agosto 09, 2009

carta para um pai que não a receberá,

eu queria lhe agradecer, veja bem, agradecer por... por ter me apoiado nas horas que mais precisei? ah... não. por ter me dado suporte, abraço nas horas amarga, conselhos que guiaram o rumo da minha vida? talvez não. talvez você não seja especialista neste assunto, ou seja a (falta de) intimidade que nos atrapalhe. mas, espera! eu não te culpo. os pais separados, embora tentem ser presentes (como você), nunca alcançam certo nível de invasão. sim, porque intimidade é invasão. e invasão é conseguida, às custas, de quem vive junto, se atracando e se consolando. isso que a gente chama de família. não que você não seja família. é uma parte, assim, da minha vida. eu lhe agradeceria, apesar de ter te declarado esta falta de descoro, por você existir. existir basta, pai. a sua presença é sugadora, é enorme. uma vez por semana, umas viagens de final de ano, estar quando eu preciso, com aquela certa comodidade, "estou aqui pois devo-lhe os anos que não estive, pois sou pai desta menina e mal a conheço", e me buscaria aonde judas perdeu as botas, se não dormisse antes, e me daria todo o dinheiro que ganha, se não se tentasse em gastá-lo antes. mas para mim, basta que você tenha se esforçado. há controvérsias - minnha mãe, minha avó materna, meu padrasto diriam. mas eu nunca levei em mim a imagem que eles fazem de você. para mim, você é pai, e isso basta. basta que tentasse, e até hoje tenta, ser meu pai (embora trate-me como amiga, por não saber direito como tratar uma filha de dezoito anos). eu vou beber coca-cola com você, pai, enquanto você bebe suas - três, no mínimo - cervejas e - uma ou mais - doses de ypióca. eu beberei coca, até não sei quando, para você não ver que minha infância se perdeu. eu tento entender quanto é difícil para um pai ver a filha crescer e estar pronta para receber a vida - sem outras mãos para lhe proteger. a coca-cola fica nosso tratado silencioso, tá? embora eu discuta de cerveja com você. eu sei que faz algum sentido. você foi meu herói, de alguma maneira. me machucou, de alguma maneira. já disse-me coisas que ainda consigo ver, arranhadas, na minh'alma condoída. mas quem não diz? todos tem a mania besta de não saber usar as palavras. de não saber manusear o coração dos outros. você é o cara do bolo de cenoura, o cara da caixa de bombons e do cinema, da pizza no dom cuca, do peixe em sousas, do sorvete na sergel (quanta comida, não, pai?). você é aquele que me levava para escalar as rochas de todas as praias, descobrir umas em outras, nadar em mares revoltados, subir na pedra mais alta só para ver o que se há de lá de cima. e que até hoje, quando vou para praia, olho as rochas, umas sobre as outras, eternamente ali, e queria ir até lá. hoje em dia, ninguém liga pras pedras, pai. ninguém liga para paisagens bonitas, para se arriscar em descobrir coisas. lembra que a gente andou 15 km em uma praia, e depois por dentro de uma mata, até achar uma tribo indígena? eu ainda procuro alguém que tenha a mesma disposição que você - acredite em mim. esse papo que a gente tenta ver alguma coisa de pai (ai, estes complexos!) na pessoa que gosta, eu acho que é verdade. não se esqueça que eu gosto de fumantes, embora acho que você deva parar. você deve me achar meio boba e certinha, calada sempre; mas é que eu não sei, não consigo falar tudo na sua presença. ela é enorme, mas me basta ouvir você, por algumas horas. eu treino - há tempos, pai - ser eu mesma na sua frente, mas é muito difícil. ainda hoje, minhas mãos suam, e eu não sei o que fazer. você é sempre um primeiro encontro, de uma pessoa que eu já conheço, mas que ainda me surpreende - embora eu não concorde com metade do que você fala, e que se eu tivesse coragem suficiente, viveríamos brigando. mas vivemos em paz, não é pai? há muito tempo em paz. então obrigada, obrigada por ser meu pai e estar aqui, apesar de todas as falhas e incoerências, tudo isso a gente perdoa, tudo isso a gente deixa... porque de alguma maneira,
existe certo amor.

(eu amo você, pai.)

(e não receberá, porque toda essa verdade é doída e deixemos em paz, assim, em paz é melhor).