julho 31, 2012

bandidage

bandido, zé mané, chinelo, o pé descalço, doído, o pé preto feito pó, não é de pó meu irmão, não é de pó, é sujeira dessa rua: essa rua toda que vai sempre segue segue e vira à direita no beco, a rua avenida que acaba pra encontrar um fim de mundo, o fim de mundo é um muro no fim de um beco um beco sujo
sentou pra comer cachorro quente no meio da esquina que ficava no meio do mundo, a tv ia ligada, passava jornal das oito, pedi: um cachorro quente, irmão, um dogão, louvado-à-deus, completo, milho, vinagrete, purê pra caralho e salsicha e um pouco de espírito santo, irmão? um pouco também disso que meu coração de repente acelera rápido vai tocando a música a jornalista com o sorriso cínico o sorriso desdentado custou quanto esse teu sorriso, escrota? custou 9 mil reais pra tirar todas as cáries, todas as pontes, tirei dentes coloquei outros, alguns de ouro, que lindo sorriso minha senhora, sente-se à vontade na minha frente: vamos conversar frente a frente eu e você,
se você não parasse um minuto de só falar e só você falar se o seu olhar penetrante pra frente que se fosse pra olhar pra mim, pra eu aqui, engulindo pedaço a pedaço esse pedaço de alma que é esse cachorro quente, se é que esse olhar alguma vez olhou pra mim
disse a moça condescendente explodem os bandidos, os bandidos assaltam, os bandidos ladram, soltaram os bandidos, corram que os bandidos vem aí, quem foi que soltou esse maldito desse bandido? tava lacrado tava de coleira tava na sola do estado quem é que mandou autorizar? e matou um dois três fardados vamos senhoras e senhores do meu brasil imenso: ao enterro deles, estender bandeira, verde azul branca amarela, e no fundo dessa tv esse azul que hipnotiza e essa bandeira que não tremula serve pra ficar em cima de caixão serve pra quê? serve de manto, meu senhor, serve não, serve de opressão fardada, dentro desse saco chamam mãe filha e padrinho de bandido, minha vó, minha vó que vende cachorro quente até de madrugada na esquina, não reclama nem quando os moleques fumam maconha perto, acha graça, a larica paga as conta, a maconha paga a paz, ela sabe, fuma seu charuto e quieta, porque ela sabe, sabe mais do que o senhor, meu senhor, desesperado no meio da rua, sempre desesperado porque ainda não inventaram transporte aéreo possível que evitasse a rua:
os bandido isso e os bandido aquilo os bandido pá. e aqui foi quando enguli toda a salcicha de uma vez, velha muquirana, uma salsicha é muito pouco, vontade de sacar a arma pedir o balde de salsicha me esbaldar querida, minha querida, eu queria me esbaldar como esbaldar nesses dente queria arrancar esse dente de ouro para dele fazer mil pedacinhos e jogar pra cima porque é purpurina, é purpurina, é ano novo
todo dia pra mim seria ano novo todo dia fagulha e faísca todo dia dia novo todo dia dia de morrer devia ser assim, pra cada ser vivo, cachorro e gato vabagundos vira latas, todo dia dia novo que foge pelo beco: é bandido é bandido pega escurraça mata.
mata e ponto final mata e ponto final é o fim da reta, é o fim da linha? minha velha, esse cachorro quente, que delícia, que delícia infinita, a senhora não tem noção, como não meu filho, não tem noção minha velha, todo prazer da língua da carne sanguessuga é alegria direta sorrio com meus dentes: não tenho todos, infelizmente, queria te mostrar, querida, meu sorriso como você mostra os seus enquanto comenta as estatísticas da violência na capital e pula para a previsão de tempo: chuva muita chuva irmãozinho aí de cima tá brabo tá brabo tá arreganhando os dente guspindo a saliva toda em cima da gente
meu sorriso, minha querida, falta dente falta tudo, aqui dentro minha querida falta tudo por isso o sangue quente sobre e declina e por isso bam bum bam, bandidage na área, chegou pra te aterrorizar como se, minha querida senhora dos dentes bem arrumadinhos, meu querido senhor do cabelo grisalho pintado à tinta preta, como se eu tivesse tempo alma o suficiente pra poder aterrorizar sua vida sua pouca vida, tão pouca quanto a minha, como se eu não tivesse que
nesse meio tempo ter que correr pra sobreviver ganhar trocado sim não pra comer um cachorro quente e ouvir sua voz deliciosa escorregando igual água fervente no meu ouvido corpo lombo todo: arde, arde queima, queima, delícia
mas você continua me chamando de bandido, você continua impondo minha existência ao mundo, me fazendo ser menos mais menos bem menos, os fazendo rebaixados sem nome, inominados, aquilo que não tem nome não tem existência, disse o narrador baixinho nas entrelinhas, aquilo que não pode ser chamado pelo nome não tem vida força não nasce não é não pode ser rg cpf comprovante de residência, por favor? não tem menina não tem não me deram nome chamam-me por aí de bandido, sei sim, Bandido, da Silva? pode ser não sei Bandido só ou coloca assim bandidos bandidos é plural senhor, sei sim que é plural mas nesse mundo eu sou todo plural não porque eu quis porque me fizeram plural bandidage coloca aí, você é o mundo? não, menina, não, quem dera, sou menos bem menos, sou o nada deste mundo, a escória do beco do fim do mundo depois que termina a avenida, lá onde você não entra - eu não deixaria, meu bem - menina, tranquila, tranquila, calma, calma, eu não vou atirar, isso não é uma arma, é só cachorro vadio que late enguli
terminou levantou e limpou a mão na calça jeans e olhou com desalento e vontade de explodir essa tv ficou conhecido como bandidage ficou feito bandidage foi encontrado morto na mesma madrugada a tia do cachorro quente toda horrorizada depois fez o final da cruz disse deus sabe o que faz, a tv é sagrada, foi esse vai mais um amanhã, fechou a barraca

e não havia nome e não havia número e não contaram nas estatística e os dentes não arreganharam de susto e horror e não havia nada porque não havia, era tudo um só bandidage tudo um só de uma vez de um mesmo nome, sempre contando só mais um só mais um, não tem pai não tem mãe não tem quem que por ele chore e eu 

livrai-me de chorar por todas as dores desse mundo e eu escrevo porque tenho nome e números mariana 47858400-3 registrada e nomiada sou salva sou jesus, sou divina.