novembro 05, 2009

confissões de uma bêbada

não conseguia escrever bêbada, pela dificuldade do circunflexo. requer muita habilidade. estou pelada escrevendo, porque o calor me devora. não calor interno, que assa a alma da gente, mas esse calor bizarro da primavera. a chuva cai, forte e pesada, pra rir da nossa cara. a gente cai na brincadeira, como o pingos que desabam sobre o mundo. vão rolando pelas ladeiras, se enroscam nas esquinas, param nas sarjetas e desmaiam com sua lástima. lástima é ficar até tarde, bebericando a conversa dos outros. ouvindo o prazer da alma, a coisa que agita dentro e fundo. ser o que corre nas veias, mesmo que seja ácido. e o preço que se paga, de longe não vemos. míopes e boêmios. assim seguimos, sempre com uma canção na boca. e o copo que espera, a gelada se esfria, o sorriso se faz. tudo é motivo pra mostrar os dentes, abrir as janelas, escancarar a alma. a alma passeia livre e lépida, feito vento noturno que levanta as saias das moças. tal liberdade que encontrei, não poderei nunca negar. sinto meu passado preso, presa nas garras da rotina, da coerência, do eterno bom senso. a moral e a ética que tudo apazigua. o calmo das nossas vidas entorpece nossos sentidos. se não há a tempestade, o conflito interno que acentua as faces opostas dentro de cada um, para depois bombardeiar e arrebentar, todo o resto é indiferente. qual liberdade essa que me entreguei sem poder? sem poder dizem sim e não, apenas me arrebatou, me invadiu e me acelerou. me acalarou. agora, gosto mais do som latino, do batuque do coração, dos passos invadindo, do calor da estação. sou mais um pouco de mim, sem saber que esse mim existia. talvez tenha inventado, entre tantos mundos e teorias, um outro eu se formaliza. e a essência, aqui, continua intacta? os outros me dirão. enquanto o julgamento tarda, vivo a vida que mereço viver. a vida que escolho, não o acaso que me conduz. sempre fui companheira desse deus egoísta e natante, que é o acaso. agora, sou eu. ou o acaso que me conduz mais, sem perceber, solta pelo ventos sem razão. a máfia me consome. aqui dentro, novas concepções são formadas, e não há nada igual que falá-las e vivê-las com esta corja de assassinos. assassinos da solução, expandindo o caos e a detruição. a detruição bem vinda pela vida, pelo amor, pela dor sofrida. a destruição de dogmas ultrapassados, de sentinelas sóbrios. quero antes o lirimos dos loucos. manuel bandeira, agora, me abraça com seus versos libertinos. vou me embora para passárgada. passárgada, querido manuel, lhe digo é isso: este estado de espírito que tento definir e nada encontro, esta energia que ultrapassa a mim mesma, e me transtorna, me liberta, me acoberta. sou protegida, sou sortuda. quero antes tudo isso que a vida mesquinha, que a existência sombria, como uma sombra que se proteja pelos exemplos (bons e corretos) dos outros. quero antes mim mesma que outros. quero antes ter os outros ao meu lado, que a solidão desesperada. quero antes isto, que nada, posso admitir: se vieram me culpar, e se vieram cuspir, eu vou dizer, eu vou dizer, eu quero dizer, quero ser assim, pois não cabe mais alegria em mim. e alegria essa, espontânea e rasteira, que é meu alimento, ar que enche meus pulmões. quero isto, quero a originalidade, e a espontaneidade. quero nunca mais fingir, quero ser, e crescer assim.