abril 19, 2011

deixa eu te amar

oi, deixa eu te amar? me dá seu nome, seu endereço, sua infância; eu vou engolir tudo. eu vou engolir tudo aquilo que você pretende significar. deixa eu me acolher nos seus ombros, deixa eu saber a cor dos seus olhos. deixa eu te ver bem. espremer os meus olhos até que sua imagem tremida fixe colorida. deixa eu ter de você a impressão real que me custou te olhar. deixa eu te pintar. pintar todos os seus sonhos, céu cor roxa, flor de azevinho, veneno barato, barata no ralo. conversa aqui, conversa ali, deixa eu te conversar? te converter em mim, deixar de ser eu, ser apenas você. deixa eu ter a imagem que fiz de ti, o sonho que me fez acordar. deixa eu te dizer, clichê, romantismos que golpeiam o ar. deixa eu soletrar seu nome, que já me parece tão confortável à minha dicção. como se ele estivesse sempre na ponta da minha língua, só esperando para ser dito. deixa eu te roubar dos braços daquele que te fez, e tanto me fez, para por nós mesmas, nos fazermos. deixa eu conhecer cada pedaço do seu corpo, que me parece já íntimo, seu toque, deixa eu me surpreender com sua ferocidade. ou com sua opacidade. qualquer uma que seja você eu já me apaixonei. a paixão pouco escolhe cor e sabor, há de ser você nazista ou humanista; a paixão se deleita em pequenos espaços vazios. vazios onde você possa preencher, com cor ou de cinza, ou de branco ou de preto, ou de nada, se prefere, vazios onde você ocupe, deite-se, enrole-se, englobe-se. eu tenho um tanto de vazio aqui dentro, esperando por você. deixa eu te amar, e para tanto, deixa eu te conhecer. ame-me para me deixar. mas primeiro, amor. antes sem nem saber o timbre da sua voz: amor. amor em todas as escaladas, flutua e encaracola, rodeia em insensatez, desvaira e silencia-se. amor todo meu. para ti, se me deixar entrar. deixa eu te inventar, em mínimos detalhes, deixa eu te fazer: criatura. cria de amor sereno, cria de tempestade. atura-me em melodias, atura-me se te acaricio por demais: escultura. te modelo para tornar-se apalpável, e enquanto amasso e desfaço, já te amo e te admiro; te enterneço, estremeço, arrepio. e te faço, por amor. e me enlaço, por desejo. e te peço, obediente: deixa-me te amar, mesmo que em ti contenha apenas minha subjetividade tardia. te amo por aquilo que não crio racionalmente, e sim por aquilo que me cega. deixa eu te amar, como você bem quiser. deixa eu te fazer feliz, por um instante só: deixa eu te provar.