maio 06, 2012

histéricas, graças a deus

histéricas, essas mulheres. diagnosticadas, histéricas, andam cabisbaixas, languidas sensuais e invejosas, rastejam, serpentes, já mitificadas. gritam, descabeladas. por que gritam? por que ardem? parecem que estão sendo apedrejadas. sentem-se como joana d'arc, infâmia, queimadas, que bobagem, mulheres que bobagem, acalmem-se - de uma vez - calem-se. calar-me? como hei de me calar se calada vivo a vida? se maior que o grito é o silêncio. silêncio, essa gosma nojenta que por tudo corre, por cada rua se embrenha, silêncio. dos templos religiosos e sussurros às ruas vazias e frias. essa cola, essa aparência. se na rua escura me escondo no escuro - o escuro da noite também é o escuro que me cobre. se me cubro e quando não me cubro, vadia! se meu olhar é sempre receoso, de soslaio. se tenho que resguardar qualquer indício de desejo, ou aparência de. se não. ah, se não. e o olhar do outro, sempre descaradamente invasor. invejo os homens que são corajosos, corajosos de olhar com as mãos e com os pés com a língua cavernosa e o pinto escroto o peito a perna o olho a nuca a boca a bunda. que gente vivida, que gente alegre! que gente coletiva. meu corpo não é privado - não senhores - tornaram-no público, cortam os pedaços, vendem barato, um sorriso, um favor, um pedido, um choro, ou nada disso. que alegria, veja só: gente generosa, dai meu corpo, não é meu, vosso corpo, pode adentrar, sinta-se à vontade. e digo e bato no peito aflita, essa ironia, meu corpo privado não deve ser trancado! se meu corpo não é morada de Deus (meu senhor, aqui mora minha alma, minha sim), se com ele eu vou a pé, o mundo eu percorro, se assim eu queira, meu corpo de quem quer que seja meu também. que meu corpo não é ambulante, junto dele venho junto. mas não. é que dia sim dia não, não. de pouco em pouco, a violência toma tudo: venho me sentindo arranhada, estuprada, degolada. ser violentada é somente uma questão de viver, de estar neste mundo. violentada pelo objeto vivo e plástico violentada pelo estupro capitalista violentada na piada. se há resistência, mulheres histéricas, mas não de fróide, se há resiliência, deturpada e condenada resistência. se louca sigo digo danço e dou, se você, estúpido animal, acredita que perdi pelo meu corpo o respeito, pelo amor às tradições, que jogo o jogo sem consequência, um pouco de. um pouco de, o mínimo de. por favor. faça um mero favor de olhar mais a fundo: e se peço, quando peço, privacidade, e se digo, quando digo, desrespeito, acredita. histérica é o meu cu. histeria devia chamar toda essa história imunda: esse século de repressão amenizada com vitórias ilusórias. a violência anda tão trêmula, tão dissimulada, mas anda na mesma. não existem vitórias, minhas queridas, se não existe de fato. de fato! de fato, o que tenho é o temor. temor de viver, de sair, de usar. temor de ser. de ter que dissimular, ser macha ou menininha, de ter que. é preciso causar escândalos, não venham com sim ou não, é preciso escancarar, é preciso fazer chorar. chorar milhares que fazem-nos chorar dia sim dia não. chorar aqueles, que lá estão, longe de ser violentados. que na rua, mal pisam. por isso não sentem essa dor física, o cascalho acimentado como se mil sapatos não bastassem. andamos descalças pela rua suja, e se um vidro se interpela no caminho, gritamos. e se cala este grito, fascista. é preciso dar nome aos bois, fascistas. quando sangra é quando percebemos - também andamos loucas vivendo a vida que não respira jamais respira - e então freud, histeria. inveja de falo o caralho. falo torto, dolorido e constante. histéricas, eles dizem. morada do pecado, serpentes. feministinhas de esquina. vadias, loucas. cansadas, cansadas demais. se a histeria chegou é porque chegou pela exaustão. o limite foi atravessado, a tênue linha de sei lá o quê. o corpo dói, esmagadas, esmiuçadas, sentindo-se tão pequenininhas. essa discrepância física que não nos contempla. ai de vocês se ela fosse medida pelo ódio de dentro. Deus sabe o que faz: para mantê-los no poder nos fez tão atarracadas, inutilizadas, qualquer dois braços nos seguram. moradoras do pecado pequenas, façam karatê pra se defender. queria não me defender, babaca, queria só andar, não seria muito bom só andar, só andar, você sabe, babaca, como é? eu não sei. eu nunca sei. andar é um sacrifício, um passo calculado, estratégia para. para não se foder, se foder mais. o temor mata mais que o fato. o terror está em nós. histéricas, sim. graças a deus.