dezembro 02, 2012

te fiz uma casa

escuta, querida, calma. te fiz uma casa. uma casa de madeira. é pequena, mas confortável. podem seus dedos miúdos descansarem quando for conveniente. e pintarei as paredes da cor que você escolher. mas se for rosa ou creme, eu agradeço, que sobrou tinta da reforma. se quiser, faço arabescos, pra não te lembrar a minha casa. escuta, querida, não chora. a nossa história tá escrita em algum livro. escreverei seu nome na contracapa de todos que tenho, pra não esquecer. e lendo daquele jeito que você se irrita - abrindo a boca para sentir a sonoridade das palavras. o seu nome é tão bonito. e é o jeito que você repetia ele, quando gozava, que eu guardo no meu coração. repetia seu próprio nome em sílabas fragmentadas em sussurros excessivos suspiros entrecortados. eu achava engraçado. porquê você não diz o meu, lembro que perguntei, a primeira vez. você me olhou tão assustada. o seu o quê? não sabia do que se tratava. desde então, aprendi a te ler sem poder te ler inteira. você guarda tanto mistério para si mesma. aprendi a te ver assim, entre espaços, lacunas, vazios, obscuridades que você não se achega. por isso anda com cuidado, como se pudesse tropeçar nos próprios pés que não enxerga. e olha o mundo com infinita curiosidade sobre tudo. mas resguarda a pergunta, nega qualquer busca. e permanece sempre perplexa, deslumbrada, flutuante. você voa, porque esconde o que te pesa. ah querida, não me olha assim. nunca pedi para que você mudasse, é só que eu não podia continuar. entrei pelo caminho que as tuas pernas faziam, e não podia sequer, uma lanterna. tudo tão escuro. e eu, confesso, te prometi alguma coisa, me lembro. que você andando com seus dedos pacientes sobre meu corpo, uma janela, algum lugar donde a luz podia entrar. eu te dei holofotes, lâmpadas fluorescentes, eu te enfiei de luz cega. você chorava. chorava miúda, não desse choro grosso que vejo agora. querida, me perdoa. você precisa de casa, de luz, de janelas altas. eu não posso mais te enfiar a minha luz lamparina. eu não consigo nem acender. tudo é tão vasto, querida, e não me restou dinheiro para comprar luz o suficiente. essa casa, de madeira, que eu te prometi, acho que, ou você diz e me engana, ludibria, que eu te prometi: um lugar em que pudéssemos viver juntos. eu não caibo nesta casa querida, o pé direito tem o tamanho dos teus dedos pequenos. dedos os quais gostava tanto de chupar. dedos que agora serão todos seus, a seu serviço. não preciso deles me carinhando as costas e me abrindo as janelas. calma, querida, se acalma. deita aqui. a vida é grande, você é nova, eu velhaco. voltarei à minha vidinha, meu aconchego, lá onde as janelas são cobertas de cortinas. eu prefiro assim: não me importa ver o mundo que se estende lá fora, iluminado em suas mínimas formas, mal discernindo em figura e fundo. antes o filtro que o baque. e você, minha querida, vai-te solta. leve consigo sua reticência, seu olhar perplexo, seu jeito de falar torto, como se qualquer bom-dia trouxesse a mais tenebrosa filosofia. leve consigo sua pele pintada, manchada de sol aqui e ali, os pelos crespos da sua vagina, leve seu sorriso mordaz na madrugada, leve consigo o seu jeito estranho de fazer caipirinha, leve para longe esses mamilos arrebitados que ao mínimo toque se ouriçam levados. leve que me faz chorar, também. e não ria dessa melancolia, que me é pertinente. também eu tenho escuro. mas me enfio cortina, me enfio lanterna onde ando. te admiro, querida, saber andar neste limbo, saber sobreviver com sua própria lacuna. vai-te e não faz ninguém te mudar. e cala a todos que te perguntarem demais e tirarem de ti sua imaculada infância. você ainda é dessas que acreditam em deus, e rezam baixinho quando a montanha russa sobe para depois descer violenta. leva esta casa e descansa, pelo amor de deus.