julho 28, 2009

sobretudo preto e cigarro aceso.

tive amores não-fumantes. e buscarei nunca mais tê-los. minha última, Violeta, ela se chamava. era uma menina doce, vinha de uma cidade interiorana e fazia faculdade por aqui. tinha olhos perdidos e sonhadores. depois que terminamos, encontrei-a à porta de minha casa, mal podendo se sustentar naquelas pernas curtas, e com um cigarro na mão. quando juntos, ela me proíbia de fumar ao lado dela, o que contribuiu para o término precoce do nosso relacionamento. perguntei-a por que que estragava seus puros pulmões com aquela fumaça da maldade. ela disse que aquilo a fazia lembrar-se de mim. e toda vez que tragava, sentia um aperto em sua cona, um delírio infindável, e se perdia nas minhas lembranças. depois dela, menina que nunca mais quis ver, decidi-me por me juntar só com mulheres fumantes. quero, assim, que apagem facilmente minha lembrança de suas cabeças, e de suas almas. quero poder ser livre, e quando o término for inevitável - pois é sempre - que saiamos, os dois, sem feridas tão produndas. alguns cortes na pele nos bastariam.
pensava isso, e andava pela rua. fazia frio, todo o céu era cinza, e poucas pessoas transitavam pelas calçadas. eu era sobretudo preto e cigarro aceso. tenho feições graves, masculinas, gestos ásperos, voz grave. vi-a na outra calçada. era muito bonita, visão cinematográfica. segurava um cigarro nas pontas do dedo, com leveza. atravessei, as mãos no bolso. a gravidade mantida nas feições.
- você fuma?
ela me olhou, divertida. era nova. a vida parecia-lhe um grande parque de diversões, ainda.
- não.
e abriu um sorriso cheio de dentes brancos e tentadores. os lábios eram carnudos e vermelho. o sorriso de uma predadora. de uma vampira, dessas que tem prazer em sugar a alma dos outros.
- e por que segura este cigarro, posso saber?
- para minha amiga.
- e por que assim?
indiquei a sua mão posicionada. puro fingimento. meu desinteresse pela moça já se alastrava.
- para ver quem me perguntaria se eu fumo.
riu, com uma gargalhada curta e pousou seus olhos provocadores em mim. tinha acertado. era vampira, felina, moça-menina; se eu era especialista em términos, ela em conquistas dissimuladas.
ouvimos passos graves logo atrás. a suposta amiga vinha, cabisbaixa. vestia preto, e apenas um cachecol vermelho que balançava com o vento que a tudo levava. seus passos eram lentos.
- ninguém tem fogo.
pareceu não se importar com a minha presença. tinha um corte torto nos cabelos, que lhe dava uma impressão de louca. eu sabia que não. ela era mais triste que louca.
a primeira, com o cigarro ainda nas mãos, indicou-me com o olhar.
ela me olhou longamente, pegou o cigarro, e apenas sorriu. não conseguia decifrá-la. não usou palavras para pedir o fogo que queimava no meu cigarro. apenas se aproximou. senti seu perfume de madeira. seus olhos eram negros e vastos, e usava forte maquiagem da mesma maneira. ela era toda ela, se isso fosse possível. não se deixava ser mais ninguém, apenas o que transparecia na alma. e por isso, era tão mais difícil descobrir quais eram suas táticas.
talvez não tivesse tática.
um silêncio arrebatador se abateu sobre nós três, estranhos, em uma rua vazia e fria.
- vocês aceitam um café? ou um chopp, quem sabe.
- um chopp. e você, lá?
respondeu a felina, abrindo mais uma vez o sorriso. eu já não olhava aquele sorriso arrebatador. se concentrava na sua amiga, mais baixa que ela, mais atarracada, mas incrivelmente mais interessante.
ela deu de ombros, e um meio sorriso, talvez pela comodidade de não ser taxada de antipática. andamos, os três. olhando as duas mulheres, pude constatar que eu me apaixonaria pela beleza da primeira. mas me perderia na tristeza da segunda, e com ela, a minha própria angústia encontraria lugar. e eu sabia que, dessa vez, eu saíria profundamente ferido, como teria querido Violeta. e a menina, só com alguns arranhões a mais na pele já tão castigada.
o mais sensato escolheria apenas se aproximar da primeira mulher. mas eu nunca fui sensato. a sensatez não prova paixões, e era essa, talvez a minha maior busca.
tragei meu cigarro, e quis puxar o significado da minha alma. veio-me só o gosto da paixão.