setembro 02, 2012

coleções pessoais

1. quando eu era pequena, não podia ver mata. se eu via mata eu queria entrar. mata, qualquer mata. olhando pela janela do meu apartamento em são paulo, perto da favela, uma mata. quando foi que eu parei de ter vontade de correr por qualquer mata? eu achava mata em guarujá, no meio da avenida concorrida com as músicas altas do carro. havia um laguinho sujo, uma poça d'água num terreno rebaixado. no guarujá, um esconderijo como se fosse parte de uma natureza selvagem. selvagem. quando comecei a viajar com amigos, não entendia porque ninguém tinha o tesão de ir pra mata. de pisar na areia de praia mesmo se chove. de sei lá. ver alguma coisa. sair a noite e olhar, olha a estrela. que imbecilidade. fui me achando imbecil. não há tesão na mata, na praia. nem no céu estrelado da praia. no céu de são paulo, há. há porque não tem céu, tem uma extensão da cidade por cima de tudo. são paulo é um semi-circulo. a gente fica procurando ver além porque não existe além. mas é tudo papagaiada. é preciso fingir que há tesão nessas coisas que vão além dos nossos problemas terrenos, pra não sucumbir. a gente acha que sucumbir à cidade é a morte. mas é a morte. é a morte empastada e fascista, não fascista da bota repressora que pisa, fascismo da alma solitária, perambulante e autoritária de seus desejos não-massivos. o fascismo do eu.

2. no meu curso, há de ter imagem. não é por nada não, e nem pela ontologia da imagem cinematográfica. é imagem-imagem: mercado de trabalho, perfil bem visitado, tal e qual. somos feitos primeiro de nomes, nome e sobrenome, que é preciso escolher bem, nome artístico, créditos de um filme que talvez alguém veja. nossas mães, pelo menos. é o suficiente. tendo nome bem nomeado é preciso criar todo o resto. é preciso que os outros confirmem aquilo que se deseja ser. no meu curso, não é suficiente apenas optar - e optar é um parto com vagas limitadas - é preciso ser e incorporar a opção. é preciso tornar-se a coisa desejada. meu curso força a psicanálise. se possuo nome, tampouco sou eu, devo possuir logo após, minha função. minha função no mundo me define em contornos bem específicos. é a porta de entrada para a vida: viver é trabalhar. e para além de função, sendo nós nomes e funções acumuladas e estimuladas, é preciso definir-se ser. não ser filosófico, não. quem pergunta demais define-se de menos. é preciso se encaixar em tal qual lugar, é preciso ser ou isso ou aquilo. é preciso criar. nossos professores de roteiro são ótimos mestres de criação de personalidade-imagem. não fazemos filmes, fazemos nós mesmos. é preciso ter tal cor, posição, engajamento, comportamento. não-assim-assim, como se pensa, das regras ditadas por uma sociedade superflua. não somos superficiais, e discordamos de todas as regras. é preciso reiventar-se todo a tempo de não participar de regra alguma, ser incorporado em nenhum estereótipo, mas ter cor e solidez. solidez é o que importa. é preciso muita coerência, uma força de vontade doída. é preciso que sejamos imagens ambulantes e sólidas, coerentes com o nosso ser representado. o nosso ser não serve de nada: não é para engajar ninguém, é no máximo, para confrontar o resto. as opiniões são todas, assim assim, jogadas: ninguém realmente acredita, ou acredita. acredita no potencial de ser aquilo que é preciso ser. é preciso muito ser, no meu curso. é preciso uma imagem-toda, sustentá-la, jamais abandoná-la, é preciso amá-la; o meu curso não é de criação artística ou criação de produtos de comunicação, o meu curso é a criação de um exército de imagens bem articuladas. saber, acima de tudo, o que se quer, mesmo que seja, não saber o que se quer. o meu curso é de criação pessoal, acima de tudo, um curso de vencedores, nunca rendendo-se à moda dominante e as regras gerais, e por isso, vencedores, porque, também, nunca submissos. somos todos vencedores, parabéns.