abril 16, 2010

roteiro

apresentação da personagem: faz curso de cinema. tem dezenove anos, cabelos curtos. quer seguir o que o coração lhe manda, mas teme o que vem pela frente, mesmo assim anda, e não hesita em virar a direção, sem nunca desviar do caminho.

seq. 01 cidade universitária - externa - dia
está caminhando. travelling acompanha seus passos. passos incertos, anda vagarosamente, de um jeito próprio.
plano próximo do rosto. os olhos castanhos exprimem tristeza. exprimem medo. a boca fechada em riste, exprime contenção. repressão.
(e se houvesse um jeito de enfiar a câmera pela garganta, ali um nó, um nó da faringe com a laringe, ou das cordas vocais entre si, um nó de algum jeito, um nó que é o nó de não poder chorar, um nó que engasga e rasga. e se descesse a câmera pelos tubos, por estes tubos que não são mecânicos, e desse no coração, vermelho brilha, bate forte, comprimido pelos dois pulmões brancos e arrebatados. pulmões que apertam o coração, que o sufocam)

seq. 02 cidade universitária - externa - noite
plano geral. vemos uma outra menina, distante.

- que saudade de casa.

repete, repete. plano médio. plano próximo. vemos a menina de perto.

- que saudade de casa.

ela diz alto, louca, desvairada, anda em círculos.

plano médio da personagem central. ela olha a menina.
plano geral, as duas no mesmo espaço, a central olha a outra. abaixa a cabeça, sai andando.
no mesmo plano, câmera em travelling a acompanha. anda rápido, foge dela. pára e senta.
plano médio, dos ombros. os olhos encharcados de lágrima, a boca treme. treme, esparsa, convulsiva, querendo escapar, querendo imitar. plano detalhe da boca. corta.
plano médio, olha para os lados.

- parece que eu tô num filme.

ela olha para trás. vê algo entre as folhas. é uma câmera, câmera, lente, lente, câmera, quer tudo transformar em filme, tudo isso é só ilusão, ela diz, a lente diz, está claro que diz, é tudo mentira.
- que porra é essa?
corte. tela escura.
- que porra é essa?
tela escura.
- isso é um filme.
tela escura.
- é só um roteiro.
tela escura.
- é literatura.


seq. 03
plano próximo da menina, descabelada, peito sobe e desce, a íris aberta, transtornada, suor na testa brilha, seu pulmão ofega, seu coração se esconde, e o nó enrola tudo que tem dentro dela lá: toda ela é um nó. toda ela é nada.

- não... não é possível. isso é minha vida.
sou eu. óbvio que sou.

ela ri. um riso triste, irônico. os dentes arreganhados, a boca distorcida.



corta.