janeiro 26, 2011

trai-a

foi assim, eu a trai. trai, assim, e não foi difícil. e também não foi por querer. e não há motivo, nem explicação. não é questão de desesperar também. melhor que deixemos a culpa enterrada. e não há o que dizer, lhe juro. não há crise, eu estou com ela há, não sei, dois anos, três anos, três anos e meio, acho. faz um tempo, mas nossa relação é estável. mas é que tem muita menina por aí, muita menina na minha sala. elas sentam ao meu lado, de mini-saia, faz calor, faz beicinho. elas vem, de mansinho, querendo amizade. eu também, sou amigo. nunca olhei nenhuma com intenção logo de cara. nunca desejei ninguém assim, de instante, porque tinha minha menina em casa. juro que não procuro encrenca, mas é que a gente senta, conversa, faz trabalho em grupo, toma breja no bar da esquina. eu não sou santo, ninguém é. a menina senta ao meu lado, bebe uns dois copos de cerveja, fica vermelhinha. eu acho bonito. eu gosto de mulher, quem não gosta? prova disso que até tem muita lésbica por aí. mas lésbica não é quietinha também, não. teve até uma se sentou do meu lado, fez piada, sussurrou o que fazia com a amiga no escuro do quarto. aí, não aguentei. ia beijando ela, pensando na amiga dela que eu nem conhecia, e achando que o mundo tava perdido mesmo, sei não; nem se todas as mulheres fossem lésbicas, não se salvaria. eu só não resisto aos fatos da vida, a vida vem na minha direção feito avalanche, e eu aceito tudo. aceito todas. o pior é que eu moro com a minha menina. moro há seis meses, um ano, um ano e meio, acho. talvez mais. eu chego em casa, entro correndo, dizendo que tô louco pra um banho. tem que se salvar de tudo, de cheiro, mulher percebe essas coisas. minha menina tá em frente à tv, os cabelos lisos pretos emoldurando a cara. "gostou do meu corte, amor?" digo que sim, que tá linda. não sei, pra mim tá igual. ela tá sempre igual. de pijama, sempre de pijama, desde que nos mudamos. "o feijão tá na geladeira." feijão, feijão, feijão. ela é mineira, não vive sem feijão. eu é que não aguento feijão, fico olhando com certa asia, mas não tenho coragem de dizer. como o feijão, de bom grado, que tá pronto. depois sento do lado dela, no sofá. com a gente, divide o aluguel um outro casal. ás vezes fico olhando pro cara, que não é muito meu amigo, e fico me perguntando se ele trai a menina dele. não sei, não é da minha conta. vivemos bem, comemos pizza de sexta-feira. ela reclama aqui, acolá, não sei mais o quê. no sábado passa perfume, saímos não sei pra onde, que é pra aliviar a rotina, e nheco nheco. de noite, só. nosso sexo tem esse barulho: nheco nheco. não sei se é pela cama ou se é por ela. quando ela gosta, os olhos dela ficam todo brancos. e eu vejo ela, assim, no escuro, os olhos brancos, o cabelo preto. aí ela dorme nos meus braços, diz que me ama. e só ás vezes eu penso: como é que eu vou trai-la? ela faz feijão, ela faz nheco nheco, é uma boa esposa. mas não sei, vem as meninas, eu não sei reagir. só sei dizer sim. e ela nem desconfia! alguém me disse que era bom terminar então. mas terminar? olho ela nos meus braços, os cabelos lisos cobrindo toda a cara, o corpo coberto pelo lençol. o lençol tá lavado, graças à ela. terminar pra quê? quem é que fica feliz? ela parece ser feliz. e assim, eu aplaco minha consciência, que nunca foi insistente e durmo em paz.