setembro 09, 2009

amor-menino

meu amor de menino, hoje sei, se alguma coisa sei, era amor. amor-menino que é amor-primeiro, que é amor sem saber o quê. foi a sensação antes da definição. o amor sem saber sintomas, sem saber contratos. e, por isso, é amor, amor primeiro e amor eterno. seria exagero dizer único amor? hoje o prosaico e o vulgar invandem-me. buscam extensas definições, estatificam relações. hoje tudo há nome, tudo há recíproco. meu amor-menino não tinha nome, e o recíproco era simples. meu amor-menino tinha olhos amendoados, olhos redondos como duas luas cheias, pretas de noite, e amaciadas de crepúsculo. eram dois olhos de brilho, eram dois olhos de bem-querer. tinha os cabelos pretos, como não podia, lisos e aveludados. lembro-me como meus dedos (meus dedos também eram meninos) deslizavam pelas ondas aconchegantes daquele mar de fios soltos. afogaria-me naquele mar. mas quando se é menino, nada se sabe do desespero, e por isso amor é ponto, amor é tudo. tinha a pele café-com-leite, delírio de moleque, que meus olhos, minhas mãos, meu sexo se demoravam por toda aquela escama de que é feito o topo do paraíso. pensava mesmo, que naquele tempo o catolicismo me entrava pelas mentes e estrangulava minhas entranhas, que era pele alva de anjo. que anjo seria meu amor. que a voz que saía da sua boca, que a voz era canção, cornetas empilhadas na boca de anjos transviados. era um pedaço de algodão na minha boca. lembrarei-me desde o tempo que encostei minha boca na sua, e senti o lampejo de paixão que me reacendia. tinha gosto de algodão doce. e os olhos, assustados, muito me olhavam e se perguntavam, calados, que era aquilo que também sentiam. lembrarei-me até que meu fim destrua minhas parcas lembranças, como colocávamos as mãos no peito do outro, que era para sentir o coração bater rápido. e a orelha que também encostava para ouvir todos os sons que o corpo fazia. era um rir sem fim. brincávamos. na sacada da minha casa, com as flores como companheiras, fingíamos ser mil coisas. com espingardas, matamos as flores. e com capas, as replantamos. e nas noites cheias de estrelas, ficávamos a olhá-las, calados, tentando entender o mistério daquelas luzinhas, que só se acendiam de noite, mas que sempre estavam lá. um dia eu lhe disse que nosso amor era uma estrela. que cada estrela era um amor. meu amor-menino não entendeu, não gostava de palavras, entendia mais que eu que as palavras amarguram a vida, mancham de sentidos o inexplicável. e assim, enfíavamos a língua um noutro, na'lma de outro, e abraçávamos nossos corpos nus, sentíamos a pele que ardia, e era tudo brincadeira. o coração que batia, a língua que se dobrava, tudo era brincadeira. todo amor-menino não passa de infância derretida. a malícia inexiste, num momento havia beijo, noutro, brigávamos pelo brinquedo. era tudo grande festa, grande alegria no nosso sorriso. e que coisa foi, meu deus, que já não éramos tão meninos, mas minha alma, que sempre se lerdiava em deixar, em mudar, em se adaptar, quando foi que meus dedos descobriam no seu rosto os pêlos, como aqueles que cobriam a cara do seu pai. e aqueles pêlos se alastravam por todo o corpo, lembro com assombro, do quanto havia entre as suas pernas, circudando o pênis que para mim não era nada. e como sua voz angelical, meu amor-menino, transtornara-se, desafinada e grossa, potente e máscula. e meus olhos que agora, perguntavam, calados, à meu amor-menino, o que é que acontecia conosco. lembro dos seus olhos sérios a me responder, a boca fina num riste, e dizia-me na orelha, a mesma orelha, que seu pênis se endurecia cada vez que eu tocava-lhe a pele, e que tinha vontade de me possuir. e você, meu amor menino, que sempre foi tão desligado das palavras, que se demorara a começar a falar, e que apenas dizia o necessário, usava-as de jeito tão assustador. estou certo, meu primeiro e único amor, que as palavras nos afastaram. depois veio você, depois veio dizer que era errado o que a gente tinha. e eu lhe perguntava, e já sentia o desespero, o que é que havia de errado? onde é que havia ouvido que era errado?
é errado, eu sei, você não. melhor a gente não se ver mais. eu tenho nojo de você.
que é que te aconteceu, meu amor primeiro, que fizeram do nosso sentimento? que era tão bonito, e era tudo brincadeira, era uma festa dos sentidos, lembra-se? o coração agitava-se louco, as línguas brincavam no céu de outra boca, os pés formigavam, e tudo era uma sinfonia coreografada. era errado, meu amor-menino, foi o que ouvi, depois também. mas se minha alma lerdiava em crescer, em amadurecer, também era forte em preservar o sentido primeiro. e também jamais esqueceu o amor-menino, amor-primeiro, o único amor, que não tinha palavra, que não tinha malícia, porque não tinha errado, e tampouco certo. era amor-menino, meu amor, que se estragou pelos pêlos do seu bigode. eu não o amaria de novo, se não fosse a pele alva café-com-leite que me enrosquei.