agosto 12, 2015

é com certo pesar que te escrevo por aqui. preferia eu escrever à mão belas palavras rechonchudas flutuando em papel sulfite branco (talvez um canson, para durar uma eternidade), mas não posso te dar papel algum onde caibam as voltas que sinto dentro de mim. não seria uma carta de aniversário. não seria uma carta de amor. não seria uma carta; tenho medo delas e das memórias à tinta fresca que exalam. tenho medo que elas se instalem pela eternidade. tenho problemas com a eternidade. as angústias; não são eternas. felicitações ingênuas em papel de carta; sim. talvez eu te garranche um te amo qualquer, torto; nunca fui boa diagramadora; mas eu estaria a cumprir protocolos. 
e eu quis muito que nunca chegássemos a cumprir protocolos por meramente fazê-lo. eu quis muito, e no entanto.
não chego a pensar, sequer, se você se lembrará de mim daqui a vinte anos, com nostalgia ou saudade irônica. como uma mancha esboçada - eu espero que seja mais, eu espero que eu tenha te marcado à queima-roupa, eu espero, contudo. eu parei de lhe escrever há um tempo; as coisas escritas doem mais. invoco certos dons esquecidos por mim, eu preciso fazer com que você se lembre por quem você se apaixonou. besteira; eu não sei por quem você se apaixonou. eu trazia um ar calmo e uma dor trágica, ás vezes meus olhos embaçavam, mas não inundavam. uma vez ou outra, você me viu aleijada e você deve ter gostado da minha dor curtida; como azeitonas em conserva; as minhas dores. eu nunca escrevi sobre o que me doeu mais; eu escrevi sobre o que era palpável. diversas vezes eu pensei em escrever sobre nós, sobre eu e você. mas as coisas, para escrever, é sal marinho na ferida aberta. eu escrevi sobre o que aquilo que posso tocar; e o resto todo, eu senti. eu gostei de só sentir com todo o meu corpo - meu nariz escorrendo e minha vagina molhada, tudo que se diluiu em água, nesses meses todos, tudo que veio a ser regado. eu gostei de enclausurar minha paixão e a minha mágoa no meu corpo; eu gostei de não ter que expelir isso em palavra; eu gostei de me empanturrar, de me estafar do nosso ninho. eu me sinto viva. por isso se escrevo, é porque preciso lhe dizer alguma coisa; porque estou pequena; porque queria te presentear; porque queria dizer que. mas eu não sei; por favor; eu não sei, eu não fui abençoada por nenhuma musa; eu não sei. 

nosso amor é encravado de crise; 
eu te disse incontáveis nãos seis e você continuou apaixonada por mim; você enfiou-me agulhas; você me perfurou com o seu desejo e com o sangue que eu arranquei de você; eu sei, de tudo isso, eu sei um pouco, o que me contaram, mas eu sei mais das suas agulhas, eu sei mais do como é que eu fui cair de boca no seu desejo; foi a lacuna, foi o buraco que você cavou em mim; foi; foi a dor.
mas é, ainda é; eu continuo com você, eu não sei porquê diabos eu continuo com você, eu não sei porquê depois de todo esse tempo eu nunca fui capaz de te dizer, pode ir agora, você é livre, faz o que teu peito manda. porque você me segura; a sua voz me segura, o teu jeito de contar as coisas do dia, o teu jeito de me comer, o teu jeito de me olhar nos olhos, o teu jeito de me segurar; eu te sinto na minha pele, e é isso, é isso, eu não sinto que posso morrer, não, não é isso, eu sinto que eu talvez minha pele abra, que sobre a terra eu seja um músculo e gordura, carne viva, eu sinto que você me esfola, e se eu continuo, é porque é o jeito que arranjei de me sentir viva, de entrar nos teus buracos, nas tuas glândulas, dentro da sua buceta e do seu cu, de me encaixar no seu corpo, de te conhecer a ponto de nunca mais te esquecer. a ponto de nunca mais te esquecer. eu queria te tocar inteira, pra que a sua memória grude no meu corpo, pra que eu não possa te esquecer.

mas você desliza, escorrega, se desfalece. de repente, é uma sombra, um fantasma, de repente, tão dura quanto uma pedra; tão dura, real e cruel quanto uma pedra. e é isso que me fez te agarrar na minha pele, que me faz querer entrar dentro dos seus buracos; olha;
eu tenho um amor dialético por você.

esse quarto: essa cama, esse chão e esse céu turvo, e a fuligem dos carros que entra pela janela, são o ato, o palco, o júri e a testemunha da nossa dialética.

eu tenho um amor impuro por você, rançoroso e rancoroso, gorduroso feito manteiga de segunda; de mágoa e de falha, eu tenho um amor escroto por você.

eu tenho um amor jovem por você, físico, ingênuo e melodramático, que dá dores no corpo, me faz perder a cabeça;  eu fumo cigarro e choro um pouco num dia de trabalho; meu coração dói (e isso não é bem uma figura de linguagem de segunda). 

eu queria ter te feito qualquer poesia; eu queria ter te comparado à várzea de um rio; que inunda a terra seca que o rodeia; e que a terra, arrebatada, não tem escolha; ela se deixa ser enlameada; e que a terra, embora agora invisível; sabe que será semeada; mas eu adquiri um receio, o de estragar ou não fazer efeito; o de não ser capaz de te atravessar.
(minhas terra é que enlama tuas água/tuas várzea é que inunda minhas terra)

te dedico, bonitinha.