julho 03, 2017

3: diga-lhes que dormi

nita acordou com o frio dos panos úmidos na bochecha, deitada na cama de seu pai, o mosquiteiro cobrindo toda. lentamente movimentou a cabeça e deu a ver um vulto que a vigiava por detrás do véu do mosquiteiro. na boca, faltava um ou dois dentes. os longos cabelos grisalhos, que ao se mexerem, brilharam à luz do sol que entraram pela janela, fez nita reconhecer o fantasma que lhe guardava. o contragosto dominou o seu corpo e fez menção de se levantar, a mão firme da cuidadora segurou seu braço. ela não devia ter mais que quarenta anos, mas seja pelo seus trejeitos e a sua voz rouca, ou talvez os serviços de curandeira e enfermaria que ela prestava seja quem fosse pedir-lhe ajuda em sua cabana, coberta ainda de folhas de bananeiras em vez de telhas, parecia uma idosa. sem nome, com pouca fala, chamavam-lhe inhã ou moça. sozinha, alimentava os gatos mas não tinha nenhum, tinha sido enfermeira durante alguns anos, preparava chás e infusões e receitas aprendidas com a sua família, indígenas do interior, já todos mortos. nita conformou-se com o toque da sua mão quente e sentiu que ela retirava os panos úmidos e recolhia o mosquiteiro; sem o véu tudo estava claro e os dois olhos levemente puxados da moça olhavam-na de maneira clínica. mesmo assim, a visão de nita ainda era embaçada e a moça prestava atenção àqueles olhos grandes e belos, mas baços, que lhe fitavam assustados feio um gato filhote. a moça passou a mãos pelos seus dedos e saiu, deixando a porta aberta. nita sentia um enorme temor no peito, sufocando, tentou lentamente sentar-se na cama. olhou com curiosidade o dedo, o machucado no dedo, ainda vivo, e o risco leve e vermelho, cicatrizado, fez seus olhos se encherem de lágrimas. seu olfato foi invadido por um odor de ervas bem forte, algo doce e inebriante, e a xícara de chá estendida pela moça apareceu na sua fuça. negou sem dizer nada, mas a xícara continuou ali, a mão firme e sem tremer, nita pegou-a e deu um gole que esquentou todo seu corpo. a moça sentou-se de novo na cadeira ao lado da cama. nita agradeceu com a cabeça. depois desse chá, você está pronta, se sentir disposta, a sair. nita tomou-o devagar, pois não sabia se gostaria de sair, pois não sabia para onde é que iria, por ora, o chá dava-lhe uma doce e confusa sensação de irrealidade, de que tudo estava quente e confortável, de que tinha tudo que lhe dispunha. nita sentiu a mão da moça em sua testa mais uma vez, sua mão firme, de temperatura neutra. um sopro quente de ar fez as cortinas balançarem, lançando uma sombra acolhedora para dentro do quarto. nita segurou a mão da moça em cima da mão da testa, desejando que ela não retirasse dali. pousou a xícara de chá e já não contendo o pranto que se avolumava de desejo de escorrer, mostrou-lhe o dedo ferido, colocou perto da boca de moça. moça ou inhã beijou suavemente a ferida, e os seus lábios não eram secos nem rachados, mas molhados e suaves. nita sentiu-se quente e trouxe o corpo de moça para junto do seu, em cima da cama. moça olhou bem em seus olhos, com olhos suaves, nada vorazes, com olhos tranquilos, como duas lagoas, duas poças de água estagnada e clara, dois olhos que lhe faziam esquecer a tortura que se agitava em seu corpo e que não sabia que nome dar, a imagem da feição do homem que não se formava de jeito maneira, mas que espreitava feito uma sombra em seu interior. moça tinha colocado o mosquiteiro novamente e as duas se davam as mãos, no centro da cama, olhando-se nos olhos, nita movimentou-se vagarosamente, passando a mãos nos longos cabelos grisalhos e sentiu a mão da moça percorrer seus seios e seu ventre numa velocidade extremamente lenta, apenas as pontas dos dedos a tocavam, o corpo de nita parecia como o tamanho do corpo do planeta, tão imenso para percorrer com os dedos, ou tão precioso para não se deter em todos os buracos recônditos. quando os dedos de moça chegavam à virilha, nita sentia-se quente, abafada e úmida. ofegava bem baixo, e ainda assim, os olhos de moça calmos como as duas lagoas que nita nunca conhecera na vida, lhe davam paz. quando nita sentiu os dois dedos de moça na sua vagina, sentiu-se toda mergulhada neste lago, rodeada de águas quentes e calmas que faziam cócegas no seu umbigo e entravam voluptuosas pelos buracos do seu corpo, friccionando para dentro do cu e de toda a extensão da vagina, fechando-se sobre si mesmos. somente a boca se mantinha aberta pelo medo de se afogar e nita subia a superfície, mergulhada inteira e sem saída, para buscar ar, o sopro necessário para não se entregar àquela mortalidade. nita viu a boca sem alguns dentes de moça e enrolou sua língua lá dentro de um jeito impetuoso, ainda buscando ar, aspirando o ar quente e morno de dentro do corpo de moça e desceu com os lábios encontrando cada sopro, beijou os lábios menores e enfureceu-se com a tempestade que jorrava líquida, ali não havia calma, se não rebeldia. os lábios pulsavam ferozes e monstruosos, provocativos de um maremoto, foi o que lhe invadiu, às duas deitadas em união, debaixo do mosquiteiro. as duas pingavam e arfavam, mas moça se recuperou logo e os olhos não mais tinham tormenta, como se voltavam à ser aquelas duas poças estagnadas de água, sem emoção alguma. nita sentiu que seu corpo tentava minimamente se desvencilhar do seu, e ela, alarmada, chorosa, dolorida, agarrou seu corpo, ursa como era, montou em cima num abraço, sem deixar alternativa para o corpo magro da cuidadora. ela, então, sentiu seu abraço, e as mãos fazendo um cafuné calmo, trançaram uma grande trança no cabelo de nita. nita afrouxou o corpo e os braços e foi embalada pelo doce caminhar dos dedos sobre seus cabelos, trançando infinitamente de forma carinhosa. adormeceu.
de noite, abriu os dois olhos num susto e do seu lado, dormia a irmã e o irmão pequenos, a cadeira de balanço balançava vazia. ao seu lado pousada a xícara de chá branco, nita pegou em suas mãos, sentiu o cheiro de erva. confusa e ainda sonolenta, dormiu novamente.