maio 13, 2018

não adianta

não sou. não sou mais. a existência que te faz acordar, que te coloca no prumo. não preciso. você me olha, agora, desconfiado ou seria porquê tomou uma distância segura o suficiente para me olhar? para me olhar de fora. por não estar encostado às minhas entranhas, por não estar respirando junto das minhas costelas. eu vejo como você me olha. sóbrio. outrora eu achava que não tinha brilho para você, mas agora sim, agora eu sei. vocês falam demais quando amam demais. ao revés do que manda meu sol, meu dourado escorpião entalado na garganta, não amo intensamente. 
mas perdura.
quando eu digo que busco, busco tanto, as tais conexões - o que é conexão para você? perguntou minha terapeuta. na hora não soube responder. é me fazer entender e entender o outro. não sou boa com as palavras.
oralmente
(alguma confiança na minha escrita tem de restar - pode ser que eu me transforme na loba solitária que eu sempre temi ser, mas, ainda assim, poderia falar pelos bilhetes Olá Senhor Porteiro, o Senhor poderia receber esta entrega para mim? Ela é demasiado especial, por favor, me deixe saber quando chegar, estou ansiosa Oi amiga, sinto tanto sua falta, lembra-se quando a gente tomava banhos juntas? não, eu não tinha tesão em você, mas acho triste ter que parar de tomar banho juntas só porque crescemos, saudades, Mari.) 
é me fazer entender. e entender o outro - eu disse. e aí tentei me explicar: é conversar, cozinhar juntos, ter um momento. não. ela me disse: são coisas simples que você deseja, então. será? ou eu não me expressei direito. é não ter olhos de ave rapina sob mim, é olhar você com olhos esbugalhados de peixe ou planta, é florescer no silêncio depois de cada ponto final, é rir na mesma sinergia. é estar absorta num único universo, desmanchar as rígidas linhas da sociabilidade, encontrar. 
não é tão simples assim, Amanda.
eu precisaria, primeiro, me esforçar. voltar ao estado infantil, ingênuo, crente, ouvir as palavras de um velho como se fossem as suas primeiras. oferecer. meu corpo, meu ouvir, minha casa. abrir. entregar. 
e vê-lo desabrochar. que também me olhasse sem intermediar, e. que eu não fosse julgada, não por obrigação, mas pela consonância do entorno. tudo está em equílibrio. soltar. 
sentir amor.
como se sente o amor? como ele ae âmago? não é esse engasgar na garganta, ou essa tensão, nem mesmo essa condescendência. existe? é possível? sentir o amor.
sinto-me distante disso, com você. mijando, eu pensei: estou sozinha.
é um alívio, também.
mas me dá medo.

como se tivesse sido deixada num campo aberto. existe, claro, o campo aberto e tudo que ele oferece: o horizonte, o espaço. finalmente, o espaço.
não existe você. seu colo, sua sombra, seu hálito, a proximidade.
talvez eu tenha entendido agora o que quero dizer com conexão. intimidade, talvez, o que as pessoas chamam por. sentir-se íntimo. o que é? sentir-se próximo, seguro, confortável, escarrar-se dentro do corpo do outro.
eu não escolhi abandoná-la. a intimidade. ou escolhi minuciosamente, secretamente de mim mesma, jogando sem consciência. vocês também escolheram. se afastar, me olhar à distância. 
não se apaixonar por mim.
não adianta nem me abandonar, porque mistérios sempre há de pintar por aí, pessoas até muito mais vão me amar, até muito mais que difíceis que eu pra você, que eu que dois que dez que dez milhões, todos iguais. até que nem tanto esotérico assim, se eu algo incompreensível, meu deus é mais. mistério há sempre de pintar por aí. não adianta nem me abandonar, nem tão ficar tão apaixonada que nada, que não sabe nada, que morre afogada por mim.
escrevi esta música agora, ouvindo-a. é um bom exercício, como se eu pudesse de fato gravar as palavras na minha mente de uma vez por todas.
eu te amo.
nana.
eu, sobretudo, não quero esquecer. mas ando me esquecendo. deliberadamente, esquecendo. dói demais lembrar de tudo.
tudo bem. você pode ir. e não que eu precisasse te permitir alguma coisa, mas de alguma forma, você espera isso.
você espera que eu ofereça a minha permissão. não sei se é para ter paz, aplacar a culpa, ou poder me amar, talvez mais ou melhor, de alguma forma madura. pouco apaixonada. e eu digo: sim, não deixarei de te amar, mas pode ir.
eu ficarei bem, sozinha, embora meu peito doa, pequeno, apertado. não tenho escolha, também. 
é isso que vocês me oferecem.
é isso que eu cavei, é o que eu busquei.
também eu não aguento carregar vocês nos ombros. preciso viver.
o vento chama.