setembro 26, 2012

como regina

mamãe, se lembra daquela novela que a regina duarte fingia que o seu filho era, na verdade, filho da sua filha, que perdera o bebê? pego me lembrando desses tempos que tinha apenas oito anos e chupava ainda os dedos assistindo à novela na sua cama de casal. pois bem, faço o mesmo contigo. é verdade que a coisa é invertida e sendo assim a nossa história bonita não tem muito de original. de filha doando filho pra mãe o mundo tá cheio, eu sei. mas história repetida só porque é repetida não quer dizer que não possa ser bonita. veja aí, a novela, minha mãe, tão bonita há tantos anos adornando nossa tevê. e junto da novela, você junto do netinho do seu querido coração, poderá assistir e reassistir o mundo passando por detrás dessa tela arredondada. se um dia eu ganhar dinheiro, não sei, vai que, um bilhete premiado, sorte na esquina, lhe compro uma tevê de lcd. mas não se desespere, mãezinha, que já sinto suas mãos frias - sempre frias, mãezinhas - apertando o peito acalorado. eu volto e sei viver bem, também. eu volto porque também amo esse guri que aqui dentro de mim cresceu como não crescia nada até então. mas é preciso que eu vá embora, mãezinha, o mundo é largo e esse pequeno tão miúdo. ainda não tenho suas mãos frias pra limpar debaixo das unhas dele, mamãe, enxugar as remelas. sei dar beijinhos de amor e o resto é desespero. e lhe confio sua calmaria, sua voz tenebrosa como se fosse deus dos mares, que nas noites de tempestade com uma só palavra chamava a calmaria, e salvou os pescadores, e salvou os banhistas desavisados. sua calmaria servirá aos solilóquios de soluços intermináveis deste pequenino. e lhe conto segredos, querida mãe, saiba você, que este pequeno é fruto de um amor. não amor como sonhava a senhora para a senhorita sua filha, porque todo homem que por aí encontrei foi com amor que me dei. menos aqueles que de mim abusaram, que me. disso é melhor calar, mamãe. há coisas que não são ditas em voz alta, costumava dizer a vovó. mas este pequeno tenho em mim a certeza: é de amor, uma noite que já ia alta, as estrelas resplandecendo no céu,  nossos corpos no ritmo da música. como na novela, antes dele me fazer prazer, olhei em seus olhos - eram pretos e arredondados - e sorri meu melhor sorriso. sorriso que quem me deu foi você, ensinando-me desde pequena a palitar bem entre os dentes, a cuidar de todos eles, sempre avisada ao conselho: é este sua porta de entrada para o mundo. e com o sorriso resplandecente, minha mãe, polido e reconstituído, vou visitar o mundo. a cada porta de entrada espero dá-lo e outro recebê-lo e sigo nessa estrada até não sei mais onde. volto logo para dar um beijo e uma lambida neste pequenininho. cuide dele como cuidou de mim e, sobretudo: ensine-o a tratar bem as moças, desde bem antes de falar, ensine-o a ser carinhoso. e se ver que ele mesmo assim violenta e grita e faz da agressividade sua bandeira, ensina-o a ter medo das mulheres. faz-te imensa, e pinta-me de feiticeira. diga que volto para assombrar seus sonhos se caso andasse sonhando a fazer o que não se deve com as mulheres. ele vai ser bom e vai crescer bem, e vai ser um bom homem, minha mãe. ensina-o a ser como o galã das novelas. já eu, se não boa mulher for. se não boa mulher for, minha mãe. te tranquiliza, que mais desforras que esse mundo fez contra a gente não sou capaz de devolver nem um terço. serei feliz e a senhora também. com amor e mil beijinhos, como regina, me vou.