outubro 23, 2009

vem cá

o mundo na barriga. e eu olhei para ela, e que olhos eram aqueles, e que boca era aquela. toda ela delineava, saliva brilhava no beiço, era um só coração. eu olhei para ela, e que cabelos, se estendiam longos e desgrenhados, marrons, por todo o céu. ou seria o chão? seria a tempestade.
- vem cá
era vento, vulto e vácuo. o beijo surdo na orelha, e meus olhos fecharam, por instantes. quis ver ela nua, e só, para mim, e em mim. não quis soltar a cintura, e as pernas, minhas, dentre as delas, e todo o azul que sufocava. sentia o mundo - o mundo meu, no meu, e só meu - quis jamais ser. quis esquecer.
- esquece, vem
quis esquecer toda abstração, e toda preocupação, quis nunca ter ouvido a bomba explodir, ou o tiro ensaguentar a vítima inerte. quis esquecer a morte, e quis também esquecer a vida, e assim, ser só ela, ser só dela, ser só nela.
- vem, me beija
e a língua macia, escorregava, o pescoço aflito, como que sempre a bisbiolhetar. e as mãos, que me estorciam, me distorciam, faziam de mim seu boneco, pano e papel, quis me desdobrar em cima do seu corpo, que era miúdo, e era o mundo.
- shiu
escuta o som da noite enquanto a gente se esfrega, se escorrega, e se leva pela alma descorada. quis fundo, encontrar sua alma, e molda-la à minha maneira. e tive seu movimento estático, seu pulo exato. seus lábios percorriam meu corpo, meu corpo percorria seu fado.
- vai
quis ter seu corpo, teus fios se enrolarem em mim, e por aqui, assim, me enforcarem - e assim morrer seria delírio, de boca no seu lírio. quis a saliva molhando meu corpo, o suor que soluça da pele, a pele que arde e sofre. quis sofrer, por ter aqui, o céu em você. te tive.
- shiu
e de ter, esbranquiçar, minha alma se prepara à tona, a sua levanta-se já pronta. o mundo na barriga, o mundo se dissolve, volta tudo forma, cor, tom e timbre. vai, e nunca mais será. vai, e nunca mais terei. e quis gravar, dentro de mim, no âmago que tudo assoma, sua fotografia, o sorriso, e a boca, e tudo delinear, em bonita moldura para pendurar. e quis arranhar, com suas, minhas unhas, dentro da carne, o seu perfume, seu louvor, seu calor.
- não se vá
o suspiro último, e o pedido latente, o fim soluça e se incorpora. o fim imprescíndivel, e a nossa relutância do não, e o nosso desejo animal, e homem que somos nós - sem jamais aceitar o sol um dia se por, a lua um dia minguar. a lembrança persiste, em ondas, e o tiro ainda se dá, e a bomba ainda deixa surdo, e o mundo não cabe mais na barriga. jamais coube. a tempestade vai-se, e chega outra, pior. o pedido de bocas jamais serão atendidos, a alma já se foi, o céu as leva, o chão não quererá enterrar. o vento tudo ameniza.
- mas
em mim ainda existe o seu ar, um pouco do vento que tudo desorganizou. na barriga, ainda um mundo pretende se formar, quando pensa, sem pestanejar, em rever novamente, abaixo do céu, o seu riso, a sua saliva que escapa, e os olhos a me fitar. e ouvir, da sua voz, serena e doce, entre tantos escuros que escorrem e que percorrem nossos corpos cansados dizer,
- fim
que fim jamais será.