outubro 14, 2016

Natalia Ginzburg

Natalia Ginzburg,
que palavras lindas, que coração grande. me encheu de luz.
vontade de xerocar teus textos e dar a todos que amo e até a todos.
Vontade.
que fibra, que serena.

que linda, a maior pequena escritora que o mundo nos deu.

"uma vocação, a paixão ardente e exclusiva por algo que não tenha nada a ver com o dinheiro, a consciência de ser capaz de fazer uma coisa melhor que os outros, e amar esta coisa acima de tudo, é a única possibilidade de um garoto rico não ser minimamente condicionado pelo dinheiro, de ser livre diante do dinheiro: de não sentir em meio aos demais nem orgulho nem riqueza, nem vergonha por ela. ele não se dará conta das roupas que usa, dos costumes que o circundam, e amanhã poderá passar por qualquer privação, porque a única fome e a única sede serão, nele, sua própria paixão, que devorará tudo o que é fútil e provisório, despojando-o de todo hábito ou atitude contraído na infância, reinando sozinha em seu espírito. uma vocação é a única saúde e riqueza verdadeiras do homem."
(as pequenas virtudes)

"e agora somos verdadeiramente adultos - pensamos - e nos sentimos supresos de que ser um adulto seja isto, e não tudo aquilo que acreditávamos na juventude, não a segurança de si, nem a posse serena de todas as coisas da terra. (...) somos adultos por aquele breve momento que um dia nos coube viver, quando olhamos como se fosse pela última vez todas as coisas da terra e renunciamos a possuí-las e as restituímos à vontade de deus; e de repente todas as coisas da terra nos parecem em seu lugar preciso sob o céu, e assim também os seres humanos; e nós mesmos suspensos a olhar do único ponto exato que nos foi dado: seres humanos, coisas e memórias, tudo nos pareceu em seu exato lugar sob o céu. (...) durante toda a vida só soubemos ser senhores ou servos: mas naquele nosso momento secreto, naquele momento de pleno equilíbrio, soubemos que não há verdadeiro sonherio nem verdadeira servidão sobre a terra. (...) na vida de um ser humano, este é o momento mais alto: e é necessário que estejamos com os outros, mantendo os olhos no momento mais alto de seus destinos."
(as relações humanas)

"começamos a nos calar desde jovens, à mesa, diante dos nossos pais, que ainda nos falavam com aquelas velhas palavras sangrentas e pesadas. ficávamos calados. ficávamos calados em protesto e por desdém. (...) éramos ricos do nosso silêncio. agora ele nos causa vergonha e desespero, e conhecemos toda sua miséria. nunca mais nos libertamos dele. aquelas grandes palavras velhas, que serviam aos nossos pais, são moedas fora de circulação e ninguém as aceita. quanto às novas palavras, percebemos que não tem valor: com elas não se compra nada. não servem para estabelecer relações, são aquáticas, frias, infecundas. não nos servem para escrever livros, nem para manter ligada a nós uma pessoa querida, nem para salvar um amigo.
(...)
existem duas espécies de silêncio: o silêncio com nós mesmos e o silêncio com os outros. ambas as formas nos fazem igualmente sofrer. o silêncio com nós mesmos é dominado por uma violenta antipatia que nos toma pelo nosso próprio ser, pelo desprezo à nossa própria alma, tão vil que não merece que se lhe diga nada. é claro que é preciso romper esse silêncio nosso se quisermos tentar romper o silêncio com os outros. é claro que não temos nenhum direito de odiar nossa propria pessoa, nenhum direito de calar nossos pensamentos à alma."
(silêncio)