fevereiro 27, 2009

sofia.

não sei, você devia estar com as crianças da sua idade, você devia estar na escola, com os seus amigos que tanto adora. penso que eu era um pouco anti-social quando criança. não, na verdade, eu sempre gostei de ter amigos. mas eu era tímida. não fazia muito por arranjá-los. sempre fui pescada. já você, acho que gosta de pescar. gosta de abraçar, de grudar, quer todos os risos de criança à sua volta. o destino é uma mulher gorda e cruel, não acha? você só tem três anos e já passou por provações de trinta. quando eu tinha sua idade, também tive alguns problemas. engraçado, não? eu ouvia gritos dos meus pais, talvez eu estava acostumada. como você com as idas ao hospital. eu não sabia nem direito o que estava acontecendo, não me lembro sequer como me sinto. espero que você esqueça também. espero que fique intríseca só essa coisa toda de tentar ser feliz, independente do que for. e apesar de todas as tristezas que passei por você, hoje eu sou mais feliz. eu penso duas vezes antes de sentir qualquer dor. eu tenho alguma-coisa de sentir dor por se eu mesma, desde pequenininha, eu nunca chorei de pena, mas sempre fiquei muadinha, parei no tempo para ver o tempo passar, branquinha, com aquela aprência doentia. e eu rôo as unhas e escrevo, escrevo desde os cinco, sem saber escrever nada. mas essa dor é uma dor minha, e quase-nada vai tirar-me dela. tá aqui, na alma, na corrente sanguínea, corre por tudo e corrói. mas você não sabe o que me fez passar. eu sou outra pessoa depois de você. não sabia o quanto era forte. não sabia o quanto era fraca, fraquinha, choroninha, meio apelativa. não sabia o quanto conseguiria aguentar. a gente aprende a viver, sabe, depois de ir pro boldrini, nem que seja uma vez. acho fantástica a idéia de colocar todos os carequinhas, os semi-cabeludos, as olheiradas, os esqueléticos, os pernas-amputadas num lugar só. são todos como você, no fim, e lá você não estranha ninguém. ninguém vai chorar por você, se o seu chapéu cair no meio da rua, do shopping ou do restaurante. e a gente, que é saudável, é gordo, é cabeludo, é queimado de sol... a gente acha tudo uma mesquinharia quando fecha a cara, se tantos carequinhas sorriem. vocês nao são dignos de pena. aquela brinquedoteca é completamente hostil, como todo lugar cheio de crianças. vocês brigam, se fecham em panelinhas, empurram uns aos outros, não ligam para cortes na cabeça ou nos olhos ou nos braços, vocês excluem os chatos, os mais novos, ou qualquer um que não lhes apeteça. acho isso uma coisa linda, linda mesmo. o caos e os traumas infantis se delineando pouco a pouco, a formar nossas personalidades contraditórias. aquele sozinho vai crescer e se rebelar, porque um dia, foi deixado pra trás. e não quer dizer que tenha sido grandes coisas, naquele meio, só porque teve câncer. nós somos melhores se encontramos nossos iguais. eu sou melhor por estar ao seu lado, por poder te ver tão linda e carequinha, seus olhos verdes grandes e o sorriso e o choro fácil que não sai da sua boca. dentinhos tortos, falta dentes, não falta riso. eu vou levar sempre esse riso fácil, pra qualquer buraco que eu me meter, porque você me ensinou que em todo buraco - e a vida é um grande buraco, por si só - há uma luz, há ótica e há saída. alice caiu em um buraco, e o buraco era fundo, mas era cheio de cor e demasiada e saudável loucura. você é alice, você é sofia. minha irmã, eu amo você, mesmo que não possa entender nada do que eu sinto.