julho 06, 2010

virgínia

ela deu o nome da filha de virgínia, porque era virgem. ela, a mãe, jurava que era virgem. virgem, intacta, branca, olhos cor de mel, rabo-de-cavalo. não era feia. mas naquele dia, o dia em que concebera o filho (ou achava que fosse esse o dia, não havia outra explicação) ela saiu para a noite, pensar aflita sobre as dores da vida. é que a vida é cheia de dores, aqui e acolá, alfinetadas de insatisfação, problemas irritantes. ela não saiu para pensar na sua dor de ser virgem, porque não sentia dor nenhuma nisso. a vida é muito mais do que sexo ou não, ser desse tipo de gente ou daquele. não, mas naquele dia, tristonha e só, conheceu um homem, e foram para o bar, um bar cairia bem. ela gostava de beber, porque beber deixava a vida mais colorida, porque é preciso ber para aguentar a dor de ser si mesma. como é que os outros mortais não sucumbiam a delícia de não ser eles mesmos por algumas horas? dissertava ela, para o tal homem. depois, não se lembrou de nada. quando acordou, no dia seguinte, na sua própria cama, sem lençol nem cobertor, e ela adorava cobertor. tudo que se recordava era de um breu: um buraco na memória, uma falta de cor e de luz e aí, tudo bem. ela não levou a sério. continuou a viver. e aí, vieram aquelas dores. dores no abdomem, enjôos a qualquer motivo. uma chatice. foi no médico e descobriu: estava grávida. grávida como, doutor, se eu sou virgem? ele sorriu. deixou que ela engulisse a informação, ele deve estar pensando que eu sou louca, mas eu sou virgem. foi embora intrigada, conversou com as amigas, todas já muito bem cheias de sexo em suas vidas. e perguntram: e não doeu? e ela disse que não sentiu nada. e prazer, sentiu? olhou atônita. o que é prazer? tomar sorvete de morango numa tarde ensolarada era um prazer, um retorno a infância, o máximo de alegria que se contia. não, respondeu, pensando no prazer de chupar o sorvete, nenhum prazer, nenhuma dor. estranho, elas disseram. então elaboraram a teoria: tinha ele dado remédio, esses boa noite cinderela, esse tipo de coisa que apaga, e aí ele vai e pimba. ela ficou preocupada, voltou ao médico e disse: bem, doutor, pois é, eu achava que era virgem, mas tô achando que o cara me deu um daqueles boa noite cinderela, sabe como é? desmaia e vai. isso eu não ligo, não, o que eu ligo é se isso pode fazer mal pro meu filho. é uma droga, não é? e o doutor, acostumado com esse tipo de malandragem, sorriu e disse que não, não, fica tranquila, minha filha. e no final da consulta lhe prescreveu um psicológo que ela nunca foi. então, nasceu a filha: virgínia. algumas pessoas disseram que era para ela tirar o filho, mas tirar pra quê? por quê? não fazia sentido nenhum. e a filha, menina, tinha olhos pretos, pretos redondos feito jabuticaba, deve ser do homem da noite, não sei, bochechas rosadas, branca feito ela, nem tão magra nem tão gorda. e assim foi, nasceu virgínia, filha de mãe virgem. e ela? ela continuou a se proclamar virgem, com seu rabo-de-cavalo muito bem feito, sem nenhum fio desordenado.