junho 17, 2014

qualquer coisa

depois de um primeiro desentrave, a coisa se solta. talvez. virginia, você tava certa, setenta anos depois, ainda é preciso um teto todo seu. qualquer barulho é motivo pra mudar de aba e esconder - que diabos. não há nem segredos. pula uma pulga de constrangimento no canto da boca sempre, não é possível me orgulhar de escrever. (quando é que vou me livrar de meta-linguagem, virgina, herta, ana cristina?)
nem romances a escrever. nem detetives. quando alguém diz, olá, comecei a escrever, esboço o riso, apita o alarme tinindo do cinismo. é ridículo. volta e meia essa crise se desenrola, e eu fico a escrever umas bobagens, medindo palavras pra desabafos incrédulos. não é possível mais ser crível - jesus cristo nem astrologia são completamente críveis, meu desejo, não. por esses dias venho injetando desejo no corpo e nos olhos: como quer a vida, móvel, feita de água e energia. meu desejo, portanto, é crível a medida que meu corpo responde - e tem respondido melhor que qualquer palavrear tolo.
quero, por fim, me rasgar dessa aura que eu me enfiei e toda a gente que andava comigo me enfiou: não escrevi romances tampouco ninguém roubou minhas ideias minhas rimas não viraram grafite fim. tenho um diário, um blog, umas ideias esparsas, qualquer coisa.
por favor, me ajudem a voltar a ser qualquer qualquer coisa. e que para ser qualquer outra, eu tenha que fazer, agir, corpo, vida e essa história, corrente sanguínea. eu preciso me mover e partir para algum lugar, dizer qualquer coisa que saia mesmo da minha boca. que venha de alguma vontade.

é um trem correndo e raspando os trilhos, mas um trem não corre, não corre, mas também demora a frear: vai raspando e levando os pombos as moedas e os meninos estúpidos que brincam nos trilhos - eu nunca andei de trem, mas na estação Guilhermina-Esperança eu gostava de vê-lo por cima, só que eu via só os trilhos, o trem não passava mais por ali, restou os trilhos, cercados de muro e mato cheio de bituca e copo plástico. se eu erguesse a cabeça via a paisagem: as casinhas amontoadas e os predinhos coisa e tal de um bairro simpático que nunca muito bem adentrei e que dentro das ruas as casinhas e os botecos eram com toda a certeza mais hostis que vistos de cima. prefiro não ter mais essa perspectiva de cima: quando vou à São Bernardo e vou de ônibus e subo a rua, a rua me leva devagar, a perspectiva me agrada, que é da altura dos meus olhos, não há ilusão é tudo rua e casinha e gente comum, qualquer coisa mesmo.
esses dias uma árvore tinha caído e tinha sangue bem vermelho (fresco?) de gente (ou de cachorro?) escorrendo. nada mais pude ver.