abril 22, 2012

querida, meu amor não é literário

querida, meu amor é cinematográfico. se o escondo, te escondo, não ouso, se meu amor. é imagem, quase fixa, o movimento pouco dos seus cabelos, crespos, fazem cócegas se por acaso encostam nos meus ombros, largos. de deleite, instantâneo, pouco eterno, te digo: apenas a duração. não aceita o literário, o meu amor, repuldia os movimentos internos, o meu amor, quer o seu olhar sem ter de saber porquê. não quero, amor, o eterno contratual que reside nas palavras magnas, a adjetivação exacerbada para se atingir o que é, o leitor desavisado, pego na alma, preso ao durar quase insuportável de um livro pesado. o meu amor é leve. é virtual, como cinema, se você me pergunta: deixa-me tocar, não há. guardo sentimentos virtuais, que como platônicos, se dispersam, voltam e se fixam para depois voarem, flutuam. meu amor não pode ser impresso. querida, me escuta. meu desejo é tangente. gosto de te desejar nas partes omissas: a fuga do seu olhar, o espaço da cama quando seu corpo termina. sei pouco, tão pouco, sobre você. não quero saber de mais: que há de adiantar explicações, que há de adiantar falar. que seja pouco e quieto, que seja um sopro, talvez, uma mordida, rancorosa, que dispensemos os gritos: que fiquemos com o soco infalível, o arranhão proposital, a marca dos seus dedos frios no meu pescoço, querida. que não falemos do que foi, ou do que seremos, tudo é tão fugidio. quero me concentrar no agora, em você, que dorme, que dorme, que dorme tão longamente. quero seu sono. não me conte dos seus sonhos, querida: fiquemos a dormir, o seu corpo mole, livre de consciência, livre de intenção, livre de. livre-se de mim, querida. livre-se de você mesma. quero seu bruto. o corpo, disforme ou angulado, seu corpo, as solas dos seus pés pressionando levemente contra minha virilha, querida: encoste-se aqui e deixemos passar o mundo. dispensemos o que é etéreo, o que é fluxo. desejo a terra, desejo a raíz que te prende a mim: não me importa do que é feita a matéria, quero em si, a matéria, quero em ti, e pouco. me contento com. o mínimo, que por mim, o máximo. o máximo que um ser humano pode dar de si: o mínimo de ti. o pouco me deixa delirante. deixa que meus sonhos divaguem e contornem o resto: de você, só um recorte fraco me basta. meu amor não é literatura. é pouco, fraco, fugidio, oscila conforme a luz, termina vez ou outra. de você, só um pouco, querida, não se vá tão apressada, ou a pressa dos seus passos, a ponta dos dedos me servem: morro de tesão. não me estranhe, querida. com você, me basta o mínimo, eu invento o resto e se te pareço triste: esquece. minha tristeza é opaca, quase normalidade, me mantem. se te pareço triste, deixa. cultivo a tristeza como cultivo querer-te pouco, cultivo o silêncio para me bastar. e se necessito te falar, querida: é que ás vezes a angústia me vem. o mundo e sua pompa - que enfadonha - exige que eu queira muito, que eu queira tudo. viver exige oposição, exijo querer pouco, e há de se opor todo o universo. dialética tirânica e safada. me deixa, querida. faz o pouco que pode, fica um pouco comigo, dorme devagar enquanto me entrelaço nas suas pernas compridas. suas pernas que, por um instante, só, são minhas: o caminho do mundo, o comprimento de uma vida.