julho 02, 2009

do gosto de ser vilã.

e não é à toa que os vilões merecem a morte. Macabéia também morreu, e sua maior inimiga sempre foi a própria vida. só a morte da vida poderia acabar com a vilã intacta, a que é própria de si mesma. escravos também se suicidavam de escárnio, e dizem-me os professores de humanas "assim donos perderão". e diz-me, então, que o vilão da vida de um escravo é um senhor? a vida de um escravo me parece muito passiva de suicídio, além dos fatores socio-econômicos que insistem em enfiar nas nossas mentes pouco afetivas. novelas são recheados de vilões, sotisficados, modelados ao gosto popular. são como os enforcamentos públicos. que júbilo há em ver ladrão se meter nas vias da morte? guilhotinas, fuzilamentos, crucificação. joana d'arc era vilã de quem quando sentiu o cheiro da própria pele carbonizada? socrátes morreu pela paz de vossas mentes. deixa de tolices. a história só se faz encriminando vilões, que tornarão-se heróis. jack, o estripador era um vilão? hitler, condenado pelos valores pós-segunda-guerra, o maior vilão de todos os tempos. ninguém o matou. ele próprio desferiu contra si o suspiro de alívio de multidões aprisionadas. alguém me aponta quem merece guilhotina, bush e sua corja ou os terroristas islâmicos? turbantes e barbas devem ser punidos da sociedade justa e democrática que vivemos. nossa sociedade é vilã? mataremos-nos, então. assim o mundo estará limpo deles. assim a paz e o progresso reinarão.

mas estes vilões são periféricos na nossa imaginação. a rotina nos distancia de nosso ódio, que só é retomado por alguma iniciativa externa. aqui dentro, imperam os vilões das nossas vontades. e não há seleção afetiva de vilão: filhos matam pais; pais matam filhos. o herói facilmente é convertido em vilão, ao contrário do que nos mostra a história. na nossa vida, única e finita, ultrapassamos diversas vezes a linha do amor e do ódio. cá pendendo aqui, cá pendendo lá. o nosso desejo é o rei. e declaramos guerras constantes aos inimigos externos. há intensa campanha ideológica a favor desta guerra. todos os membros se enrijecem, adrenalina corre no sangue, já não nos atentamos para nossos compromissos. alma, corpo e mente, que diversas vezes conflitam entre si, são um só. pela primeira vez, frente a um inimigo comum, um só. e como únicos, marchamos, cegos pelo objetivo da destruição. mesmo que a destruição seja interna. como destruir uma imagem que vive dentro de si mesmo? são projeções incansáveis que distendem por toda a alma, roubam cada pedaço. e ser inimiga de si mesma, como a vida de Macabéia era dela mesma, dói. sei que dói.

ser vilã, e não histórica onde se resguardam pelo menos páginas do livros escolares, é também dor crucificante. sabe-se do estrago, da ferida. e dentro de si, há apenas uma culpa que não se entende, como um comichão que incomoda, vem pelos pés e sobe até a cabeça. sabe-se, porque noutra vez, também já teve um vilão. e se liberassem nossos instintos, se abolissem as leis, mataríamos, sem dó, em praça pública, revelando-lhes seus crimes imperdoáveis. transformaríamos nossos vilões, mesmo que internos, em vilões históricos.
e sentir-se como apregoado na cruz, com o pescoço entre a guilhotina, rasga a alma, pouco e a pouco. sua mente, seu corpo e sua alma estão em (in)constantes conflitos. não se juntam ne unidade, apenas lhe apresentam o estrago. o vilão, parado, sem reação, apenas recebe as chibatadas. vem de si mesmo, e não do mundo, como ele pensa. vem daqui de dentro, como se machucar também fosse sair machucado. e diram os físicos, eis a ação e a reação, se deres um soco na parede, também a força atingirá sua mão. também a força o consome de todo, pois energia nunca pára. vai, volta, reviravolta. também a força é grande vilã do vilão, e talvez os heróis agradeçam por isso. merecemos isso? sim. sim, pois todos os vilãos merecem a morte. e não morte total, se tratando dos assuntos da alma, mas uma morte instantanea de algum pedaço de dentro, que desiste de fazer parte de tal corpo pecador. um pedaço que se perde aqui, acolá, sem poder atingir a felicidade coletiva. a felicidade coletiva é uma mentira; os vilãos são verdades absolutas dentro de cada um. podem não ser eternos, podem até ser ocultos, mas por um segundo, tornam-se objeto de matar e morrer. e se morrer. os vilões também morrem, também sentem o gosto do veneno que queima a garganta, o fogo que se alastra pelo corpo, o escuro dos quartos vazios e imundos. ninguém, nunca, está livre. e em todas as relações, em todas as relações, até naquelas baseadas em razão cega e desmedida, ninguém está livre de sair ferido, corroído. de ser atingido, como as águas revoltas que a tudo destroem, sem escolha, nem piedade.

piedade, os vilões merecem a morte.