novembro 30, 2014

bandidos

eu escondo os meus dedos moídos. a arcada dentária dói. olha para mim! enrosco a língua no seu umbigo, você dorme, meto-a logo no buraco, você geme de olhos fechados, vou logo metê-la nos seus olhos.

olha, querida. eu estou te esperando. 

ele me olhou e falou rápido, incrivelmente rápido, naquela entonação que tudo termina em reticência, pergunta e responde. se alguém o desafia, finge que nada aconteceu. os bandidos e etc. os bandidos e os bandidos e os bandidos e os bandidos. 
no fundo, te escreveria uma hq onde você é anti-herói bandido, malandro e mentira, serhumano de falácia, verdadeira carne ferida, olho vermelho, maconha maconha maconha. vagabundagem e pilantragem da boa.
mas você nasceu supostamente rico, num bairro limpo e de gente de bem, calçadas bem varridas e lojas envidraçadas, as placas não são luminosas, são acolchoadas, tem colchetes, arredondadas, design e conforto, clean naif gourmet vegan. teu ódio é desproporcional. não cabe nestes quarteirões, se esbeira nas praças meio mal cuidadas, de flores amarelas de terrível gosto, brinquedos enferrujados, e você moleque caçando passarinhos. e você homem dando tiro na ratazana do canal aberto. 
e os moleques da zona leste. você me disse, lá na zona leste, ninguém mexe com os bandidos. 

dentro do carro, percorro a paisagem campineira à busca do pouco de zona leste em que estive: inconcebível. nenhuma imagem, nem alegoria, sequer uma rua, se não, apenas e totalmente, na paisagem, seu rosto. os moleque da zona leste, ele disse, e seu rosto flutuava à minha frente. murmurei tristemente sem saber o que dizer; na maior parte das vezes, minha retórica política é falível e eu a perco, mal a começo, não sei dialogar. me espreguiço mentalmente. e moralmente superior, talvez. nesse momento, porém, queria apenas atiça-lo: minha mina é zl.

que bandido você seria. morreria jovem. teria mais outros filhos. outras mulheres que amaria. bateria em tanta gente. mataria. seria rei - corrente de prata pesada balançando no peito. cifrão. filhos sem pai. bala na polícia. bala em viado. ajudaria as mães. as pessoas que julgaria boas. cuspiria de ódio no seu bairro limpinho. sujaria a cidade toda. traçaria planos de matar um político. de implodir a prefeitura. morreria antes. muito antes. desgraçaria o que poderia. seria rico. e vagabundo.

te botaram no seio da contradição. onde pra ser bandido você tem que fugir, ou sua bandidagem está nos pequenos atos malignos: não pagar uma ou outra conta, nome sujo no banco, bate em mulher muito nervoso. onde pra ser bandido, você não pode. cuida do seu bairro e da sua calçada. maldiz. e tem que trabalhar. e xinga os vagabundos. e odeia trabalhar. termina as frases concordando com si mesmo, mal ouve os outros. 

essa coisa. os sujeitos que se tornaram cem por cento puderam nascer ou vencer as contradições. bandidões, anfitrões, artistas. 
eu e você somos toda tomada disso. comemos disso. e nos mantemos por isso. 

não terminemos a falar em reticências.

obrigada.






novembro 27, 2014

esses meses passaram rápido como um trovão.
eu quase nem vi.
você diz que a gente não se pertence mais, mas
eu estive tão dentro de você
(e depois tão dentro de mim, porque era você)
que eu mal percebi o que eu vivia.

eu vivi para você até perder a sua dimensão.
mas
você ficou pequena dentro de mim.
você me comeu e eu achei que eu-você era eu.
as mágoas e os escapes, os mesmos.
eu não sei mais como é o seu rosto.
o seu corpo.

não seja tão dura comigo. 
eu sou ato-reflexo. perdi.

pensar em te perder é como morrer
um pouco.
não seja tão dura comigo.


outubro 20, 2014

rascunhos

bando de mnino gordinho triste que queria ser artista. a faculdade que pisei bons anos era bem amaciada por egos masculinos triturados, se pensado artistas quando jovenzinhos, lambendo bergman godard pasolini chorando spielbierg. eles ficavam tristinhos e sumiam com os rabos entre as pernas então, e eu gostava da maioria deles, mas ás vezes me enchia esse papo e toda vez alguém ressuscitava um enterrado ou enterrado vivo (godard o mais ilustre destes), e depois paravam de ressuscitar os mortos, para falar de seus filminhos, todos quase ok, mas nada geniais, nenhuma ruptura, nenhum gênio sganzerleano abrindo a porta do inferno como sentiam ao escrever os roteirozinhos, e o pior é que todos eles sabiam. então paravam de falar dos filmezinhos e dos diretores e dos sonhos que tinham para ficar correndo pequenas amarguras e rancores, roendo pedaços de palhas como velhos, cansados de cocaína, se encharcando em cachaça e whiskey relativamente bons e caros. trabalhavam. e falávamos enfim da vida, das eleições, das relações de trabalho, da burguesia, do capitalismo, de cacheiras e praias e ás vezes algum ás de saudade surgia, para rapidamente ser engafinhada pela amargura crica e encerrada em si. os chãos do prédio da faculdade era todo formado de sulcos: esses menino quase todos ou muito gordinhos ou muito magros que desapareciam com o soprar do capital mais leve de todos deixavam os tais sulcos, preenchidos e embebedados pelas infelicidades fundas de tantos anos, dos professorizinhos principalmente.
é claro que tinha uns certos sucessos, coisa ou outra, de festival bestial, pacto com pai ou com o diabo, mas eu só me dei ao trabalho de ouvir um pouco essas bolinhas de recalque amassadas e expelidoras de fumaça de tabaco. quase nenhum era maconheiro - ótima nota.
as menina todas, é claro, eram também amargas, depressivas e absurdamente histéricas, vestindo o manto do santo freud, e desmentindo a histeria com histeria. também entravam sonhando quadros de artes diretores esses todos homens, rupturas, novas linguagens e graças a deus personagens femininas boas personagens femininas servidas de bandeja. mas as menina tinha alguma coisa que, além de gostarem mais de maconha, não tinham o ego todo triturado, já que não havia ego algum antes em se louvar godard ou caetano ambos portadores fálicos. costumavam algumas quase todas canalizar energias agressivas, seja por esforço contínuo absurdamente meritocrático e assustador, solitarias ou grudando nos grandes homens seja vagabundeando entre palavras de ordem e tentando organizar coletivos que se desmantelavam tão leve soprava o vento do patriarcado. tudo dava errado, os homens ocupavam os altos cargos, os coletivos se auto-fagocitavam, a energia agressiva continua ruminante em seu interior, ora ou outra, faziam malcriações, gritavam, eram imaturas e batiam o pé igual crianças loucas e infernais. não vi nenhuma recusar rebolar um funk - tome nota.
ano passado eu morri
 - todo ano eu morro


outubro 02, 2014

queda brusca

ora, conte me da queda brusca. as mãos bem enterradas, o corpo inerte no chão. conte me com detalhes sórdidos. ela se estapeou toda e rubra e completa caiu ao chão. pesado, ouvi o baque seco. no chão permaneceu. criou ali um buraco, um fosso. acredita que fundo corre água. fundo corre água. o peso do corpo dela vai fazer amolecer a terra. e quando a terra desfalecer: vai ser enxurrada de água.

água, óleo ou petróleo. vai brotar da rachadura da terra, como o filete de sangue que escorre pela perna dela. fundo corre sangue. ela deixou as pálpebras caírem por cima dos olhos vivos já faz um minuto. logo as pálpebras pesarão mais que cem toneladas. a pressão do pulso dela é um chumbo! e o coração acelera. cairão as pálpebras por cima das bochechas.

as bochechas, por sua vez, desabrocharão sobre os seios. os seios tombarão fundo ao chão. ela é só uma semente, um tronco retorcido. a cabeça se entortará levemente e a língua pulsa para a fora. daqui eu vejo as papilas gustativas, expelindo secreções. afaste as crianças, venda as janelas, leva os cães. deixe tudo só.

não corra a notícia, proíba o comércio ou o turismo, sob o corpo retorcido da santa um mundo livre de injúrias e de trocas comerciais se erguerá. a queda é milagre da terra. ela a puxou como se se lembrasse do seu direito de posse. conte me de seus últimos gestos, da última palavra de profeta. ela não podia resistir. abriu a língua mas não produziu som nenhum, agora a vê aí, saltada e vermelha. ela sequer babara.

ela criará aqui o fosso da vida. úmido e húmus, excremento, minhocas retorcerão o corpo até terra ser corpo e corpo ser terra. tenho certeza disso, obrigada, doutor, obrigada, criança. anote tudo mas não conte para ninguém. escreva, mas publique num livro daqui cem anos. ela fará correr água e sangue por essa terra. mas é uma terra condenada, de antemão. está lavrada dos excrementos dela. está abençoada por seu mijo.

olha, veja, como sai amarelo de dentro da vagina aberta e flácida. a perfeição que era essa vagina, recortada em dobras e mucosas sofridas, perfeitamente costuradas. com o nome dela bordarei panos de pratos. este mijo será o ouro, daqui mil anos, será ouro, o cheiro não é ácido, é metálico. ela já está pútrida, infelizmente. não pode servir ao novo mundo. enterrarei do seu lado meu cajado e encerrada está a missa e assembleia. 

declarado o fim, corriam como pulgas o mijo dourado solidificado em pedrinhas brilhantes. as crianças a atacaram. e depois os urubus. e mosquitos e ratos. foi apenas uma queda? uma queda de senhora, qualquer desvio do osso da perna, o corpo pesou e não foi possível levantá-la. e a água que jorra é água de putrificação. enxofre, de ovo podre, não de demônio, percorre o ar. o fosso que ela cavou tudo barrou.

uma seca de quinhentos anos tornará a cair sobre nós. a partir daqui, nem água, nem sangue. os lagartos e sapos se enroscarão com as cobras e nada que tenha dois olhos, muito menos duas mamas. as moscas multiplicarão, este é o reino delas. a queda brusca foi um acidente geológico. a queda de uma nação desimportante, em qualquer pico do oriente. as rezas que sibilam por ela ressoam como as cobras, são palavras inteligíveis. pedem paz à ela. 

ninguém mais deseja vê-la, é melhor você ir embora também. não há mais nada que lhe contar, a queda foi acaso, coisa qualquer, e já é passado. choram as histórias, mas não choramos nós, não chora tampouco seus olhinhos quietos. gritos não acordarão. a queda foi só um vasilhame. nela depositaram as monções e os dejetos. guardamos os desejos, não o escondemos na terra. 

a terra dela é barro. bebemos água no seu barro e chafurdamos no seu barro como se fosse piscina. o fosso é uma mentira.

setembro 26, 2014

não quis partir com você

ela tinha dito: vamos embora daqui. em pé, arrumando papéis que se desorganizavam pelo sopro do vento, etiquetando colorido para o outro e pregando sóis amarelos vez em quando. parecia estúpido demais. as crianças apareciam com os dedos na boca na porta, ora choramingando, ora sorrisos banguelas. ela abaixou-se, a coluna parecer se torcer, uma pontada na vértebra mais próxima do cóccix, lembrou da notícia do dia, atriz modelo paraplégica, paraolimpíadas, medalhas de ouro pruma loura descolorida. pegou nas mãos pequenas e sujas, deu um beijo, espiou, a dor latejava. nunca mais vou levantar. a criança correu pé-ante-pé devagar e desengonçada como um potro, o cabelo na altura dos ombros e o corpo arredondado a fez esquecer se era menino ou menina. como chegaria em casa, duas horas depois e quinze minutos dum cigarro derradeiro, e ela teria aprontado as malas, quiçá partiu. continuou agachada, sem olhar a procurar quem quer que a ajudasse a sair daquela posição sem perder o movimento dos quatro membros. o cachorro babão veio rápido e a derrubou  no chão, farejando seu rosto úmido. ouviu o revoar das gargalhadas das crianças soltas, depois mandaram-lhes calar a boca, pegaram o babão pelo colo e o prenderam bem firme lá no fundo, ofereceram duas mãos a levantar. a coluna doía, ela reclamou. é hora de mandar o babão ir embora, qualquer dia ele come uma criança. sempre essa história do maldito cachorro, ela disse já volto e foi fumar cigarro exausta, já sem carinho nenhum pela luta do babão, em que duas monitoras dentro de seus aventais azuis escuros e caras retraídas faziam campanhas há mais de um ano para largar ou ficar com o cão. as duas rosnavam, pintavam plaquinhas, uma mandou as crianças pintarem o babão, outra chamou a vigilância sanitária. quando contava essa história em pormenores à ela, ela fazia cara de tédio, tinha nenhum interesse na história encardida do cachorro. agora que ela tinha partido, se libertado, não nutria nenhuma compaixão pela política do cachorro. teve vontade repentina de beber muito. essa cidade tinha alguma atração, ela insistia. apagou o cigarro distraída e ruminou o resto do dia, passou-o leviana e não pensou mais nas cordilheiras do himalaia que as outra estaria a ver com seus olhos bisbilhoteiros e as carreirinhas que cheirou e as travestis que já flertou. 

agosto 19, 2014

sr barão

era uma vez um distritinho
uma cidadezinha
cheia de gente e artista
um dia ela acabou
sumiu
acabou do mapa.

(protótipo pra um cem anos de solidão fajutíssimo e escravocrata)

agosto 04, 2014

fisiológica

caguei agora escuro à beça. "irresponsabilidade existencial", li em ana cristina. esta mulher me dá arrepios enquanto cago vai saber se pela merda se pelo toque. irresponsável existencialmente, vivendo sem nenhuma teoria política (ai, quem dirá filosófica). no máximo fisiológica. presto atenção no cheiro de dentro, na cor da merda tal e, um monte de cravos intupidos, ih, preciso correr, fazer pilates, me alimentar bem, sobrou só miojo não tem nem manteiga pra ficar cremoso. vou te amando fisiológica. se vejo sacada no poema, me dôo ineira, sou eu mesma, fazendo nada. queria escrever, este mundo está uma grande merda: queria escrever como é que é viver num país apertado apartado onde estouram dezesseis bombas por dia. não tem por onde correr, é esperar a morte e olhos vermelhos e corpo reteso. mas não sei escrever, se não invadir um pouco os conceitos de claustrofobia. mas claustrofóbico que está lá em gaza ou no rio de janeiro, é sair e ainda ver tudo fechado, tudo claustrofóbico. é o céu como uma abóboda de ferro, sacou? da onde explodem luzes absurdas. e a gente aqui, me disseram: vai ver a chuva de meteoros. vai ver se te levam proutro planeta, leva aqueles, moço, rei do universo e de marte, vem aqui fazer intervenção militar alienígina, pelo amor de um deus que sei lá. eu sei escrever sobre ficar em casa, oprimindo opressora a si mesmo, respirando ar de metal pesado bebendo água de hormônio cheia de sujeira - reparei que a água tem gosto diferente, vai ver tem relação íntima com a cor da minha merda, aí fudeu/não fudeu. mas lá fora, entendeu, lá fora e o corpo é massa, carnificina humana, vão usar junto de cimento é sim, é sustentável, que se há de fazer? já morreram mortos todos. onde é que enterram toda essa gente ein? vão construir um cemitério aonde ein, que terra ein me diz, vai tá vindo corpo pra cá pelo aquífero guarani vão ter que enfiar em todo lugar. o importante é descentralizar, descentraliza, vai, vai vai. queria descentralizar meu centro, continuo te amando, essa mesma tecla, fico triste, ai a memória e a saudade. irresponsabilidade existencial dessa opressão sentimental. é, opressão sentimental, chega. por ora. já vou indo, voltar pra sacada, vidinha tediosinha. melhor essa que morrer aterrado; a saca tá no alto.

agosto 02, 2014

fetiçaria

eu preciso olhar mais atentamente para as pessoas. eu preciso olhar nos brancos dos olhos e não só no sorriso grande ou fino, eu preciso olhar prelas com alguma magia, preciso compreender a histeria delas, preciso respeitar a soturnice desenganada. eu queria te encontrar num bar, ficar várias horas num papo sem rédeas. queria te convidar pra ir em casa, ver videoclipes em loop, qualquer coisa, ouvir um samba. quero compreendê-las como um todo e gostar delas, quero compreendê-las como um bloco que habita e se encaixa ou aterroriza meu mundo. não só o meu mundo todo o mundo, que é que você faz, tem olhos sérios demais e os olhos sérios demais assim se encaixam desencaixam. quero gostar delas à medida que elas são. e percebê-las assim. mesmo não gostando, de alguma forma mística, elas desfilam ao mundo e percorrem fileiras fazendo oposição. de alguma forma mística quero gostá-los como uma bruxa os faria para com o mundo. convido-te para tomar um chá de ervas. quero conhecê-los reconhecê-los. preciso. gente mais ou menos que anda a meia a volta, volta, sei lá, que é pra saber, que há. não há só os meus olhos, nem os teus. tem uma doidera, uma ziquizera, entendeu. 

julho 27, 2014

1

três amigas minhas foram embora. perdi-as aqui dentro também. juntar os cacos do meu quarto. ontem você chegou bêbado e espatifou a garrafa de vidro. fizemos sexo no perigo, você disse, depois que acabou. te olhei insuportável. eu tinha juntado os cacos. três dias sem botar o pé na rua, só o olho. me sinto repentinamente vigiada. ligo a webcam com uma desconhecida. ela pede que eu faça carinho nos meus mamilos espetados. disse isso: espetados. observei minha própria foto por duas horas. são mesmo assustados. como se nunca se soubessem à espreita. espremi-os e ela gostou. mas logo teve de sair. o sumiço dele ainda me impregna. me dá arrepio e dor, uma dor esquisita nos ossos dos pés. talvez porque a última vez que o vi fora ele caído no meio da rua. eu escondida nas sombras. liguei para várias pessoas, ninguém sabe. joguei fora meu chip, me recomendaram. dor na hora de urinar. perdi o telefone das três amigas, esqueci de copiar no papel. não sei se ainda são loiras ou morenas. pedi para uma delas me visitar. nenhuma mensagem de volta. 

julho 22, 2014

operária

quando eu te falei dele você
contei meias verdades
sinceridade cínica
(me protegi e 
quantas são as justificativas?
não poderia
assumir autorias
as obras de próprio cunho
embaraçam-me
fosse eu operária
de megacorporação,
ao menos
operária da vida
e não operária do eu
ou terceirizada sem motivo
deslizando quase à beira do mesmo abismo
escrevendo miudezas
pena de poetiza)
quando eu falei de você você
teria acreditado?
desconversei desconfiante
quem poderá crer?
destilo maldadezinhas
nada disso é minha culpa
don't belong to me
eu nunca nem fui do brasil ou desse canto
(te conheci?)
amnésias programadas
desconcertos de sátira
me eximo de tudo
(terminarei sozinha)

julho 16, 2014

querido,
essa é uma época sem craques, sem talentos. não brilham estrelas, quem dirá constelação. não sei que época é essa; os nomes serão rapidamente fagocitados.
talvez seja bom, toda aquela ladainha autoral, gênia, celebrária e cerebral. brando, dândi, dean, diniz, guevara, glauber, garrincha, inês. 
preocupo-me com a memória, que será dela. uns fragmentos de frase de twitter, nada a citar, teses sem referências, professorinhos suspiram. 
a convulsão de imagem é tamanha que não vai sobrar espaço, vão inventar pílulas de vídeos: tu toma e vem uns flashs, coisa instântanea, tá-tá-tá: a história gravada em frames.
os jovens continuam a querer propagar seus nomes. nunca percebem os anos que vivem, inspiram demais as istorietas do passado - istórias como se escreveu um dia - mas não sabem que diabo fazer com os diabos dos seus anos.
é sempre bom ler astrologia. capricórnios virão demolindo autorezinhos e tentativas fracassadas. um ou outro ídolo viverá, antes de cair em campo.
é uma época conturbada. volto logo para aí, um beijo forte.

julho 15, 2014

ela porquê tão de repente

ela: por que, de repente, ela me ama tão imensamente? por que agora se resvala, revela, rebola, se chafurda, encurta as frases, lambe os beiços, balbucia líquida, escorre, manda-me cheirar meus dedos cheios da gosma dela, sussurra, gouveia, engatinha por entre minhas tranças, me enraba, me laça? suplica amo ama, amo, mia, doçura. se por algum e tanto tempo esteve encarcerada, gestava, gestionada, envergada sobre mim, corria e dizia amo sim talvez com olhos secos e buracos pequenos.
ela: talvez estivesse à espera, à espreita, à noite, dentro da noite, loose, deslumbrada arrancava fios da cabeça e trançava-os bem uma mortalha e os olhos fantasiavam grotescos nada com nada, nenhuma, expectativa. 
ela. segurava os membros com os próprios membros, as pernas com os braços, as penas enfastiadas de piolhinhos. dentro dela cresciam tufos de mato e bromélias encrespadas. tiveram que dentro dela arrancar um pouco as ervas-daninhas e minhocas retorceram o seu estômago escabroso e a terra afofa água correria, erosões múltiplas. 
antes ela tivera medo que elas a esburacariam tanto até deserto e corvo: morte e dor. 
ela: piores são os eucaliptos.
ela. talvez não soubesse o que era amor, amo ama amo mia doçura, confundia coração acelerado com taquicardia dor de azia com borboleta no estômago literatura meiga com vida corrida, também não soubesse e não sabia, amor amo mia, sussurros e gouveios, reboleios de quem copia, queria só que metesse a mão no fundo e no fundo oco opaco.
talvez não exista mesmo almas, profundidades, artimanhas, o serumano, o universo pintado, só buceta, rabo corpo suor e solidão.
ela: por que insiste.
um buraco pode ser um buraco ou um fundo de um? ela. engatinha, chupa, chorosa, melada, tenta, pari com dor alumbramento. parte. ela. quer partir mas continua: engatinha, chupa, chorosa, melada, tenta, pari. 
não sei o que é fugir e o que é encorajar. não sei o que é apontar a espada pro mundo.
ela: te erodi, te arrombei, e quis comer tuas minhocas, mas caraminholas e mil caralhos, caraminhosa, corri.

junho 26, 2014

três anos

quando eu tinha três anos um pastor alemão de um policial correu atrás de mim. me lembro vagamente, minha irmã murmurava essa história antes deu dormir (ela te mandou um beijo, aliás) com alguma maldade, ligava a luz da lanterna e passava diante dos meus olhos, como a lanterna de um carro. eu dormia rápido que a luz irritava (irrigava) meus olhos. ela aproveitava para ver as revistas de mulher pelada roubadas do meu irmão. eu sonhava quase sempre com o pastor alemão, um cão negro, de olhos grandes, boca salivando. ele nunca corria atrás de mim. era sua imagem estática que me amedrontava.
estive no ato dessa semana, tudo conforme ia: pé, cantoria, lenço preto na boca. a rua tava cheia até. policial até entupir os bueiros. gentinha suja e desalmada. a adrenalina crescia, em algum momento alguma bomba explodiria e pá. meus olhos encontraram com os dele, reconheci os olhos do cão policial, olhos de quem rosna em silêncio. pronto pra matar. 
não consegui, Marcos.
minha adrenalina rápida instantânea igual miojo virou medo de congelar as veias. e os pés e a boca. acho que meus amigos me chamaram, disseram para eu não parar, que daqui a pouco pá, fica esperta, que ce tá fazendo? ish, ói a mina. pá. 
teve bomba mesmo, cê viu na tevê? teve bomba pra todo lado, estourou do lado do meu ouvido, e foi isso que me fez correr, alguém me pegou pela mão, minha perna ainda dormia, pá pá pá, bomba e bala de borracha, meu olho lacrimejava, mas o que eu via na minha frente, o cão. o cão, o cão, o cão.
quem corria comigo não entendia nada. eu balbuciava. ou rosnava igual um cão. salivava.
leva pra lá, essa mina, í, leva! leva pros cara com a bandeira, ela num pode fica aqui não. 
fiquei com um pessoal de partido, me enfiaram num bar e correram para as suas casas. e não podia ir pra casa, que a minha é longe e a rua tava um caos. pedi um pouco de cachaça, um guardanapo e uma caneta.
pensei imediatamente em te escrever.
aquele cachorro queria me pegar, Marcos. ele ia diretamente até mim. 
me contaram que eu joguei pedra e garrafa numa mesma direção. eu tenho que matar o cachorro, Marcos, ou ele me mata. juro que me mata.
sonhei que rosnava pra ele. 
ele abriu a boca (ia com certeza me engulir duma vez só feito jibóia) e eu acordei toda suada. alisei as velhas revistas de mulher pelada do meu irmão (tenho feito umas pesquisas).
queria perguntar à Clarice por quê o cachorro correu atrás de mim quando eu tinha três anos. não tenho coragem.
me manda forças, Marcos. preciso de você.

junho 25, 2014

os tres cachorros

querido,
me enrolei num cobertor, fiz um chá de folha de maracujá, e me pus cantarolar bobagens. certo momento, lembrei-me do sonho que tive. tinha visto três cachorros, malhados, de olhos esbulhados, porte médio. não sei que parte da canção me fez despertar a visão, ela veio como um flash e nada mais. lembro-me sobretudo dos olhos, grandes, e aquosos, como são olhos de cão. 
vi os três cachorros. cada qual num lugar, mas os vi. um breve temor tomou conta das minhas mãos: nesse momento, tento escrever, a letra tá garranchada que é uma coisa horrorosa. 
o primeiro, eu não o estava procurando, que sonhos são comuns, e não devem se repetir de forma tão milimétrica na realidade. andava sem pressa por uma rua de paralelepípedos. procurava por um correio na região. a rua tinha casas desconcertantes - amarelas, róseos, laranjas - de telhados tortos, duas ou três germinadas. sempre achei engraçadas as casas germinadas. senti uma gosma, algo assim, meio líquido e não sei, escorrendo lentamente pelos meus pés - calçava chinelos. o cão estava à minha frente, de bocarra fechada, os olhos pretos esbugalhados me encarando.
não pude nem gritar. não tinha ouvido arfar ou latido, mas o cachorro estava ali, à minha frente, de boca fechada. e rapidamente correu. era um cachorro de rua? não pude prestar atenção no cuidado do seu pelo. usei lenços para limpar a gosma, a saliva do maldito. temo alguma maldição. 
sonhei novamente com os três. minha nova obsessão era procurá-los na cidade.
Mirela veio me buscar de carro para irmos ao hospital. ela falou do marido e do gato, usou o mesmo tom para falar dos dois - deus me livre me tornar isso! me disse que eu devia comprar um novo pó compacto ou um blush, andava toda desossada ultimamente. então, avisei os dois cachorros. brigavam por um pedaço de carne crua, no meio da rua. apontei para a janela, mas soltei só um gemido. Mirela não percebeu. nunca teve boa sensibilidade. virou à rua.
antes de dormir, peço para não sonhar com os cães. tomo mais maracujá, que é para tombar de uma vez.
tenho algumas impressões, mas não há coragem para escrevê-las. se ver os cães, lembre-se, tem olhos bem esbugalhados, por favor, me mande notícias.
temo que estejamos em perigo.

com amor,
Daniela.

junho 17, 2014

qualquer coisa

depois de um primeiro desentrave, a coisa se solta. talvez. virginia, você tava certa, setenta anos depois, ainda é preciso um teto todo seu. qualquer barulho é motivo pra mudar de aba e esconder - que diabos. não há nem segredos. pula uma pulga de constrangimento no canto da boca sempre, não é possível me orgulhar de escrever. (quando é que vou me livrar de meta-linguagem, virgina, herta, ana cristina?)
nem romances a escrever. nem detetives. quando alguém diz, olá, comecei a escrever, esboço o riso, apita o alarme tinindo do cinismo. é ridículo. volta e meia essa crise se desenrola, e eu fico a escrever umas bobagens, medindo palavras pra desabafos incrédulos. não é possível mais ser crível - jesus cristo nem astrologia são completamente críveis, meu desejo, não. por esses dias venho injetando desejo no corpo e nos olhos: como quer a vida, móvel, feita de água e energia. meu desejo, portanto, é crível a medida que meu corpo responde - e tem respondido melhor que qualquer palavrear tolo.
quero, por fim, me rasgar dessa aura que eu me enfiei e toda a gente que andava comigo me enfiou: não escrevi romances tampouco ninguém roubou minhas ideias minhas rimas não viraram grafite fim. tenho um diário, um blog, umas ideias esparsas, qualquer coisa.
por favor, me ajudem a voltar a ser qualquer qualquer coisa. e que para ser qualquer outra, eu tenha que fazer, agir, corpo, vida e essa história, corrente sanguínea. eu preciso me mover e partir para algum lugar, dizer qualquer coisa que saia mesmo da minha boca. que venha de alguma vontade.

é um trem correndo e raspando os trilhos, mas um trem não corre, não corre, mas também demora a frear: vai raspando e levando os pombos as moedas e os meninos estúpidos que brincam nos trilhos - eu nunca andei de trem, mas na estação Guilhermina-Esperança eu gostava de vê-lo por cima, só que eu via só os trilhos, o trem não passava mais por ali, restou os trilhos, cercados de muro e mato cheio de bituca e copo plástico. se eu erguesse a cabeça via a paisagem: as casinhas amontoadas e os predinhos coisa e tal de um bairro simpático que nunca muito bem adentrei e que dentro das ruas as casinhas e os botecos eram com toda a certeza mais hostis que vistos de cima. prefiro não ter mais essa perspectiva de cima: quando vou à São Bernardo e vou de ônibus e subo a rua, a rua me leva devagar, a perspectiva me agrada, que é da altura dos meus olhos, não há ilusão é tudo rua e casinha e gente comum, qualquer coisa mesmo.
esses dias uma árvore tinha caído e tinha sangue bem vermelho (fresco?) de gente (ou de cachorro?) escorrendo. nada mais pude ver.

junho 16, 2014

não há

incrível. não há absolutamente nada sobre o que escrever.
queria não ter perdido o hábito.
ando vivendo até demais.

maio 23, 2014

não é que eu não queira, ou não possa, mas escrever pressupõe algum abismo, e era tão escasso de abismo o que havia: ou eu sempre me iludi? acho que fui atingida por uma felicidade incólume mas que não se alastrou (não percorreu seu corpo e no meu sobreviveu pouco). tocou meu celular agora, mas eu o perdi. as coisas se perdem de mim de tempos em tempos (minha chave anda sumida) é sinal de mau agouros. volto a tocar aquela música. essa cidade tem me dado terrores, essa rua, bocejos. desde que tenho que fumar na sacada, ela tornou-se mais enjoativa (tudo está em seu lugar). de fugir num disco voador, meu amor. eu queria ir longe perto, qualquer com você. não sei o que aqui emperra. não sei se são os risos, as falações, o zumbido dos carros, os caminhos de ônibus, não sei, se é a distância da sua casa para a minha, não sei se é a cama pequena, eu esperaria muito botar a culpa tudo no mundo. mas ainda assim escrevo - é triste precisar escrever, repito - e entre as lacunas desse modo de encadear as orações (ave) você vai encontrar quantos subtextos quantas coisas que deixei ou quis dizer o oposto? quantas contradições no meu discurso e nos meus olhos? na minha língua ou na minha fala. eu gosto tanto de te lamber (impossível essa frase ter ficado lírica, me desculpa) de passear com a minha língua no seu corpo e no entanto não sei lhe falar. a palavra fere e sai descontrolada a percorrer caminhos invisíveis - eu tenho medo dos caminhos que a palavra desenha dentro de você. eu queria criar uma linguagem simples e pura e estática e sem modulações e nenhumazinha ambiguidade: eu gostaria, no fundo, que meus olhos ou meu corpo pudessem lhe dizer o quanto eu te amo. que seria a forma como eu encaixo minha perna na sua ou como eu passo os dedos rápido, leviana, quase sempre preguiçosa. me lembrei de uma frase da ana c não estou conseguindo explicar minha ternura, minha ternura, entende? não vou saber explicar ou falar do amor ou da saudades ou do ciúme, da melancolia ou do desespero. não estou conseguindo explicar, que 
em alguma língua é possível dizer com qual voz eu digo pra você acreditar? se eu desviar os olhos é amor se eu manter os olhos será amor, não me confunda. eu não sei lhe falar, não me deixe, etc. no fim é isso e último: e pela terra desse mundo, não me deixe, não me deixe criar algum qualquer abisminho, eu não quero escrever bonito, pra você.

mas é pra você mesma que eu escrevi não se  deixe enganar. 
ah veja bem, eu o reli publicado e encontrei uma série de desencontros, fiquei triste, eu não faço a mínima ideia de como falar e as frases se cutucam e criam monstros: eu não quis criar monstros, eu te amo. tudo é tão. eu queria lhe explicar racionalmente sobre a minha auto-boicote, falsa vaidade, de como me contradigo e digo, quando na verdade, o desejo é de escrever bonito, e eu não sei o que é abismo, mas assim eu lhe revelo os nós invisíveis, as coisas mágicas, soterro os buracos, mesmo os buracos das pegadas e não há mais razão a se escrever, você entende? eu não posso deixar tudo claro, eu não sei nada sobre a linguagem bruta, ela é feita de poucas palavras sempre, monossilábico e assertivo, como flechas, eu nunca gostei, como alvos, eu desvio, desvios. por último e em qualquer instância, não me leve a mal. tão a mal.

abril 28, 2014

dirana,

eu queria te escrever umas cartas de amor,
mas eu te prometi nunca mais escrever sobre isso.

abril 09, 2014

lastro bambo

espera: navego.
navegamos.
seguro-me no lastro bambo.
o chão ondula, é certo.
 - é o mar.
certo que é, o mar.
tenebroso, escuro: poseidon.
não sei se cá está.

peço ajuda à iemanjá.
rainha, há de me entender.
beijo-a, infinita.
branca e vasta,
virgem.
certo que não sabe.
seguro-me.

em ti: um barco bambo.
nau naufrágio.
estilhaços de madeira, mar torto.
não aporto.
não há!
naveguemos.
em mar,
amar.

fevereiro 05, 2014

cartas bélgica #4

são paulo, 5 de fevereiro de 2014.

te vi outro dia na rua. lembro-me ainda de muita coisa. de nós, algumas pontas. do dia que adormercera no meu colo. ainda tem o sono pesado? você passava pela rua naquele seu andar entorpecido, atrasado para o último metrô. creio que sim. dormia e sonhava alto e não ouvia os estampidos, os tiros, o trator ininterrupto. acordava bravo porque me metia na mesma cama que você. sequer ouviu um naco das histórias que eu inventava e te contava em meio ao sono solto. respondia sempre monossilábico. afoito.
lembro-me de mim. mas os tempos me parecem outros. encontrei uma clareira, te disse? um dia quero te contar sobre ela. de como da terra da clareira vislumbrei um outro mundo. um dia, talvez, me conte dessa sua sobrevivência trôpega, escorregadia. nunca entendi como prefere apoiar-se aos escombros na promessa duma fortaleza. acho que nunca entenderei. 
peguei a mania de pisar descalço no asfalto quente, talvez você não entendesse. 
até um dia qualquer. dessa vez, não precisa responder.

cartas bélgicas #3

tentativa 2

ninguém avisou, o âncora sumiu. a tv um breu, nenhuma notícia. no meu celular, nada de você. o mundo finado, alma penada. culpa-toda-sua-e-explodiu.

cartas bélgica #1 tentativa 2

TENTATIVA 2

querido,

faz frio aqui. se saio à rua, e saio pouco, tudo chamusca. os restos. as casas. as pessoas. queimam porque o frio é polar. ou porque eles assim o desejam. eles e seus isqueiros, suas bitucas, suas bombas caseiras. 
um último ato desesperado. um pedido de socorro, talvez.
onde é que você se esconde? ouço falar nos abrigos aterrados de gente, na água daí que rareia. se meu corpo ainda se dói de pensar que tudo vai ser lentamente destruído e rapidamente abandonado (tenho sonhado com gente comendo gente), dói-me o mundo. que o mundo; você.
encosto devagarinho minha orelha no seu peito. minha orelha gelada. o dorso da minha mão, dentro da sua. você me ouve se estivesse um pouco mais perto. guardados dentro do meu apartamento feito de aço e cimento.
adiar o fim do mundo. o quanto aguentar. e o desmoronar, tanto faz, um jogo de amarelinha. 
inferno, cadê você. um dois, um estampido. quatro cinco, apita a sirene. oito dez, meu interfone; céu-paraíso; você.
aguardo na janela, minha rua te espera, ansiosa de seus passos.







janeiro 27, 2014

nem tudo é essencial

o ar aqui é pesado e tem cheiro de compromisso

fica aqui umas anedotas coisas rápidas delícias nada literárias erros crassos na enorme nuvem e ninguém se importará
sonheiquemeuscabeloscaiam.blogspot.com

janeiro 24, 2014

um dois tres vulcao

1.
amor eu só não queria ter a eterna sensação de que eu faço mal pra quem tá perto de mim

2.
vc não devia ter me dito aquilo de que eu nunca vou conseguir gostar de uma mulher porque toda vez que eu to me masturbando e pensando em duas mulheres transando eu lembro do que vc me disse e fico triste

3.
eu não sei se ja tive um orgasmo mas acho que nunca fiz ninguem gozar


janeiro 18, 2014

boa viagem

boa viagem e verdes são os mares
verdes teus cabelos
vedes meu desespero

tem meu telefone?
acaso a tormenta lhe alcançar
lembre-se 

verdes são minhas unhas
amarelo meu desgosto

boa viagem e brancos são os lares
volte em aconchego
leve meu desprezo

me mandaria um e-mail?
o barco, meu receio
tomarei-o

azuis as minhas têmporas
negras as espingardas

boa viagem e deus te acompanhe
entre os rios e os devaneios
ore a minha reza

de mim, alguma saudade?
repentino o espelho
pouparia

azul clara esta doença
rosa seu floreio

adeus e boa viagem
verdes são os pares
amares teu cabresto

uma última dança
de relance
aceita

azul meu corpo frio
ouro seu partir

janeiro 07, 2014

voluntária

tem um grupo desses voluntários para não sei o que lá zigazeando pela rua. usam camiseta iguais, alguma coisa colorida em letras garrafais. vendem chaveiros e não sei mais o quê em prol de uma vida melhor a não sei quem. são coloridos e feios, os chaveiros. a menina que os segura nervosa, não. tem as unhas pintadas de azul escuro. descasca. deve ser de bater siririca. olha para os lados, um pouco tímida. que fez a gatinha? cometeu alguma infração, foi pega com cocaína? busca a redenção. tem os cabelos cacheados. chega mole e sorri pouco. parece desconfortável. ela assente. os malditos chaveiros, as canetas sempre caem. o olhar do líder repreende. sabe falar pouco ou mal ou sabe falar só de putaria. convido-a para um café. ela me mostra exausta os chaveiros. convido-a para uma cerveja. rebate-me o olhar repreensor, aprendiz de líder. quer ser grande, moça. que rainha. um café e me compra as coisas todas. não tenho nada, mas digo que sim. proclamo sempre bêbado e babaca: sou anti-herói das caridades mesquinhas. tem outros jeitos de mudar o mundo, ela blasfema. não quer falar disso. pousou os chaveiros na mesa, descansada. pegou uma das canetas que venderia e cutuca a mesa. as unhas, enrola nos cachos. olho-a atentamente. pergunto-lhe o porquê, dá de ombros, não quer falar. diz algo sobre a felicidade. sabe que o carinho é também. ela ri. já sabe. pega um guardanapo e faz um desenho, esconde-o com a mão. deve ser um pinto com bolas bem grandes e tortas. deixa eu ver. ela sorri e nega. queria mais ouvir da sua voz. é ríspida, como se brotasse de uma garganta aberta. ex-fumante, sou. de repente, se cansa, larga o desenho para quem quiser ver, o garçom a olhos esbugalhados de horror. essas meninas desses dias. olha o relógio do lugar. o ponteiro se move e ela se levanta. preciso ir, vender, já que não comprarei nada. só uns três. tinha lhe dito. exala suor e perfume doce. menina. está tão perto agora. poderia fumar do seu hálito. bala. compro-lhe tudo mas fica, no impulso peguei em sua mão. não sua. ela sorri um jeito de último sorriso. me deixa. volta depois de quinze minutos. deixou-me em torturas. descasquei todas as partes do seu corpo, separei-as, vendi. cataloguei. guardarei. diz, vamos, fui dispensada. o mundo é um lugar mau. a gente precisa ajudar. você também. anda na frente. como imaginava, rebola, mas ainda destrambelhada. no meu bolso, os vinte chaveiros malditos e coloridos. as canetas guardei duas e doei o resto para o garçom horrorizado. ela parece gostar delas. parece que as passa no seu gozo e as vende. é simpatia. só pode trazer mais sorte para quem compra. cheiro a tampa. é verdade. não é doce. faço círculos em sua nuca com a tampa, ela não sorri. tasco-lhe um beijo grotesco. ela corresponde pouco, mas monta em cima. fala que quer ver meu pinto duro dentro dela. tem maestria das mãos. só não consegue segurar os chaveiros porque prefere os grandes. que arrebente. essa é a mais sublime das caridades, eu sussurrei. ela cospe na minha boca. lambe bem perto do olho e depois volta a se abrir. não é assim. faz-se tudo. enfio o dedo na sua vagina e descubro que não é caridade. ela já sofre intensa. gosta muito. quero comê-la com a camiseta. ela retorce a cara. levanta. não cederá, tampouco cuida. é feita de nuvem. choro do escroto na cama. ainda ouço os passos lentos pelo corredor. bato uma punheta. ela pinga remédios nos olhos das crianças e passa as mãos pelos corpos dos meninos. terei que acender um maldito cigarro. entrarei para um grupo de voluntários.