outubro 07, 2009

américa-menina

veja lá, América-menina
agacha-se, nua
esconde-se da própria sina!

sobre os olho muito negros
lhe caem as cortinas de um rosto sofrido
escondem - aqui - seu terouro escondido
mas!
basta sorrir para mostrar o ouro prometido

e o corpo bamboleia escuro
formam os quadris altas cordilheiras
escorrem pelas pernas largos rios
(e quente, dentro, fundo)
se encrespam suas florestas tropicais
e ah! que curvas derradeiras
os seios são cumes, e lá que moram os deuses

e é deusa de si,
é dona de si!

que olhos desavisados se deixaram levar
por estonteante mistério que ali se encerra
que olhos são esses, de malícia e fortuna
que se enamoravam com os olhos da moça-menina?

América-menina, por que tão distraída?

disseram-lhe que não era deusa de si,
ofereceram-lhe carícias
e carícia que carinhava
e explorava seu corpo de menina!
e a pele se arrepia, e o sorriso iluminava
e a alma estendia, e o amor invadia

e o tranco se abatia.
Ah!

América-menina, por que agora chora?

desperta o bicho feroz que dorme quieto,
chora agora a mão que te machuca

- quer mais, menina?
e queria gritar,
mas amordaçaram-lhe a língua,
e emudecia

menina, agora é moça, moça violada e sangrada.

o sangue que daí escorre,
a dor que todo corpo percorre,
e o medo que toma conta,
e o sangue que de si espanta

dentro de ti, reviram-se outrem
dentro de ti, remenda-se outrem

tem a alma remendada,
é negra, branca e índia
chorariam todos
pratearia, tu, se soubesse
e as lágrimas levariam de ti
quem te faz doer e te faz roer!

mas não chora, não
morde-se mais
quer sentir o sangue escorrer
pela dor da própria dentada
e o gosto da lágrima
e o gosto das gentes
quer arrancar-se de si mesma
desintegrar-se em harmonia
ser mais, ser outra, ser tanta

arrancaram-lhe os seios,
os pêlos,
os cabelos,
o amor.

(e o resto
vestiram
com uns trapos
uns trapos
de fumaça e
cinzas)

já não quererão seu corpo -
quando todo ele desmanchar -
velha vagabunda,
abrindo as feridas
e escarrando nas cicatrizes
desvairada e alucinada,

- branca, sou branca!

que a lucidez te abandona
e a identidade já não lhe serve,
e já não tem
braços pernas dedos mãos
(arrancaram-lhe os membos,
para permanecer estática)

e chora, e chora,
américa-mulher,
américa-puta,

(mas ri, e ri, e ri
como velha desdentada)

matará a si mesma
rindo sem saber
matará América
por já não saber
por já não ser
e sequer existir
América, mulher.