março 08, 2009

mujer.

que há de mal nas suas mãos calejadas e o tempo que lhe falta a cada suspiro? que há de mal que fuja de tantos choros para mamar e bocas para ninar para que possa, em paz, fumar seu cigarro? desde seus pés enfiados em saltos altos, em botinas, em rasteiras, em tênis furados, em chinelos sujos. há de ser limpo, passado, engomado. costura-se um pouco e ali as linhas da vida, vai se arremedando, dando jeito, puxa aqui, dá uma mordida. que há de mal se manchas a calcinha com aquele vermelho tão reconhecível? e deixas que sinta a dor que amaldiçoa seu gênero, e deixa que dêem muitos dias para que possas ser você e chorar por tudo e gritar em tudo e dizer olá, é só a tensão pré mentrual. precisam que entendam suas lágrimas escondidas, precisam que ouçam suas palavras aceleradas. e se falas tanto é porque tem medo da solidão. quer que te ouvem em todos os lugares, e se não há ouvidos, conversa com as flores. que há de mal se foges e descobres o mundo com os próprios pés e esqueces de fazer as unhas do pé? de unhas pintadas, o vermelho hostil que é só desabafo, o rosa claro que é só doçura. que há de mal se faz voz de criança, se grita ao ver pequerruchos e cachorrinhos? que há de mal se tens raiva de quem cresce dentro de ti, se queres abortar uma alma que corrói a sua? também matam os gatos, vocês. e que tens se gritam demais, o orgasmo nas línguas e na vagina merecem, todo o gozo e toda a vida que lhes é garantida. que mal há em esperar que lhe dão uma flor? enfia os papéis aqui e ali, tece os fios nas máquinas destrutivas, cozinham, chefeiam, apitam, dirigem, assaltam. também vocês, sabem como ameaçar, sabem como espalhar veneno, e aguentam todas as guerras. sabem escolher o perfume certo e dar o qualquer sorriso que enterneça o que mais é sólido. também vocês, querem que haja firmeza, querem que estejam em pé. e ver a alma fluída, livre, voar, voar entre prazeres diminutos, prazeres. de todos os cheiros de todos os gostos de todos os toques de todos os sons. que mal há de achar que são princesas e terão, no final, direito a um castelo? e que mães, que belas mãos, que tanto carinho há de ter dentro de ti para que abandonem a própria vida para dar tudo à outra. que há mais lindo do que tal barriga viva e saudável, não ganharás da modelo mais magra que te subestima! e beijam, os beiços cansados de tanto esticar-se e contrair-se, e olham, e gargalham. nas salas de café, nos banheiros das festas, nas ruas, sentadas na chuva, corroendo as unhas, escolhendo os brincos, penteando os cabelos, limpando o corpo na pouca água que pinga e pinga. que mal há se beberes? povoarão os botecos e serão companheiras errantes. que mal há se traírem, atropelarem a culpa, confusa de sentimentos, esquecidas em guarda-roupas? que mal há se levantares a voz no palanque, usares enloquencia que lhes és bem servida para transmutar e politizar? entopem-se de vícios escondidos, querem dar os nomes certas às coisas, tem nos pés música e dança, nas mãos arte, nas bocas poesias. sabem poetizar, por si só, sabem todas as filosofias sem ler nenhum pensador. que mal há de dizer que quererão outras mulheres? peles sem pêlos, peitos arrebitados, cabelos bem tratados. que mal há de querer para si um homem? que haja pinto e compreensão quando necessário, que haja a quem chamar quando a lâmpada apagar. um alguém para abraçar, uma chama para reacender, motivo para continuar. há de seres a revolução de gêneros. há de concluir a evolução da espécie. progenitoras, essências de vida, enfiadas em turnos múltiplos, esquecidas e chorosas em asilos. que há de mal se rezarem, se resta-lhes a fé, a oração cantada, pronunciar aquele nome em voz alta, agradecer e ajoelhar-se?
serão lágrimas sempre verdadeiras que transbordarão de seus olhos. serão vozes estridentes, de finas a grossas, vozes que consolam, que cantam a luz que os outros não podem ver. dirão entredentes, bem baixo, nos ouvidos de filhos, maridos, amigos, idiotas o que há de ser o que há porvir: ouves o coração.

há de ser: mulher, ouve teu coração e segue. mulher, que há de você um pouco de tudo, e tudo tem um pouco de você.

(de mim para mim e todas).