maio 13, 2019

esperando Sofia

adélia tem me deixado estupefata, me dado gastura e delícias
eu que nunca consegui ler poesia direito.

hoje, no ônibus, li esperando sarinha
primeiro lembrei-me da minha prima, que também se chama Sarah
mas foi só a evocação do nome, no final do poema eu já o tinha transformado
e ficou assim

ESPERANDO SOFIA

Sofia é uma linda menina ainda mal-acordada.
Suas pétalas mais sedosas ainda estão fechadas,
dormindo de bom dormir
Quando Sofi acordar,
vai pedir leite na xícara de porcelana pintada,
vai querer mel aos golinhos em colherinha de prata,
duas horas vai gastar fazendo tranças e castelos.
Estou fazendo um vestido,
uma tarde linda e um chapéu,
pra passear com Sofia,
quando Sofia acordar. 

por mais que seja doce e que Sarinha apenas está dormindo de bom dormir,
uma melancolia rescendendo à morte me invadiu. 
o que me fez sentir isso foi a última estrofe:
estou fazendo um vestido,
uma tarde linda e um chapéu
porque estou fazendo uma tarde linda para quando Sofia acordar.
porque quando ela acordar vai ter tudo que quiser, e vai ser criança novamente: mel, leite, flores, tranças e uma tarde de sol.
estou fazendo o leite, a colherinha, o mel, e pintando a porcelana, estou esperando seus castelos, ansiosas por trançar seu cabelo, que vai estar comprido.
e tantos poemas de morte, tão mais concretos que este, e nada eu senti. porque estou esperando Sofia acordar. e se Sofia apenas dorme? e se sou eu que durmo? se Sofia não está nos meus sonhos, eu estou nos dela? e tudo isso fez-me pensar que já é maio. então queria dizer algo, mas não sei escrever poemas.
adélia disse que o poema vem com gordura e sangue, e depois tem de limpá-lo como se limpa um recém-nascido. eu não sei limpar poemas porque não sei escrevê-los, então vou de uma vez:

todo dia cinco de janeiro Sofia nasce
e todo dia primeiro de junho Sofia morre
de janeiro e junho a tristeza me arrasta
com ferro e suspiros

levará ainda seis meses e quatro dias
até que Sofia renasça
pois é cinco de janeiro novamente
- este é o tempo da noite

nunca soube que ano ela nasceu e morreu
pois todo ano ela nasce e volta a morrer
e o tempo é sempre igual
intrépido qual uma trepadeira

no meio de março, quando Sofia já aprendeu a falar
e dorme com duas chupetas
me chama de Nana
no fim de maio, quando deita-se já exausta
e o irmão que não conheceu faz anos,
a palavra se dissolve em sua boca

deixa no mundo só seus rastros,
o eco de Nana que não posso ouvir
risada de erê levado

cinco anos e cinco meses,
julho dilata-se no triste azul da bahia,
em outubro peço Perdão

novembro é só saudade

em dezembro pego-me ansiosa: 
o ano vem vindo de mansinho e Sofia também
feita de tempo, areia e vento

o sol nasce-lhe os olhos
e a lua a embala no seu sono
que seja cheio de sonhos dourados
quentes como são em janeiro
novilhos lambidos pela mãe

os olhos espicaçam claros
a luz é dura feito um estilhaço
descansa dentro das vísceras
logo nos chamaremos








fevereiro 09, 2019

nota para depois

eu acabei de rever cópia fiel. eu vi pela primeira vez no cinema, e na época não entendi muito bem. quando estava revendo agora, não me lembrava nem que ela muda no meio do caminho e diz que eles são casados, casualmente, e assim segue o filme. na época eu via filmes querendo ver as imagens, etc, aquelas que ficam rolando no vidro do carro, achava lindo, pensava vo bota no meu. nota inútil: é muito bom deixar de querer fazer cinema, ver filme é gostoso demais agora
bem, eu me lembrava de uma coisa.
era que no final ou perto do final víamos a juliet binochet olhando-se no espelho que é a câmera, e a coisa toda ia dando um zoom in até ficar bem pertinho da pele dela, OU, ela se olha e no canto esquerdo tem um quadro parecido com ela que vai dando esse zoom in. de qualquer forma, havia um zoom in intenso que revelava a textura da imagem, da coisa que não é, que é superfície.
absolutamente tem nada disso no filme, talvez não tenha nenhum zoom in.
esperei até o fim dos créditos.
o que a minha memória fez? inventou um plano que, no fim, simbolizou tudo que eu entendi do filme? eu inventei? parece tão real. peguei de outro filme com a juliet e botei ali?
não consigo entender. procurei por coisas que tenha escrito sobre, nada.
daí uma certa importância da gente fazer essas notas, mesmo que apressadas.
pelo menos pra mim, com uma memória tão frágil a inserções.
meu deus, esse texto parece até uma ficção que tenta fazer jus ao filme, ao cerne do filme, mas infelizmente não é. quem dera fosse. mas agora, poderia ser uma boa ideia. então, daqui 10 anos se eu ler de novo vou pensar que pensei tudo estrategicamente. não, não pensei, sou enganada por mim mesma o tempo todo. que isso fique claro.

e além de tudo isso, fui procurar boas críticas que dessem conta do fôlego de cópia fiel pfffffffff. que grande bosta. tudo um lixo. mas a que me chocou foi a da cinética.
quando eu escrevia críticas de cinema aos 23 anos (acho) eu lia as críticas da cinética e ficava toda mordida, morrendo de inveja, entendia nada e queria escrever assim
daí que minhas críticas são terríveis também e uma boa parte vem de eu querer imitar a linguagem da cinética, sem ter as referências que aqueles homens tinham
até hoje quando eu ouço a palavra cinética eu tremo um pouco
a crítica do eduardo valente de cópia fiel é preguiçosa e mal escrita. pronto.
não é melhor do que a do estadão e é só um pouco melhor do que uma outra que encontrei num blog obscuro. é uma delícia dar uma desmontada nos nossos monstros juvenis, né? e você aí rindo de mim que a cinética era um monstro pra mim. era sim, e todos os meninos que liam ela e repetiam que sabiam o tanto quanto. esses eu ainda não consegui desmontar completamente, mas vamos por partes, né?
enfim, mesmo não tenho um quarto das referências do eduardo valente, eu acho que faria uma crítica um pouco melhor. o problema é que hoje em dia não me interessa em nada falar de decupagem, mise en scene. que bobagem, meu deus. para quem são as críticas da cinética, se não exclusivas aos realizadores? kiarostami é gigante e tocou em um ponto tão delicado que eu demoraria um mês para burilar minha crítica (por isso no máximo caminharei na ficção e no ensaio)
a análise de filmes que coisa perversa.
li também um pouco do artigo do mestrado, etc. infelizmente não li inteira, e olha que outro dia li um artigo inteiro desmistificando a relação entre a doença falsiforme e os negros, as diferenças nos EUA e no Brasil (belo artigo, recomendo) e nada daquilo era minha área. mas me prendeu até o fim, era direto e vinha logo dizendo o ponto de vista do pesquisador, o racismo, e as suas diferentes formas em cada contexto, norteando investigações médicas.
pois bem, me perdi.
ah sim, o que acontece é que não quero saber mais do raios da câmera e como ela se comporta.
quero saber sim, mas está tudo lá, tão óbvio! a gente do cinema fica pegando no pé dumas questões e esquece o essencial. fui assim  também na minha iniciação científica e por isso no final não sabia o que queria dizer. não vou culpar também, só a fraqueza humana, a academia é um lixo.
voltando, o grande mas o GRANDE problema dessas críticas é que 1. fica dando a sinopse no primeiro parágrafo, mas meu amor! isso é divulgação ou crítica? e 2, o mais importante, fica querendo dizer que sabe tudo do kiarostami. eu li em várias como cópia fiel é diferente do resto dos filmes iranianos dele porque não se passa no irã... mas jura? e que é possível sim fazer um belo filme com atores renomados falando em francês mesmo o kiarostami sendo o gênio e o mártir do realismo iraniano. essa coisa de ter que saber dos filmes anteriores do diretor para poder falar... sim, esse era um dos meus monstros da cinética. pode falar sim. pode falar somente sobre um filme. o cara fez um filme, não é? esse filme já dá uma tese vocês todos sabem disso. mas ficam saindo pela tangente, porque não sabem o que falar. eu também não, né, se não tava aqui escrevendo sobre ele.
enfim, voltando: o que me incomoda especialmente no fato de ser o kiarostami filmando na itália com atores europeus, é que é isso: ele é tratado como um outro.
se fosse um diretor europeu, o texto não faz nem questão de comparar. tudo que é estranho, é um outro. descansa em paz, kiarostami. eu vou ficar por aqui.