1. estou fazendo, não sei porquê, sonoplastia na escola sp de teatro. cheguei na terça-feira e sentei perto das meninas que já estavam em módulos avançados. elas disseram que nenhum teatro grande contrata sonoplastas mulheres. só contrata homens. tive a vontade súbita de desistir imediatamente. não consigo mais, a mesma batalha, em outro território. compulsoriamente, a maioria vai desistir, uma ou outra mina zika vai conseguir. é claro que me apontarão estes exemplos. não que eu seja obrigada a ser zika. seria melhor se eu tivesse nascido com vocação pra ser atriz ou dançarina.
2. estudei numa escola técnica e pública, no segundo ano do ensino médio, uma professora de português nos disse que a gente nunca saberia o que a elite consome culturalmente. que eles ouviam coisas que nem imaginávamos, liam coisas que nunca saberíamos o que era. que ela, nem a gente, saberia o que era. que eram coisas maravilhosas mas complicadíssimas de entender. até hoje eu me pergunto se cheguei a conhecer a cultura erudita e elitista. eu não sei se ela considerava gente da USP gente assim. eu não sei onde estou. o meu buraco da impotência compete com o ódio da existência deste abismo. fiquei espantada quando ela disse aquilo. fiquei amargurada quando me disseram que eu não podia conhecer tudo que havia de complexo e maravilhoso no mundo. meu ódio dela se transfere ao ódio desse culto do erudito. ela criou um monstro terrível feito de muro de pedra, ela, sem saber, despejou a impotência que sentia todo dia, sendo mal paga e mal quista, sobre adolescentes cheios de energia e vontades; ela me fez enxergar castas, sem nenhuma saída ou revolução, a não ser a completa ignorância.
3. tenho medo de algum dia ter criado monstros terríveis de impotência aos meus alunos da periferia. peço desculpas desde já e trabalharei na possibilidade de acabar com tudo isso e recomeçar outra coisa. vocês que empunharão.