junho 26, 2014

três anos

quando eu tinha três anos um pastor alemão de um policial correu atrás de mim. me lembro vagamente, minha irmã murmurava essa história antes deu dormir (ela te mandou um beijo, aliás) com alguma maldade, ligava a luz da lanterna e passava diante dos meus olhos, como a lanterna de um carro. eu dormia rápido que a luz irritava (irrigava) meus olhos. ela aproveitava para ver as revistas de mulher pelada roubadas do meu irmão. eu sonhava quase sempre com o pastor alemão, um cão negro, de olhos grandes, boca salivando. ele nunca corria atrás de mim. era sua imagem estática que me amedrontava.
estive no ato dessa semana, tudo conforme ia: pé, cantoria, lenço preto na boca. a rua tava cheia até. policial até entupir os bueiros. gentinha suja e desalmada. a adrenalina crescia, em algum momento alguma bomba explodiria e pá. meus olhos encontraram com os dele, reconheci os olhos do cão policial, olhos de quem rosna em silêncio. pronto pra matar. 
não consegui, Marcos.
minha adrenalina rápida instantânea igual miojo virou medo de congelar as veias. e os pés e a boca. acho que meus amigos me chamaram, disseram para eu não parar, que daqui a pouco pá, fica esperta, que ce tá fazendo? ish, ói a mina. pá. 
teve bomba mesmo, cê viu na tevê? teve bomba pra todo lado, estourou do lado do meu ouvido, e foi isso que me fez correr, alguém me pegou pela mão, minha perna ainda dormia, pá pá pá, bomba e bala de borracha, meu olho lacrimejava, mas o que eu via na minha frente, o cão. o cão, o cão, o cão.
quem corria comigo não entendia nada. eu balbuciava. ou rosnava igual um cão. salivava.
leva pra lá, essa mina, í, leva! leva pros cara com a bandeira, ela num pode fica aqui não. 
fiquei com um pessoal de partido, me enfiaram num bar e correram para as suas casas. e não podia ir pra casa, que a minha é longe e a rua tava um caos. pedi um pouco de cachaça, um guardanapo e uma caneta.
pensei imediatamente em te escrever.
aquele cachorro queria me pegar, Marcos. ele ia diretamente até mim. 
me contaram que eu joguei pedra e garrafa numa mesma direção. eu tenho que matar o cachorro, Marcos, ou ele me mata. juro que me mata.
sonhei que rosnava pra ele. 
ele abriu a boca (ia com certeza me engulir duma vez só feito jibóia) e eu acordei toda suada. alisei as velhas revistas de mulher pelada do meu irmão (tenho feito umas pesquisas).
queria perguntar à Clarice por quê o cachorro correu atrás de mim quando eu tinha três anos. não tenho coragem.
me manda forças, Marcos. preciso de você.