setembro 29, 2013

minha quimera

a culpa não me fez. mas persistiu lenta, pastosa, marrom e descendo pela goela pelo corpo degolando as terminações nervosas do meu corpo, sempre trêmulo, nada ereto, nada conciso, fundido com o ambiente, cor das paredes, cor das faíscas dos olhos que me olham calculadamente. os olhos me olham, os beijos no corpo, o corpo profano, feito de gorduras ranzinzas, coisas que ficam, que nunca vão. um corpo marcado, pouco dilacerado, de movimentos mecânicos, fordismo dos sentimentos. um fluxo errôneo, grosso, escorre mas nunca corre.
você me olhou e me disse e eu assenti, sobretudo o cheiro que exalava, que eu não sei, mas conhecia, reconhecia, reencontrava, mas não sabia. de pólvora ou de cinzas, e o corpo outro cheiro de almíscar, de canela, de cravo, de comida, desfruta depois abandona. os cheiros, guardei-os com carinho, com sempre estranhamento, com recuo, da intimidade grosseira, do corpo suado, do sangue lavado, vagina melada tão fácil-tão fácil-tão fácil.
a droga perdeu o gosto e o gosto do mundo, da percepção do todo, do pouco a pouco, inventou o viver de um minuto, do esquecimento perplexo, indiferença estúpida, do ser concreto em mundo. tudo esfarela em pó e pouco, tudo é nada, pedir perdão à deus e ao mundo pelas palavras rebatidas.
esse cubículo tão nosso, de memórias atravessadas, estilhaçadas, pedaços de um outro ano junto dos copos de cerveja quebrados, as risadas, mesmas, a dança para o fim do mundo. o mundo acaba em uma festa babaca, ambigua-se tudo: tudo é luta conflito e tesão. tudo aspira novilhos de lã, filhotes de cabras, ratos pequenos se esgueirando pelos escuros.
as palavras batem e se quebram nos quatro cantos, atingem todos, mas a dança da procriação continua livre, solta, dionísica. tudo é exagero, é desejo, é irrepreensível, é ímpeto. de um lado e do outro o ímpeto que não o mesmo, a maldita individualidade a gritar mais que o coro. se a dionísio oferecemos esta festa, senhorezinhos, triste deus mal interpretado choraria trovões e vinho gosto de sangue. dionísio sobrevive no corpo único não-sóbrio ensimesmado, no plano aéreo de um observador analítico, mas apolo continuará a ditar as regras a moral a civilidade possível. não-gritar-não-explodir. preferi me calar. o corpo dono, finalmente, do destino, se regrado à isso.
a racionalidade confusa e dispersa, estúpida de existir. você me pede explicações, respostas, e eu não sei. você me indaga com seus olhos e eu devolvo a mesma pergunta. prefiro de nada saber. me protejo, de muros construídos com garrafas de cerveja vazias, cacos da fora-rotina, da verdadeira, aquela, aquilo, a que referimos, vida. vida, verdade só possível quando não pronunciada ou pensada, filósofos morrem nas gargantas, permanece a alma deslavada, a não-explicação, o imbróglio caótico.
o corpo vasto e repetitivo de costas curvadas e dores no pescoço gastrite e enxaqueca, virulento de só aspirar, recebe seu inteiro sentido, a que veio fazer, neste mundo: o caso absoluto, o não-saber imutável. mas só muito ocasionalmente. a procura constante pela ocasião de dizer o que se quer, de trepar sem parecer mal educado, ferir o outro, sempre haverá um outro.
a flecha lançada qualquer flecha lançada nesta gente endemoniada fere no mínimo dez e dará prazer para somente um. a culpa que me engole e me faz portar sempre triste depreciativa e indecisa permite-me viver nos dias normais, de amarguras e auto-mutilação. do seu pico potencializada tem de desaparecer por uns instantes qualquer de qualquer-qualquer coisa. desaparece e retorna cada vez mais gigante que é anulada. senhor, livrai-me dessa culpa. dos cristãos, do maldito jesus. dai-me o tempo dilatado e incontrolável do inferno e seu existir só pelo existir, o elixir dos deuses e das paixões devastadoras, durando um segundo apenas.
e eu tão pequena-sozinha, ovelhinha covarde no cerco de arame. berro bé e nada mais. inofensiva de olhos redondos e macio algodão, a besta mora lá dentro, o porco de olhos apertados, o bizu de chifres rancorosos. quisera, você veja, minha quimera.
deixa a marca nos tampos de privadas de banheiros horríveis.