junho 25, 2014

os tres cachorros

querido,
me enrolei num cobertor, fiz um chá de folha de maracujá, e me pus cantarolar bobagens. certo momento, lembrei-me do sonho que tive. tinha visto três cachorros, malhados, de olhos esbulhados, porte médio. não sei que parte da canção me fez despertar a visão, ela veio como um flash e nada mais. lembro-me sobretudo dos olhos, grandes, e aquosos, como são olhos de cão. 
vi os três cachorros. cada qual num lugar, mas os vi. um breve temor tomou conta das minhas mãos: nesse momento, tento escrever, a letra tá garranchada que é uma coisa horrorosa. 
o primeiro, eu não o estava procurando, que sonhos são comuns, e não devem se repetir de forma tão milimétrica na realidade. andava sem pressa por uma rua de paralelepípedos. procurava por um correio na região. a rua tinha casas desconcertantes - amarelas, róseos, laranjas - de telhados tortos, duas ou três germinadas. sempre achei engraçadas as casas germinadas. senti uma gosma, algo assim, meio líquido e não sei, escorrendo lentamente pelos meus pés - calçava chinelos. o cão estava à minha frente, de bocarra fechada, os olhos pretos esbugalhados me encarando.
não pude nem gritar. não tinha ouvido arfar ou latido, mas o cachorro estava ali, à minha frente, de boca fechada. e rapidamente correu. era um cachorro de rua? não pude prestar atenção no cuidado do seu pelo. usei lenços para limpar a gosma, a saliva do maldito. temo alguma maldição. 
sonhei novamente com os três. minha nova obsessão era procurá-los na cidade.
Mirela veio me buscar de carro para irmos ao hospital. ela falou do marido e do gato, usou o mesmo tom para falar dos dois - deus me livre me tornar isso! me disse que eu devia comprar um novo pó compacto ou um blush, andava toda desossada ultimamente. então, avisei os dois cachorros. brigavam por um pedaço de carne crua, no meio da rua. apontei para a janela, mas soltei só um gemido. Mirela não percebeu. nunca teve boa sensibilidade. virou à rua.
antes de dormir, peço para não sonhar com os cães. tomo mais maracujá, que é para tombar de uma vez.
tenho algumas impressões, mas não há coragem para escrevê-las. se ver os cães, lembre-se, tem olhos bem esbugalhados, por favor, me mande notícias.
temo que estejamos em perigo.

com amor,
Daniela.