaginei, os olhos esbranquiçados de maio que lhe guardou a vida. a vida íntima que de ti se desdobrava. nunca fui íntima de ninguém, só do meu filho. e do meu filho quando na barriga, quando sai, a gente já não sabe. não sabe. se velha, ainda fazia sexo com a televisão. se havia televisão. o mundo, então, tornara-se mais rarefeito do que pensava e ela triste chorava por aquilo que ele não se tornara. as paredes de sua casa, ainda continuaram, feita de cal e cimento, e era isso que lhe assegurava continuar a viver. no fim das contas, maio era seu lar. com carinho, nove de agosto, não assino datas, anos - gosto que as coisas se tornam una como se o tempo fosse blocado. e ah, se pudesse haver resposta me diria: que anti-dialético que é você, parado no escuro. sabe bem que meu objeto favorito foi sempre a lanterna de livros. para iluminar seu céu da boca, sua vagina, clara o suficiente para ser visível na tv.