novembro 20, 2013

tragédia em suspenso

a tragédia se fez em suspenso - e tudo se fez em suspenso.

sobrevoar em você, exercício platônico, jogo que tem durado uns infinitos. a fisgada parecia por demais perigosa. sempre parece. morro no mar de não-aguentar as asas suspensas se retesar. 

gaivota branca branca de chapa. maconha entorta os músculos, lerdeia a palavra exata. arredonda. quarteirões de perambulação. dúvida-hesitação. 

os peixes todos que queria comer, os cinzas-feios, os coloridos, os mal-cheirosos, os voadores, escorregadiços, meu bico fino. sequer me enfiei. 

esse negócio de morrer na praia redundante literal popularesco e certeiro: faz-me morrer em desejos. talvez essas metáforas sejam levianas por demais. o afogar não hesita, os deuses não deram suas graças.

a vontade deste corpo carcomida, o aplauso da plateia se perdeu. o último olhar, qualquer despedida, se fez bobagem: os deuses choram, os rituais esquecidos. maldita criação cristã-ateia que não se apega. talvez uma última-única umidade consentida seria o bastante. dos olhos, dos corpos.

qualquer bobagem, qualquer dizer. a memória no corpo guarda esse calor - o da suspensão, o da promessa eterna, da fé. ritual solitário e silenciado. o horizonte arma-se contra as rezas dos desejos. mas suspenso, o vislumbre permanece.

utópico, cego, errante. em suspenso o definitivo, o chorar ou o gozar.

novembro 19, 2013

você apareceu

você apareceu
bonita sempre
o outro sumiu

eu não conhecia
(o outro)

mas te conhecia
(você,
mas te conhecer,
que é? se sempre
recomeça)

o fio retesado
da nossa relação
você, um sorriso
(que coisa)
dum beijo 
tão-pouco

que é, tudo o mais que se oferecia
a vida as infinitas linhas narrativas
se findaram em sumiço e dispersão

que pena! você
fica em mim
como que em
mim
(dentro)
o tempo
(todo)
esperando (para se despertar)

e depois, abriu-se a caixa
(pandora, querida)
e agora
na sua ausência
sofro a falta
sofro o não
o corte seco

sempre seco
da nossa ida-vinda
que o sumir
é passageiro.

novembro 07, 2013

segunda carta bélgica

hoje acordei triste e quis conversar com você. a televisão tem me assustado, durmo com ela ligada - não sei se é pior dormir ouvindo a rua desmoronar ou a voz lacônica do âncora entediado. a voz lenta e pastosa, que tenta noticiar o fim sem alarde, os sons do mundo mudos em prol da legenda que pisca o absurdo. você não gosta dele. você não gosta do tom da voz que ele usa, você proclama para mim que odeia a contenção. a exuberância dos amontoados de pessoas - restos de pessoas - sendo jogados de um lado para o outro, enquanto se lê a ordem judicial. não, não é permitido ficar. é permitido sair. só é permitido. você chora um pouco. e inventa que a última nota da frase dele saíra aguda e trêmula. até o homem-aço, por detrás da tv, chora. eu só ouço a gravidade cadenciada das frases. (frases nas línguas?). mas te abraço e te reconforto, digo que tudo ficará bem. acho graça na sua lágrima, te pressiono na parede. a voz continua - você quer desligar a tv. você quer desligar e nunca mais ouvi-lo. eu não sei. tenho a impressão que se o mundo tivesse acabando a gente continuaria aqui, sem saber. tenho ouvido uns ruídos, uns barulhos esquisitos, sons de demolição, outro dia até ouvi gritos, pensei que vinha dos seus pesadelos. você anda sonhando muito alto. te acudo em febre, faço compressas, te beijo para cicatrizar seu amor. você me olha, mas não sei o que tem pralém das retinas. você se tornara opaco. me beija rápido, sôfrego, com medo de algum estampido, algum clarão, algo que vai nos matar no ato. você vira, eu te abraço, e seu choro tímido, eu já não consigo. finjo que não ouço. te seguro. agora é duas da manhã e você não chegou. tenho os olhos vidrados na tv pra não deixar escorrer a profusão de dor. se eu deixar, vai ser um inferno. um fim de mundo. preciso manter esse mundo, o nosso mundo, até você chegar. e em vigília, te esperarei, como esperou aquela senhora palestina (?) a polícia lhe arrancar do seu templo.